quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Castelo de Les Baux-de-Provence, o senhor dos Alpilles.

Um dos exercícios que mais gosto de fazer ao visitar ruínas de sítios arqueológicos ou castelos é tentar imaginar como eram os espaços na época em que as pessoas os habitavam. Em Les Baux-de-Provence não foi diferente. Esse village do sul da França, que atualmente tem cerca de 500 habitantes, já gozou de grande pujança na Idade Média e tinha um enorme castelo que pertenceu, sucessivamente, a diferentes senhores feudais.

As lavandinhas ladeiam as ruínas do castelo de Les Baux-de-Provence - Foto: Simone Catto

Três vezes sitiado e duas vezes destruído, o castelo de Les Baux remonta a cerca de onze séculos e está hoje em ruínas, mas o que restou dele é suficientemente relevante para atiçar nossa imaginação e nos dar um panorama de como era a vida em seu interior. Algo me diz que não era nada fácil, sobretudo para uma mulher!

Ruínas do castelo - Foto: Simone Catto

A cidade de Les Baux-de-Provence fica sobre um platô de 245 metros de altura e o castelo está na parte mais alta do rochedo, tendo funcionado também como fortaleza. Na foto abaixo vemos o vilarejo e, acima dele, as ruínas do castelo construído com o calcário branco extraído das pedreiras da região.

Foto: Randojp

No esquema a seguir, vemos cada parte do castelo e do espaço onde foi erigido. Compare com a foto anterior.


No acesso ao castelo, topei com as esculturas de um artista plástico alemão chamado Stefan Szczesny (nascido em 19/4/1951). Qualquer semelhança com Henri Matisse não é coincidência: o alemão realmente se inspirou no francês. Ao pesquisar sobre ele, descobri inclusive que Szczesny mora em Saint-Tropez, assim como Matisse também morou e trabalhou na glamourosa cidade da Côte d'Azur.

Esculturas de Stefan Szczesny - Foto: Simone Catto

O castelo de Les Baux-de-Provence situa-se na extremidade do Plateau de Costapera, um amplo espaço aberto com réplicas de armas medievais e vistas de tirar o fôlego. Na foto abaixo, ao fundo, dá para ver um típico trabuco medieval com a ponta voltada para cima.

Plateau de Costapera - Foto: Simone Catto

Neste ângulo das ruínas, vemos mais trabucos à esquerda. Parece que esses medievais adoravam trabucos!
Foto: Simone Catto

E agora, alguns momentos "Uau!". O castelo de Les Baux domina o Vallon d’Entreconque com uma paisagem deslumbrante que se estende por centena de quilômetros. Na foto abaixo, à esquerda, as montanhas dos Alpilles emolduram belos campos cultivados.

Vallon d'Entreconque - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto
 
Foto: Simone Catto

Encravada no rochedo, a torre do castelo foi erigida no século XIII. Era lá que ficavam os aposentos do senhor feudal e sua família, distribuídos por quatro andares, contando com o térreo. No terceiro e último andar ficava o dormitório, do qual ainda restam duas janelas e algumas esculturas nas paredes, incluindo um São Jorge atravessando o dragão com a espada.

Do estacionamento vimos as ruínas da torre do castelo - Foto: Simone Catto

Essas janelas, em outra parede do castelo, parecem
prestes a ruir! - Foto: Simone Catto

Abaixo está o Seconde Basse-Cour (Segundo Celeiro), que ficava separado do primeiro por uma fossa e abrigava, na Idade Média, os ateliês e os empregados do castelo: escudeiros, ferreiros, seleiros e também o canil. Curiosamente, o aspecto das paredes conservou-se liso e regular devido à exploração do calcário na Segunda Idade do Ferro, do século 60 a 30 a.C. Nas fotos a seguir dá para notar essa característica das paredes.

Seconde Basse-Cour - Foto: Simone Catto

Outro ângulo do Seconde Basse-Cour - Foto: Simone Catto

As próximas fotos mostram uma capela construída no século XII, inicialmente denominada Capela de Santa Maria. Seus arcos românicos são os vestígios mais antigos do castelo e sua abóbada com nervuras é um elemento arquitetônico refinado, característico do estilo gótico flamboyant. No século XVI, período da Renascença, ela foi rebatizada como Capela de Santa Catarina. Sabe-se que já foi ricamente decorada, com tapeçarias, um pequeno órgão, livros litúrgicos e peças de ourivesaria. Hoje, dá apenas para imaginarmos essas coisas.

A Capela de Santa Catarina com os arcos mais antigos
do castelo - Foto: Simone Catto

Detalhe do teto gótico flamboyant - Foto: Simone Catto

A Casa do Forno era uma espécie de padaria onde se produzia o pão, que constituía a base da alimentação na Idade Média. Haja carboidrato! No castelo, o forno para assar o pão era utilizado exclusivamente em benefício do senhor feudal e de sua família.

Passagem da Casa do Forno - Foto: Simone Catto

Casa do Forno - Foto: Simone Catto
 
Casa do Forno - Foto: Simone Catto

Naturalmente, contudo, não era só de pão que se vivia no castelo. A carne de pombo era muito apreciada pelos senhores (argh!), que tinham o privilégio de manter um pombal particular. Nem todos os pombos eram mortos, porém: alguns eram utilizados como pombos-correios, pois dificilmente seriam interceptados por pessoas indesejáveis. O pombal ficava na parte sul do castelo, ao abrigo do vento mistral que sopra na Provence, e os ninhos eram escavados no calcário mole. O direto de abrigar um pombal foi abolido na Provence no final do século XVII, mas me pergunto se até então as pessoas não ficavam doentes, pois sabemos que essas aves transmitem dezenas de moléstias! Pombo, só aceito dois: o da Paz e o do Espírito Santo. Amém!

Pombal do Castelo de Les Baux - Foto: Simone Catto

Para conhecer belas paisagens da região e minha experiência nas Carrières de Lumières, um espetáculo imperdível em Les Baux-de-Provence, clique aqui e viaje comigo!

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Les Baux-de-Provence, um presente que a natureza esculpiu e o homem embalou.

Ainda na estrada, quando me aproximava de Les Baux-de-Provence, avistei ao longe as montanhas esbranquiçadas de calcário, formações típicas do sul da França que despontam entre os vinhedos e oliveiras a perder de vista. Com sorte, quem passa por ali no auge do verão consegue avistar também lindos campos de lavandas, girassóis e papoulas. Como peguei apenas o comecinho da estação quente, o que vi foram lavandinhas aqui e ali, mas elas ainda não derramavam seu violeta por toda a paisagem.

Ainda na estrada eu já avistava ao longe o que me aguardava - Foto: Simone Catto

As graciosas lavandinhas - Foto: Simone Catto

Fui para les Baux determinada a conhecer as ruínas do grande castelo medieval que um dia testemunhou o poderio de sucessivos senhores feudais e também assistir à apresentação das monumentais Carrières de Lumières, famosas por seu espetáculo imersivo com obras de Van Gogh. Mas é bom dizer que, como boa parte das cidadezinhas no sul da França, Les Baux tem muito mais a oferecer do que aquilo que aparece nos folhetos turísticos e na Internet. Fiz muitas descobertas ao flanar por suas ruas de pedras com belas residências medievais e renascentistas, lojas com sabonetes multicoloridos e perfumados, capelas construídas há séculos e restaurantes com terraços refrescantes. Neste post, vou abordar apenas algumas de minhas experiências em Les Baux, já que seria impossível narrar todas de uma só vez.

Vou começar falando da natureza, que foi a primeira coisa que me impactou à medida que me aproximava do lugar. O village de Les Baux-de-Provence, de apenas 500 habitantes, se situa no coração da região dos Alpilles, um dos grandes parques nacionais preservados da França. Recebeu o nome de "Les Baux" por estar situado sobre um "baou", palavra que designa uma proeminência rochosa achatada no topo. De fato, a cidade está empoleirada no alto de um grande platô de rocha 245 metros acima do solo, o que faz com que a gente encare uma subidinha para chegar até lá. Como o traçado original era destinado à passagem de pessoas e animais, a estrada é estreita e sinuosa, mas nada que já não tenhamos visto aqui no Brasil. Na foto abaixo dá para visualizá-la entre as árvores.

A estradinha sinuosa se insinua entre a vegetação - Foto: Simone Catto

Les Baux-de-Provence é um vilarejo muito antigo. Sabe-se que seus primeiros traços remontam à Idade do Bronze, mas foi na Idade Média que a cidadezinha ganhou prestígio e importância. Por se situar no topo de um rochedo, gozava de uma posição geográfica privilegiada para os senhores feudais se defenderem dos invasores. Assim como nas demais cidades medievais, o antigo castelo de Les Baux fica na parte mais alta e constitui uma das principais atrações turísticas locais. 

Na foto a seguir vemos as ruínas do castelo, na parte superior, e a cidade que se estende a seus pés, mais abaixo. Note que o tom esbranquiçado do castelo se deve ao fato de ter sido construído com o calcário branco extraído das rochas da região. Os campos cultivados, ao fundo, dão uma ideia da altura da cidade.

Foto: Internet

Durante o Renascimento, a antiga vila medieval no sopé do castelo atraiu a nobreza local e a burguesia protestante, ganhando luxuosas residências. No entanto, após um período de lutas entre católicos e huguenotes (protestantes), Les Baux entrou em declínio por cerca de três séculos. Somente em 1821 um químico de Paris chamado Berthier descobriu nas imediações uma roxa vermelha que mudaria a vida econômica do lugar: trata-se da bauxita, assim batizada por ter sido descoberta em Les Baux. Graças a essa descoberta e à comercialização do valioso minério, a cidade conquistou um novo período de prosperidade. Vinhedos e oliveiras passaram a ocupar as planícies e, nas pedreiras das montanhas, de onde se extraía o calcário branco desde a época dos gregos, passou-se a extrair também a recém-descoberta bauxita. Mais de um século mais tarde, na década de 1950, a cidade assistiria a uma espécie de florescimento cultural, atraindo artistas e celebridades.

Vista do village de Les-Baux-de-Provence, aos pés do castelo - Foto: Simone Catto

A paisagem escarpada e grandiosa, esculpida pela natureza, cria um cenário luminoso que, visto do alto, fica ainda mais bonito. É o que mostra o Vallon de la Fontaine (Pequeno vale da Fonte), que deve seu nome às inúmeras fontes de água no local e abriga belas construções e residências em um cenário aprazível.

As montanhas calcárias ladeiam belas construções no Vallon de la Fontaine.

Outro ângulo do Vallon de la Fontaine - Foto: Simone Catto

Mais ao extremo, à direita, está o Val d'Enfer (Vale do Inferno), caracterizado por falésias pontiagudas moldadas pelo vento e pela água. Algumas rochas são até mesmo vazadas pela ação da natureza, adquirindo formas fantasmagóricas. Daí o nome do vale, assim batizado por causa do maior poeta italiano de todos os tempos, Dante Alighieri (1261-1321), que teria se inspirado no local para fazer sua descrição do inferno no capítulo homônimo, na obra "A Divina Comédia". Certamente essas formas misteriosas inflamaram a imaginação do escritor, sugerindo que o inferno tivesse um aspecto semelhante. 

Aqui o Val d'Enfer, ao fundo, abraça um dos estacionamentos do acesso ao castelo - Foto: Simone Catto

Na foto a seguir, a pedra perfurada lembra a cabeça de um cão. Cercado de lendas de fadas e feiticeiras, o Val d'Enfer, com suas estranhas formações rochosas, foi também cenário do filme "O Testamento de Orfeu" (1960), de Jean Cocteau (1889-1963). Quando estive em Les Baux fazia muito sol, mas imagino que, no inverno, as pedreiras desativadas e a geografia atormentada do local devam excitar as mentes mais suscetíveis.

Foto: Martine Passion

O fechamento progressivo das pedreiras abriu espaço para uma reconfiguração da cidade como ponto turístico. Um belíssimo e feliz exemplo da apropriação de pedreiras desativadas pelo turismo está nas Carrières de Lumières (Pedreiras de Luzes), antigas pedreiras de onde se extraía o calcário branco com o qual foi construído o castelo e a cidade. Não dá para visitar Les Baux-de-Provence sem conhecer esse lugar. É simplesmente IM-PER-DÍ-VEL, e explico por quê: desde 2012, é apresentado ali um espetáculo imersivo de dimensões descomunais que alia arte e música. Nas gigantescas paredes e no teto do interior da pedreira são projetadas imagens imensas e impressionantes de obras dos grandes mestres da arte ao som de um repertório de música clássica e jazz que enche os ouvidos. No período de minha visita, o artista da vez foi Vincent Van Gogh. Fui literalmente tomada pelas imagens monumentais de suas obras, cheias de cor e brilho, e também pela música, o que me deu a sensação de estar DENTRO das pinturas! As projeções por todos os lados, aliadas àquele som magnífico, realmente nos transportam para um mundo à parte. Se já é uma experiência fascinante para quem não é aficionado por arte, imagine para alguém que, como eu, sempre teve um pé – ou os dois – no mundo das artes. Fiquei arrepiada e embasbacada.
  
As fotos abaixo dão apenas uma pálida ideia do que significa estar lá dentro e os vídeos não saíram muito bons, mas pelo menos transportam para o presente um pouco daqueles momentos mágicos e inesquecíveis.

Projeção nas Carrières de Lumières de Les Baux-de-Provence - Foto: Simone Catto

Carrières de Lumières - Foto: Simone Catto

Carrières de Lumières - Foto: Simone Catto

Carrières de Lumières - Foto: Simone Catto

Carrières de Lumières - Foto: Simone Catto



E se você pensa que os criadores dessa maravilha são franceses, pode tirar seu cavalo da "pluie": os espetáculos das Carrières de Lumières são concebidos por uma equipe 100% italiana, com talentos maduros e multidisciplinares. Não há nenhum "millenium" entre eles, muito pelo contrário: são quatro homens que devem ter entre quarenta e cinco e setenta anos, e faço questão de dar os créditos: Gianfranco Ianuzzi, diretor artístico; Massimiliano Siccardi, videasta e artista multimídia; Renato Gatto, professor de teatro e diretor de cinema; Luca Longobardi, pianista e compositor. Bravo a todos!

Após a apresentação, descobri um amplo e simpático café incrustado em um dos lados externos da antiga pedreira, onde ainda pude assistir, em uma TV, um documentário sobre Jean Cocteau.

Mas o passeio continua! Para ver fotos do castelo de Les Baux-de-Provence e saber um pouco sobre minha visita às ruínas, clique aqui.

Foto: Simone Catto