sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Exposição 'Dois Irmãos - João e Arthur Timótheo da Costa'. Duas paletas com o mesmo DNA e a mesma luz.

Já é difícil haver dois grandes artistas plásticos nascidos dos mesmos pai e mãe. Se a família for negra, pobre e numerosa, então, é quase impossível que um grande talento tenha oportunidade de vir à tona. O que dizer, então, de não um, mas dois artistas brasileiros excepcionais, irmãos, porém pobres, negros e ainda por cima nascidos em uma época em que o preconceito racial estava ainda mais entranhado na nossa sociedade? Milagre? Sim, talvez. Generosidade? Seguramente. Porque se não fosse pela sensibilidade de um mecenas, o talento dessas duas figuras iluminadas jamais teria sido burilado e revelado ao mundo.

Estou falando dos irmãos cariocas Arthur Timótheo da Costa (12/11/1882 – 5/10/1922) e João Timótheo da Costa (24/12/1879 – 20/3/1932), dois pintores talentosíssimos que deixaram no chinelo muitos estudantes de arte brancos, ricos e bem nascidos no período da belle époque. Arthur e João participaram de diversas exposições nacionais e internacionais com obras criadas com uma técnica apurada e detentoras de extrema sensibilidade e beleza. Ambos viajaram pela Europa, estudaram e moraram em Paris e receberam encomendas das senhoras da sociedade para criar retratos e outros trabalhos. Arthur foi pintor, desenhista, cenógrafo, entalhador e... ufa!... decorador. O talento de seu irmão não era menor: João foi pintor, decorador e gravador. Embora as carreiras dos dois tivessem caminhado em paralelo, ambos compartilhavam uma profunda identificação artística e por diversas vezes trabalharam juntos nos mesmos projetos.

Arthur e João Timótheo da Costa, dois artistas excepcionais - Foto da exposição

Algumas dezenas de belas obras desses dois irmãos podem ser admiradas até domingo no Museu Afro Brasil, em uma exposição simplesmente imperdível. Como não era permitido fotografar, mesmo sem flash, tentei reunir algumas imagens por meio de fotos da internet. Nem todas as obras que aqui estão fazem parte da exposição, mas já dá para a gente percorrer um pouco da trajetória desses grandes artistas.

Arthur Timótheo da Costa - 'Nu feminino' (s.d.) - óleo s/ tela - coleção particular

João Timótheo da Costa - 'Reflexos do sol em morro do Rio de Janeiro' (1909) - óleo s/ madeira

Tudo começou quando os irmãos arrumaram emprego na Casa da Moeda do Rio de Janeiro e tornaram-se aprendizes de desenho de moedas e selos. Arthur também conheceu o processo de gravação de imagens. O diretor da instituição, uma alma iluminada chamada Enes de Souza, reconheceu o talento dos meninos, incentivando e patrocinando o ingresso de ambos na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) em 1894. Lá tiveram aulas de modelo vivo e desenho com Zeferino da Costa (1840-1915) e Rodolfo Amoedo (1857-1941), entre outros ótimos artistas.

Arthur Timótheo da Costa - obra da exposição

Arthur Timótheo da Costa - obra da exposição

Arthur Timótheo da Costa - 'Autorretrato' (1908)
óleo s/ tela - acervo da Pinacoteca de São Paulo
Vamos falar primeiro de Arthur Timótheo que, embora fosse o irmão mais novo, teve morte mais precoce. Quando já estava cursando a ENBA ao lado de João, Arthur teve a felicidade de tornar-se aprendiz de cenografia com o italiano Oreste Coliva, famoso pelos cenários de óperas que havia criado em seu país natal e também em Buenos Aires, Montevidéu e, posteriormente, no Brasil.

Em 1905, Arthur estreou na Exposição Geral de Belas Artes com duas pinturas, 'Diante do Modelo' e 'Repreensão', mas o êxito veio apenas em 1907, quando ganhou como prêmio uma viagem ao exterior com a tela 'Antes da Aleluia'. No ano seguinte, lá foi ele para Paris, onde ficou dois anos antes de percorrer a Itália e a Espanha. Influenciado pelos impressionistas e visivelmente impressionado com o pintor simbolista francês Puvis de Chauvannes (1824-1898), Arthur passou a exibir em suas obras, a partir de então, contornos menos rígidos e volumes modelados nas pinceladas.




Arthur Timótheo da Costa - 'Antes da Aleluia' (1907) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes (RJ)

Após retornar ao Brasil, em 1910, Arthur criou uma das pinturas mais emblemáticas de suas tendências vanguardistas: 'A Forja' (1911), fortemente influenciada pelos pintores europeus e cujos traços teriam antecipado a pintura do Modernismo - tanto no tema, o trabalho industrial, quanto no tratamento da imagem, com a ausência de contornos em vigorosas pinceladas. Infelizmente, não consegui nenhuma imagem desta obra.

Arthur Timótheo da Costa - foto da exposição

Arthur Timótheo da Costa - 'Modelo em repouso' (s.d.) - óleo s/ tela - SPHAN
Pró-Memória/Museu Nacional de Belas Artes (RJ)

Arthur Timótheo da Costa - 'Pintor no Ateliê, Paris, França' (c.1910) - óleo s/ tela - acervo Instituto Cultural Sérgio Fadel

Arthur Timótheo da Costa - 'A Dama de Verde' (1908) - óleo s/ tela - Museu de Arte de São Paulo - obra da exposição

Arthur Timótheo da Costa - 'Retrato de menino'
(s.d.) - série Carnaval XXVIII - óleo s/ cartão
Coleção particular
Mesmo criando obras sob encomenda para as senhoras da alta burguesia, porém, Arthur não esqueceu suas raízes e nunca deixou de pintar sua gente, negros pobres e simples que ele retratou com uma técnica apurada e extrema beleza. A exposição do Museu Afro Brasil tem dois desses retratos, um deles de 1906.

Em 1910, Arthur rumou para a Itália juntamente com seu irmão João e um grupo de artistas, para uma missão para lá de especial: decorar o Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional de Turim, que seria realizada no ano seguinte. Uma honra. 

Em 1912, os dois irmãos voltaram para o Rio e, a partir dali, Arthur expôs regularmente nas Exposições Gerais de Belas Artes, conquistando medalhas nos anos de 1913, 1919 e 1920. De modo geral, Arthur continuou pintando as belíssimas paisagens que tanto me encantaram na exposição, bem como outros temas da pintura acadêmica, mas os traços do impressionismo estavam lá. Em suas últimas paisagens eles ficaram ainda mais evidentes, como é o caso de 'Cais Pharoux, Sol e Mercado Velho do Rio de Janeiro' (1918), exposta na mostra. Nesta obra-prima, a dinâmica das cores prevalece sobre a definição das figuras, com pinceladas mais marcadas e movimentos mais velozes.

Arthur Timótheo da costa - 'Bosque - Turim' (1911) - óleo s/ tela - Coleção Fernando Soares (São Paulo - SP)

Arthur Timótheo da Costa - 'Cais Pharoux' (1918) - óleo s/ madeira - Coleção Max Perlingeiro - obra da exposição

Em 1919, Arthur fundou, ao lado de outros artistas, a Sociedade Brasileira de Belas Artes no Rio de Janeiro. Pouco depois, junto de João, fez a decoração do Salão Nobre do Fluminense Futebol Clube. Após o falecimento de Arthur, em 1922, João continuou o trabalho até 1924.

Este autorretrato de Arthur tem um primoroso trabalho
de luz e sombra.

Em 1921, Arthur participou pela última vez da Exposição Geral de Belas Artes e, infelizmente, teve um fim trágico. Em virtude de uma doença mental, foi pouco a pouco deixando de pintar e, internado no Hospício dos Alienados do Rio de Janeiro, morreu nessa instituição em 1922.

João Timótheo da Costa
Agora vamos ao outro irmão. Embora João Timótheo tenha criado mais de 600 pinturas dos mais variados gêneros, a exposição tem menos obras suas do que de Arthur, devido à dificuldade de empréstimo de obras pertencentes a coleções particulares. Achei suas paisagens particularmente belas e poéticas, mas, segundo o crítico José Roberto Teixeira Leite, João se destacou mais nos nus masculinos e nos retratos, com um desenho sensível e um belo colorido. O fato é que suas pinturas têm muitas afinidades com as de seu irmão, tanto nos temas quanto na técnica. Com pinceladas largas, João estrutura suas composições por meio da cor, trabalhando tanto com espátula quanto com pincel. Seus quadros de paisagens, principalmente as marinhas, apresentam uma luminosidade delicada e sutil. 

João Timótheo da Costa - 'Retrato' (1928) - óleo s/ tela
Museu Nacional de Belas Artes (RJ)
Quando viajou a Turim ao lado de Arthur, em 1910, contratado pelo governo brasileiro para decorar o Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional, João aproveitou a oportunidade para visitar vários museus em países europeus, notadamente Espanha (Barcelona) e Suíça. Desta forma, assim como seu irmão, pode conhecer obras impressionistas e as pinturas do simbolista Puvis de Chavannes, que marcaram seu trabalho de forma ainda mais profunda do que o de Arthur.

Muito requisitado para realizar pinturas decorativas, João executou, em 1925, cinco painéis abobadados para o Salão Nobre da Câmara dos Deputados, atual Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Até o hotel Copacabana Palace tem uma série de painéis decorativos de sua autoria, executados no mesmo ano. Sim, os Guinle sabiam o que era bom!

João Timótheo da Costa - 'Paisagem' (1912) - óleo s/ tela
Museu Carlos Costa Pinto (Salvador, BA)

A obra 'Barcos' (1920), abaixo, João mostra grande sensibilidade no uso da cor. Suas pinceladas sugerem volumes e distâncias, explorando o jogo entre as formas sólidas - os barcos - e os reflexos coloridos na água.

João Timótheo da Costa - 'Barcos' (1920)

Assim como seu irmão, João também participou de diversas edições do Salão Nacional de Belas Artes, recebendo uma medalha de outro em 1926. Em algumas obras, aproxima-se do enquadramento fotográfico, como nos exemplos abaixo.

João ´Timótheo da Costa - 'Recanto de Atelier (1926) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes (RJ) - obra da exposição 

João Timótheo da Costa - Sem título (s.d.) - óleo s/ madeira
Coleção Nelson Adoglio (São Paulo)

João costumava reclamar do excesso de luz tropical, dizendo que ela prejudicava sua pintura – o que não é de se admirar, visto que tinha uma queda pela pintura mais sombria dos simbolistas. Na obra 'Nu Feminino', de nítida inspiração pontilhista, João adaptou a linguagem do francês Seurat à sensualidade tropical. 

João Timótheo da Costa - 'Nu Feminino' (1929) - obra da exposição

Ironicamente, ambos os irmãos partilharam o mesmo triste destino: a insanidade mental de Arthur, falecido prematuramente em 1920, e a morte da filha de seis anos foram duros golpes dos quais João nunca se recuperou totalmente. Assim, também adoeceu e, a exemplo de seu irmão, foi internado no Hospício dos Alienados em 1930, falecendo em 1932. 

É impressionante como, mesmo tendo vidas breves – um morreu prestes a completar 40 anos e o outro aos 52 -, os dois irmãos tenham conseguido produzir tantas e tão belas obras. Só mesmo o talento para explicar uma produção tão excepcional. É por isso que é difícil entender por que Arthur e João Timótheo não são tão conhecidos, hoje, quanto outros grandes pintores brasileiros do século XIX, como Almeida Junior ou Rodolfo Amoedo. Não duvido, inclusive, que o preconceito racial tenha tido grande parcela de responsabilidade nessa lamentável omissão. 

Portanto, corra para o Museu Afro Brasil para conferir a exposição ‘DOIS IRMÃOS’! Corra mesmo, porque domingo, dia 4/8, é o último dia. O museu fica à Av. Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque Ibirapuera - Portão 10. Tel.: 3320 8900 – www.museuafrobrasil.org.br. Das 10h às 17h - entrada franca.

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