terça-feira, 18 de agosto de 2020

Restaurante Recanto da Traíra: natureza e simplicidade no Vale do Paraíba.

Acredito que a pandemia esteja sendo particularmente penosa para pessoas que ignoram o prazer de um bom livro ou, o que é pior, não suportam o desprazer de sua própria companhia. Felizmente não me enquadro em nenhum desses casos e em pleno confinamento fico muitíssimo bem, obrigada. Porém, estou longe de ser uma criatura antissocial e, por vezes, sinto falta de encontrar meus amigos, sair para tomar um vinho, circular em outros ambientes. Tudo bem que posso abrir um tinto dentro de casa, como às vezes tenho feito, mas sinto saudades das boquinhas que saltitam em torno das garrafas em uma mesa de bar ou restaurante. Teatro e cinema, então, nem se fale! Sinto que esses dois prazeres permanecerão no nível da utopia por muitos e longos meses ainda, talvez até por mais de ano, se é que vão sobreviver até lá. Tempos estranhos, esses que estamos vivendo. 

Porém, outro dia me permiti uma pequena "extravagância", se é que podemos chamar assim. Após cerca de cinco meses saindo de casa somente em casos de necessidade, consegui sair para almoçar fora e respirar outros ares. E eram "outros ares" literalmente falando, mesmo. Fora de São Paulo, no meio do verde. Aliás, eu jamais iria a um restaurante fechado nessa época – tenho amor à vida. Fui almoçar no Recanto da Traíra, um lugar despretensioso e muito agradável no município de Guararema, a uns 80 quilômetros de São Paulo, no Vale do Paraíba.

A estradinha que dá acesso ao restaurante tem uma bela paisagem - Foto: Simone Catto

O restaurante fica na área rural da cidade, cercado de vegetação e colado ao rio Paraíba do Sul, o mesmo onde foi encontrada a imagem de Nossa Senhora de Aparecida que batizou a cidade de Aparecida do Norte e atrai milhares de romeiros todos os anos. E por falar nisso, Nossa Senhora devia estar de conluio com outro santo, São Pedro, que foi bem camarada e nos brindou com um dia bonito, excepcionalmente quente para o inverno.

Como aquele almoço era comemorativo do Dia dos Pais, eu havia feito uma reserva pelo WhatsApp com o gerente Leandro e tive a oportunidade de conhecê-lo no dia de minha visita. Ele nos contou que o movimento na casa estava menor devido à pandemia, mas, mesmo assim, conforme o tempo foi passando, restaram poucas mesas disponíveis. Vale ressaltar que todos os protocolos de segurança estão sendo respeitados, com álcool em gel na entrada e em outros pontos estratégicos, mesas distantes umas das outras e funcionários portando máscaras.

Foto: Simone Catto
 
Um dos amplos e arejados salões ainda vazio, porque chegamos cedo - Foto: Simone Catto

O estilo do lugar é rústico, com muita madeira, tijolos à vista e amplos salões abertos, tudo muito arejado e aconchegante. Para quem prefere ficar ainda mais próximo da natureza, há mesas também na área externa, junto às árvores. O tipo de cenário que acalma, baixa o cortisol e dá um "up" nas endorfinas, como costumo dizer.

Foi nesse outro salão que fiquei, ao lado da área externa - Foto: Simone Catto

É de mentira, mas simpático! Almocei ao lado dele - Foto: Simone Catto

Em tempos normais, há também um buffet no fogão a lenha, com vários pratos para os clientes se servirem. Naturalmente, por causa da pandemia somente o serviço à la carte está sendo oferecido.

Foto: Simone Catto
  
As mesas na área externa também são uma tranquilidade - Foto: Simone Catto

A especialidade da casa são os peixes, como o próprio nome do restaurante já indica, mas eles não são pescados por ali: são importados e preparados de forma simples, sem invenções gastronômicas, apenas acompanhados de um molhinho tártaro. Servidos cortados em pedaços finos ou no formato de ”iscas”, sem espinha, também ficam saborosos na versão “fish e chips”, a famosa combinação inglesa. E foi com uma dessas que começamos para petiscar: experimentamos o dueto traíra e chips, muito gostosinho e crocante. Para acompanhar, a caipirinha tradicional de limão com cachaça Salinas caiu maravilhosamente bem. Meu pai pediu uma de maracujá, também com Salinas, e adorou. Naturalmente, nenhum de nós dois pegou no volante depois.

A dupla 'Traíra e Fritas' é servida exatamente assim, ótima como petisco (R$ 48,90). Foto: Recanto da Traíra
 
Caipirinhas de limão e maracujá, perfeitas!
(R$ 13,92 cada)

As próximas pedidas foram a porção média de tilápia e a meia porção de arroz à grega, ambas também deliciosas. A porção média de peixe é bem servida e a de arroz nem parecia meia, dada a fartura! Comidinha simples e boa, sem frescuras.

Porção de tilápia com molhinho tártaro, uma delícia (R$ 57,63 a porção média) - Foto: Simone Catto
 
A meia porção de arroz à grega que parecia inteira (R$ 15,94 a meia porção) - Foto: Simone Catto

Entre um prato e outro fui dar uma explorada no local e, no fundo, perto do rio, há uma área com redes penduradas para as pessoas descansarem. O recanto ficou bonito e simpático, mas, para descansar nas redes, melhor esperar o vírus descansar primeiro.

Foto: Simone Catto

As redes podem esperar um pouquinho... - Foto: Simone Catto

Além da comida boa e do cenário natural, os atendentes são muito gentis e os preços convidativos, beeeem diferentes daqueles cobrados em São Paulo. Só para dar uma ideia, estávamos em quatro pessoas e a conta total deu R$ 230,00 incluindo os pratos fartos, as bebidas (2 caipirinhas e 4 águas minerais), uma sobremesa, três cafés e a taxa de serviço. Resultado: pretendo voltar assim que o frio der uma trégua, desta vez em companhia de amigos que já se animaram a conhecer o lugar quando contei a eles minha experiência.
 
Se você quiser experimentar também, anote: RECANTO DA TRAÍRA – Rua Alvaro Campagnoli, 800 – Guararema – SP | Tels.: (11) 4693-5328 / 4695-4581 / 97231-5003 | www.recantodatraira.com.br
| Abre aos sábados, domingos e feriados, das 12h às 17h. Vale super a pena!

domingo, 19 de julho de 2020

Rede de falsificação de arte é descoberta em Michigan.

Picaretas e falsificadores de arte existem no mundo todo. Alguns são traídos por algum descuido ou por sua inabilidade, mas outros criam falsificações tão perfeitas que chegam a enganar os próprios especialistas. Estes, porém, felizmente são raros. Para reduzirem as chances de ser descobertos, há algum tempo um determinado tipo de falsários tem preferido emular artistas que não sejam tão conhecidos do público ou que não estejam sob os holofotes. Digamos que considerem a prática mais segura. É o que acaba de acontecer no estado norte-americano de Michigan, quando o trabalho de artistas estadunidenses menos conhecidos, porém em ascensão, como George Copeland Ault e Gertrude Abercrombie, se tornaram alvo de um esquema de falsificações.

'Voltando para Casa', supostamente de Gertrude Abercombrie, foi vendida em um leilão por US$ 93,750 no ano passado. A pintura está sendo investigada pelo FBI pela suspeita de ser uma falsificação.

No início deste mês, o FBI invadiu uma casa e um celeiro naquele Estado como parte de uma investigação. A propriedade pertence ao artista Donald Henkel, 60 anos, que as autoridades suspeitam estar envolvido na venda de pinturas e artigos esportivos falsificados em um esquema de vários milhões de dólares que provavelmente vem ocorrendo há anos. Há suspeitos também na Califórnia, Flórida e Virgínia, porém nenhuma prisão foi efetuada até o momento. Diferentemente das falsificações que contribuíram para o desaparecimento, em 2011, da Knoedler, uma famosa galeria de arte nova-iorquina envolvida em falsificações de artistas de primeira linha como Jackson Pollock e Mark Rothko, a rede de Michigan aparentemente visava artistas que, embora considerados importantes e ascendentes no mercado de arte, não atrairiam a mesma atenção do público.

Até agora, oito pinturas estão sendo investigadas pelas autoridades como falsificações e que foram vendidas como obras genuínas de George Copeland Ault (1891-1948), Ralston Crawford (1906-78) e Gertrude Abercrombie (1909-77). Alexander Nemerov, historiador de arte da Universidade de Stanford e autor do livro 'To Make a World: George Ault and 1940s America' (Para Criar um Mundo: George Ault e a América da Década de 1940), de 2011, afirmou que os trabalhos supostamente atribuídos a Ault e seu colega Precisionista* Crawford eram bons. "Normalmente, as falsificações, mesmo quando bem pintadas, são pastiches dos movimentos e temas reconhecíveis de um artista", afirma. Ele aponta para uma obra, intitulada 'Manhã no Brooklyn', que tem nuvens que "parecem importadas de algum outro tipo de pintura de Ault", diz. Esse trabalho foi vendido para a galeria Hirschl & Adler em Nova York por US$ 270,000. "Elas eram muito bonitas, falsas ou não", afirmou Eizabeth Feld, diretora da galeria, ao jornal Detroit News. "Quem fez isso é um artista bastante talentoso - mas não o artista que ele - ou ela - pretendia ser".

'Manhã no Brooklyn', trabalho supostamente atribuído a George Ault que foi vendido à galeria Hirschl & Adler por US$ 270,000.

Nemerov acrescenta que não é nada fácil falsificar a arte Precisionista. "Os falsificadores são versáteis", declara. "Veja todas as pinturas falsas - e realmente terrivelmente falsas - de Jackson Pollock que existem." Mas como George C. Ault era um recluso que se retirou da cena de Nova York, "faz todo o sentido do mundo que existam pinturas desconhecidas dele por aí", diz. O artista vem se tornando cada vez mais popular porque é considerado uma variante financeiramente mais acessível de Edward Hopper, por exemplo. Realmente os estilos de ambos são parecidos, embora eu particularmente prefira – de longe – Hopper.

Quanto a Abercrombie, a pintora surrealista de Chicago, rumores sobre possíveis falsificações de obras suas surgiram há anos no mercado. "Eu sabia que havia um mercado falso de Abercrombie - talvez isso tenha a ver com o estilo de pintura dela, mas, mais ainda, acho que ela era uma artista relativamente desconhecida cujo valor de mercado estava subindo muito rapidamente", diz Janine Mileaf, diretora-executiva e curadora-chefe do 'The Arts Club' de Chicago. Mileaf organizou uma exposição em 2018 denominada 'A Home for Surrealism: fantastic painting' (Um lar para o Surrealismo: pintura fantástica), que incluiu pinturas da artista.

O curador, escritor e galerista de Chicago John Corbett acredita que os traços estilísticos de Abercrombie também a tornem um alvo fácil de falsificadores. Uma exposição em 2018 na galeria Karma, em Nova York, contribuiu para colocá-la em destaque nacionalmente. "Seu trabalho tem uma variedade incomum de níveis e graus de acabamento", afirma Corbett. Abercrombie produziu grande quantidade de trabalhos para feiras de arte, de modo que é possível encontrarmos obras de sua autoria que não tenham o mesmo acabamento de outras pinturas mais refinadas. Ela também trabalhou com obras em série e fez cópias de suas próprias pinturas, o que pode facilitar a ação de falsificadores. "Contudo, existe um repertório de dados sobre sua arte que é um recurso quase à prova de falhas", afirma Corbett referindo-se à historiadora de arte Susan Weininger, cujo ensaio para uma exposição de 1991 em Illinois foi reimpresso para a mostra na galeria Karma. Weininger trabalhou com o falecido artista e curador Don Baum, que foi o testamenteiro da propriedade da Abercrombie. E a artista manteve registros bastante elaborados de seu trabalho por volta de 1960.

Weininger estava ciente de que várias falsificações foram oferecidas em leilões ao longo dos anos. "Estou preocupada com isso há muito tempo. Foi uma falsificação muito bonita e muito bem feita", afirma sobre o trabalho 'Coming Home' (Voltando para Casa), vendido em leilão por US$ 93,750 no ano passado e atualmente sob investigação pelo FBI. "Algumas obras não são, mas outras são claramente falsas."

Donald Henkel recebeu US$ 299,000 pela venda da pintura 'Smith Silo', a qual ele alegou ser da autoria do artista Ralston Crawford.

'Coming Home' e um trabalho atribuído a Ralston Crawford foram vendidos na casa de leilões Hindman Auctions, em Chicago. "No ano passado, um cliente respeitável com quem mantemos um longo relacionamento nos abordou preocupado com a autenticidade de uma das obras que havia adquirido", diz Jay Krehbiel, copresidente e diretor-executivo da Hindman Auctions. "Após uma investigação cuidadosa que incluiu análises científicas, sua pintura foi considerada não autêntica. Foi nessa época que procuramos o FBI porque a falsificação era extremamente sofisticada. À medida que a investigação sobre essa obra progredia, duvidávamos da autenticidade de 'Coming Home'. Ambos os trabalhos estão sendo investigados pelo FBI." Nenhuma obra de Abercrombie de vendas anteriores da Hindman está sob investigação. Nemerov acredita que George Ault, o artista recluso, teria se divertido com toda essa situação. "Isso teria confirmado todas as teorias em que acreditava sobre a desonestidade do mundo", afirma. 

*Precisionista: tipo de arte produzida nos Estados Unidos no início da década de 1920 e caracterizada por uma pintura realista com blocos bem definidos de cores intensas.

Fonte: The Art Newspaper

domingo, 14 de junho de 2020

A marca de Aubrey Beardsley no decadentismo fin-de-siècle.

O artista gráfico Aubrey Bredsley (1872-1898) era o que muitos, hoje, chamariam de "figura fora da curva". Poucos artistas imprimiram, como ele, a marca de sua personalidade de maneira tão indelével em seu tempo. Esse jovem que morreu prematuramente de tuberculose em 1898, com apenas 25 anos, já havia se tornado um dos artistas mais celebrados da Europa no fim do século XIX. Chocou e encantou os anos derradeiros da Londres vitoriana com seus extraordinários desenhos em preto e branco criados com uma técnica admirável e um estilo inconfundível. Explorou o erótico e o elegante, o humorístico e o grotesco, conquistando admiradores de todo o mundo e personirficando a essência do decadentismo da década de 1890.

Aubrey Beardsley - 'Autorretrato' - 1892
Museu Britânico - Londres
O GÊNIO ADOLESCENTE

A carreira artística de Beardsley foi breve, durando pouco menos de sete anos, entre 1891 e 1898. Quando tinha 18 anos, ele conheceu o pintor pré-rafaelita Edward Burne-Jones, o qual admirava profundamente. Ao ver o portfólio de Beardsley, Burne-Jones, que de bobo não tinha nada, comentou: "Eu raramente ou nunca aconselho alguém a assumir a arte como profissão, mas no seu caso não posso fazer mais nada." Não poderia ter sido mais profético. Por recomendação de seu ídolo, o jovem artista assistiu, durante um tempo, às aulas na Westminster School of Art.

Beardsley ansiava por fama e reconhecimento e cultivou, como ninguém, uma autoimagem de dândi e esteta. Esse caráter é identificado em seus inúmeros autorretratos e também em retratos do artista realizados por seus contemporâneos. Espirituoso, alto, "impecavelmente limpo e bem arrumado", Beardsley logo se destacou por seu dandismo. Caracterizado pelo culto ao refinamento e por uma certa artificialidade, tanto nos trajes quanto nos modos, o dandismo era uma postura inerente à estética decadentista. Alguns contemporâneos, inclusive, relacionaram a extrema magreza e a aparência física frágil do artista a ideias de morbidade também associadas ao espírito decadente do fin de siècle. Embora Beardsley rejeitasse esse rótulo, seu trabalho explora muitos desses aspectos, como o fascínio pelo "antinatural" e o bizarro, pela liberdade sexual e a fluidez de gênero.

Aquilo que o mundo de hoje identifica como estética LGBTQIA+ estava apenas começando a se delinear naquele tempo. Beardsley se sentia atraído pelas mulheres, mas foi pioneiro em representar o que muitos atualmente denominariam como queer. Embora fosse fascinado por todos os aspectos da sexualidade, é provável que suas experimentações nesse sentido tenham ocorrido principalmente na literatura e na arte.

Foto de Beardskey por Frederick Evans - 1893
Wilson Centre for Photography - Londres 
A INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA

No início de 1892, Beardsley recebeu sua primeira encomenda importante. Um amigo, o fotógrafo e livreiro Frederick H. Evans, o apresentou a J.M. Dent, editor enérgico e empreendedor que procurava um ilustrador para Le Morte D'Arthur, a versão do século XV de Sir Thomas Malory das lendas do Rei Arthur. Dent planejava uma edição robusta, ao estilo dos livros da Kelmscott Press, a editora de William Morris que se caracterizava pelo alto padrão artístico do design e da tipologia. Entre o outono de 1892 e junho de 1894, Beardsley produziu 353 desenhos, incluindo ilustrações de página inteira e dupla, elaborados desenhos de bordas e numerosos títulos ornamentais para capítulos do livro. Recebeu pelo trabalho a quantia de 250 libras, o que lhe deu liberdade para abandonar um odiado emprego de balconista e se concentrar em sua arte.

No entanto, Beardsley gradualmente se cansou desse empreendimento extenuante e detalhes subversivos começaram a pipocar em seus desenhos. Personagens incongruentes como sereias, sátiros e criaturas híbridas com pernas de cabra, alusivas à mitologia clássica, passaram a aparecer nos trabalhos.

Suas ilustrações foram reproduzidas por um processo de impressão em bloco de linha, relativamente novo e econômico, no qual os desenhos são transferidos para chapas de impressão de maneira fotográfica. Inicialmente, Beardsley ficou desapontado com o resultado, mas rapidamente adaptou seu estilo para esse processo de impressão que podia reproduzir as linhas com precisão e também grandes áreas planas de preto.

"ALGO QUE LEMBRA O JAPÃO”

A partir da década de 1860, os europeus tinham desenvolvido um gosto pela cultura visual japonesa por causa do restabelecimento das relações comerciais com o Japão, e Beardsley cresceu cercado por interpretações ocidentais da arte nipônica. No verão de 1891, junto de sua irmã Mabel, visitou a mansão londrina do magnata da navegação Frederick Leyland e lá viu a Peacock Room, uma fabulosa sala criada quinze anos antes pelo artista americano expatriado James McNeill Whistler. Decorada com motivos japoneses retrabalhados, essa obra-prima tornou-se um dos interiores mais célebres de Londres à época. Hipnotizado por essa visão, Beardsley começou a introduzir detalhes orientais em seus próprios desenhos.

A 'Peacock Room' que encantou Beardsley na casa do magnata Frederyck Leyland, em Londres.

As xilogravuras japonesas (Ukiyo-e) também foram uma influência importante e Beardsley adotou suas convenções gráficas, passando a incluir áreas de padrão plano contrastadas com figuras desenhadas com precisão contra fundos abstratos ou vazios. Como vários artistas da época, Beardsley também gostava do formato elegante, alto e estreito dos tradicionais rolos japoneses de kakemono, a pintura sobre rolos de seda. Em uma carta a um amigo, se gabou: "Criei para mim um método totalmente novo de desenho e composição, algo que lembra o Japão... Os temas eram bastante loucos e um pouco indecentes".

Aubrey Beardsley - 'A Capa Negra' - 1893 - Princeton University Library - Princeton, EUA

DESENHAR PARA PROVOCAR

A arte de Beardsley veio a público em abril de 1893, quando se tornou tema do artigo principal - A New Illustrator - da primeira edição da nova revista de arte The Studio. Nele, o especialista em artes gráficas Joseph Pennell elogiou o trabalho de Beardsley afirmando que ele era "tão notável em sua execução quanto em sua inventividade: uma combinação muito rara". O artigo destacou como a impressão fotográfica de bloco de linhas tinha o poder de revelar a verdadeira qualidade do traço de um artista.

As reproduções no artigo da The Studio incluíam ilustrações medievais e pré-rafaelitas realizadas para Le Morte D'Arthur, que seria publicado em breve, e exemplos do trabalho de Beardsley inspirado em xilogravuras japonesas. Isso mostrou sua versatilidade e fez com que ele recebesse novas encomendas para livros e revistas populares, como a Pall Mall Magazine. J.M. Dent, editor de Le Morte D'Arthur, receando que Beardsley se cansasse daquele projeto monumental, e para mantê-lo interessado, convidou-o a criar centenas de pequenas ilustrações "grotescas" para a série Bon-Mots (Boas Palavras), composta de três livros em miniatura de ditos espirituosos. Nesse contexto, o termo "grotesco" se refere à distorção ou exagero das formas para criar um efeito de fantasia ou estranheza. Uma ideia coerente com o modo como Beardsley via o mundo, uma vez que mais tarde ele próprio afirmaria, a respeito de sua arte: "Não sou nada se não for grotesco".

Aubrey Beardsley - 'A Mulher Gorda' - 1894 - Tate Britain, Londres

Aubrey Beardsley - 'A Dama das Camélias' - 1894 - Tate Britain, Londres

Além de se inspirar na arte pré-rafaelita e nas gravuras japonesas, Beardsley também ficou impressionado com os vasos gregos que viu no Museu Britânico e com a arte renascentista. Vale lembrar que as figuras alongadas que incluía em seus desenhos também estavam presentes na arte de seu primeiro mentor, o pré-rafaelita Edward Burne-Jones. A combinação de todas essas fontes contribuiu para moldar seu estilo e, com apenas 21 anos, Beardsley já era aclamado como um grande ilustrador.

Aubrey Beardsley - 'Ave Atque Vale' - 1896 - coleção particular

DANÇA DOS SETE VÉUS

Em 1892, Beardsley fez por conta própria um desenho para Salomé, peça de Oscar Wilde originalmente escrita em francês e baseada no famoso relato bíblico. Salomé se apaixona por Iokanaan (João Batista) e, quando este a rejeita, ela exige sua cabeça ao padrasto, Herodes Antipas, como recompensa por dançar a dança dos sete véus. Beardsley ilustrou Salomé prestes a beijar a cabeça decepada de Iokanaan, Wilde gostou do desenho e, ao lado de seu editor, John Lane, convidou-o para ilustrar a tradução em inglês da peça. As ilustrações tecem temas de sensualidade e morte e exploram uma ampla gama de desejos sexuais. Como era de se esperar, a publicação da peça gerou furor, trazendo em seu rastro a publicidade tão desejada por Wilde e seu jovem ilustrador.

Beardsley adorava ocultar elementos provocativos em seus desenhos. Lane certa vez afirmou que "era preciso colocá-los sob um microscópio e olhá-los de cabeça para baixo" a fim de descobrir suas "provocações". Ao ver os desenhos para Salomé, censurou detalhes que considerou "problemáticos" na folha de rosto e na ilustração criadas por Beardsley, além de rejeitar completamente dois projetos da primeira edição. Mesmo assim, Lane falhou em perceber muitos detalhes eróticos ocultos e, surpreendentemente, permitiu a publicação de desenhos que incluíam caricaturas de Wilde.

O desenho abaixo, denominado 'Herodias Entra', mostra o momento em que a mãe de Salomé entra no palco. No canto inferior direito, há uma caricatura de Oscar Wilde segurando uma cópia do texto da peça. Embora Herodias esteja coberta por uma grande capa, seus seios estão expostos. John Lane exigiu que Beardsley cobrisse a genitália da personagem à direita com uma folha de figueira, mas não percebeu as velas no primeiro plano desenhadas em formato de pênis e a ereção da figura à esquerda. Sim, podemos dizer que Beardsley "pregou peça na peça".

Aubrey Beardsley - 'Entrada de Herodias' - 1893 (publicada em 1907) - coleção particular

No total foram criadas dezoito ilustrações, mas apenas dez apareceram na primeira impressão da peça.

PARIS EM CARTAZ

Ao viajar pela primeira vez a Paris, em 1892, o jovem artista ficou encantado com a multiplicidade de pôsteres e cartazes que adornavam a cidade. Os pôsteres franceses mostravam as possibilidades desse novo formato outdoor produzido em massa e o potencial de reprodução de cores em larga escala. Mais do que depressa, Beardsley passou a criar seus pôsteres também. Entendendo que eles seriam vistos pelas pessoas de passagem, muitas vezes a distância, concebeu projetos com formas arrojadas e simplificadas e sólidos blocos de cores. Considerava a publicidade essencial para a vida moderna e uma oportunidade de integrar a arte à experiência cotidiana. Como ele mesmo afirmou, "a beleza tomou conta da cidade".

No outono de 1894, foi aberta em Londres a primeira exposição inglesa de pôsteres. Cartazes pictóricos desfrutavam então um boom na Grã-Bretanha e começaram a ser reconhecidos como uma forma de arte. A exposição contou com obras de artistas franceses famosos como Jules Chéret e Henri de Toulouse-Lautrec, conhecidos como os "pais" do pôster moderno, e não por acaso incluiu também vários trabalhos de Beardsley. Além de colocar seus pôsteres em pé de igualdade com a arte que o inspirara, essa exposição atestou a importância de Beardsley no desenvolvimento do design de pôsteres britânicos.

Abaixo está uma ilustração para a ópera Siegfried, de Richard Wagner. Minuciosamente detalhada, ela mostra o estilo de desenho de Beardsley em linhas extremamente finas.

Aubrey Beardsley - 'Siegfried', Ato II' - 1892-3 - Victoria and Albert Museum, Londres

GLÓRIA ENTRE AMIGOS

O brilhante artigo na revista The Studio e o sucesso com Le Morte D’Arthur revelaram Beardsley ao público quando tinha apenas 20 anos. Depois disso, uma sequência de encontros fortuitos com importantes figuras culturais da época o levou ao coração da vanguarda dos círculos literários e artísticos londrinos na década de 1890.

Espirituoso, talentoso e culto, Beardsley foi rapidamente adotado por um grupo de jovens artistas e escritores que se identificavam como estetas, extremamente sensíveis à arte e à beleza. Entre eles estavam o pintor de retratos William Rothenstein, o ensaísta e caricaturista Max Beerbohm e o crítico e negociante de arte Robert Ross, amigo e ex-amante de Oscar Wilde. A fama de Beardsley cresceu com a publicação de suas ilustrações em Salomé, de Wilde, e seu envolvimento com a popular e elegante revista The Yellow Book. A partir dali, seu grupo de amigos começou a se expandir rapidamente. Porém, com a queda de Oscar Wilde no início de 1895, Beardsley mudou-se para Dieppe e passou pouco tempo na Inglaterra.

O ILUSTRADOR ROUBA A CENA

Foi em 1894 que Beardsley tornou-se editor de arte da The Yellow Book, uma revista que se tornaria a publicação mais icônica da década, com seu design elegante e sofisticado. O amarelo era moderno, urbano, irônico e ousado, lembrando os invólucros amarelos dos populares romances eróticos franceses. O primeiro volume foi um sucesso instantâneo e controverso, colocando arte e literatura em pé de igualdade. Mas foram os desenhos de Beardsley que roubaram a cena e deram à revista sua reputação de vanguarda. Seu estilo arrojado e sua ousada modernidade receberam elogios e desprezo na mesma medida e, a cada nova edição, a notoriedade do ilustrador aumentava. Para muitos, a publicação incorporou o espírito decadente da época e, como bem observou um crítico, "para a maioria, Aubrey Beardsley É a Yellow Book".

No entanto, o sucesso meteórico de Beardsley teve vida curta. Em 1895, Oscar Wilde foi julgado por manter relações sexuais com homens e processado por "grave indecência". Enquanto o escândalo atravessava Londres, a reação se voltou para a famosa revista e seu audacioso editor de arte. Na opinião do público, Beardsley estava vinculado a Wilde por causa de suas ilustrações para Salomé e, para piorar, Wilde foi visto na prisão carregando um livro amarelo (na verdade, um romance francês, não a Yellow Book) e o público erroneamente imaginou uma associação romântica entre o escritor e o artista. Após multidões ultrajadas quebrarem as janelas da editora, John Lane, o editor, sucumbiu à pressão e demitiu Beardsley.

Capa do primeiro número da revista Yellow Book, com ilustração de Beardsley - 1894.

As cartas de Beardsley revelam que ele se sentia atraído por prostitutas, mas pouco se sabe sobre sua sexualidade. No entanto, o artista frequentemente representava a atração pelo mesmo sexo e a fluidez de gênero em suas obras, o que era raro na era vitoriana. Na obra abaixo, Black Coffee, vemos duas mulheres sentadas uma ao lado da outra. A mulher de preto está escondendo as mãos, talvez cobrindo a mão da companheira, que também tem a mão no colo. A mulher de preto tem um chifre de diabo, mais uma dica para os contemporâneos sobre seu comportamento supostamente "pecaminoso". Embora muitas pessoas que viram essa ilustração na época ficassem chocadas com a exibição de uma relação entre pessoas do mesmo sexo, não há nenhum julgamento de valor por parte do artista. Black Coffee é apenas uma das muitas ilustrações de Beardsley que retratam mulheres desafiadoras e livres para agir como bem entendessem.

Aubrey Beardsley - 'Black Coffee' - 1895 - Harvard Museums / Fogg Museum


































TRANSGRESSÃO EM REVISTA 

Demitido da The Yellow Book, Beardsley enfrentou a perda de sua renda e uma atmosfera agora hostil em Londres. Apesar de sua fama internacional, sua situação financeira era precária e ele foi forçado a vender sua casa. Partiu então para Dieppe, o balneário francês preferido dos escritores e artistas ingleses. Lá encontrou Leonard Smithers, um editor empreendedor (e ocasionalmente pornógrafo) que lhe propôs criar uma nova revista para rivalizar com a The Yellow Book.

Com Beardsley como editor de arte e o poeta Arthur Symons a cargo da literatura, The Savoy foi lançada em 1896, inicialmente com periodicidade trimestral. No entanto, após somente duas edições, Smithers imprudentemente decidiu tornar a revista mensal, mas a pressão financeira fez com que The Savoy desaparecesse após apenas um ano. Mesmo assim, com apenas oito números, tornou-se uma das "revistas pequenas " mais significativas e belas do período.

The Savoy foi publicada na Grã-Bretanha, mas o conservadorismo social e artístico estava em ascensão no país após o julgamento de Wilde. Smithers era o único editor que se dispunha a imprimir trabalhos de Wilde ou Beardsley naquele momento. Alguns livreiros, como W.H. Smith, recusaram-se a exibir obras de Beardsley em suas vitrines e W.B. Yeats sustentou que The Savoy havia valentemente declarado uma "guerra contra o público britânico em um momento em que tínhamos todos contra nós".

A propósito, os colegas da The Savoy, como Yeats e Symons, bem como o pintor Charles Conder, foram amigos constantes de Beardsley em seus últimos anos de vida. O rico poeta e escritor franco-russo Marc-André Raffalovich tornou-se um importante apoiador e patrono, mas seu principal amigo nesse período foi o editor Leonard Smithers, tido como um homem cativante, porém sem escrúpulos.

O ROUBO DA MECHA

Beardsley também foi um grande admirador do poeta Alexander Pope (1688-1744), embora Oscar Wilde ridicularizasse seu gosto poético, alegando que "existem duas maneiras de não gostar de poesia: uma maneira é não gostar, e a outra é gostar de Pope". Assim, em 1896, Beardsley pôs-se a ilustrar o poema épico-satírico de Pope O Roubo do Cacho (The Rape of the Lock), de 1712. No título de Pope, a palavra "rape", que atualmente significa "estupro", é usada em seu sentido original de "roubo" ou "sequestro", e não de agressão sexual. O poema zomba de um incidente real durante o qual lord Petre (renomeado "Barão") corta uma mecha do cabelo de Arabella Fermor ("Belinda", no poema) sem a permissão da moça, causando um conflito entre as famílias. Inspirado pelas gravuras francesas em chapa de cobre do século XVIII, as quais admirava e colecionava, Beardsley desenvolveu um novo estilo altamente decorativo. O texto da folha de rosto, em tom arguto e bem-humorado, menciona que Beardsley "bordou" as ilustrações, dada a complexidade da trama de seus desenhos.

Aubrey Beardsley - 'A Caverna de Spleen' (ilustração para o poema 'O Roubo da
Mecha', de A. Pope) - 1896 - Museum of Fine Arts, Boston - EUA

MADEMOISELLE DE MAUPIN

Entre fevereiro e outubro de 1897, Beardsley trabalhou nas ilustrações do romance Mademoiselle de Maupin (1835), de Théophile Gautier, para Leonard Smithers. O herói da história, D'Albert, está à procura da mulher perfeita, mas, em vez disso, acaba irremediavelmente atraído por um rapaz. O objeto de seu desejo é finalmente revelado como Madelaine de Maupin, uma mulher que não se enquadra nas expectativas de gênero da época, sobretudo no vestuário, e é atraída por homens e mulheres. O enredo reflete sobre uma unificação ideal de atributos masculinos e femininos, ideia amplamente discutida nos círculos literários e artísticos da Europa do século XIX.

Em seu prefácio, Gautier promove a "arte pela arte", a doutrina do "movimento estético" que surgiu na Inglaterra no final do século XIX para promover a beleza acima de tudo, inclusive do significado ou da moralidade na arte. O encontro sexual entre D'Albert e a mademoiselle é descrito em termos de perfeição estética, mas a moça abandona o amante logo depois.

Beardsley também fez desenhos em aquarela para criar um novo estilo decorativo mais suave e seu amigo Robert Ross inclusive sugeriu que essa técnica era "menos exigente" no momento em que sua saúde estava em franco declínio. Mas tarde, porém, o artista voltou a adotar uma abordagem mais detalhada, mostrando que estava simplesmente explorando novos modos de expressão.

FASCÍNIO ERÓTICO

Enquanto se recuperava no sul da Inglaterra durante o verão de 1896, Beardsley iniciou suas duas séries de desenhos mais explícitos até então, ambas inspiradas em fontes clássicas. A primeira foi um conjunto de oito desenhos para a antiga comédia grega Lysistrata, de Aristófanes. Na famosa peça satírica, as mulheres atenienses e espartanas acabam com o conflito ao se recusarem a fazer sexo com seus homens em guerra até que a paz fosse restabelecida entre as duas cidades. O outro conjunto de desenhos igualmente escandalosos de Beardsley foi criado para a Sexta Sátira de Juvenal, um ataque misógino à moral e aos hábitos sexuais das mulheres da Roma Antiga.

Esses temas condiziam com o humor irreverente e o fascínio de Beardsley por todos os aspectos da sexualidade - e, talvez, com suas próprias frustrações sexuais. Smithers, que se orgulhava de "publicar o que todos os outros têm medo de tocar", sem dúvida o encorajou. Combinando com o erotismo exuberante dos textos, Beardsley adotou um estilo totalmente linear nesses desenhos, um inovador e ousado direcionamento inspirado em seu conhecimento da pintura de vasos da Grécia Antiga e de gravuras eróticas japonesas.

Muito poucos contemporâneos de Beardsley tiveram acesso a esses desenhos. Sua suposta "indecência" significava que eles não podiam ser publicados ou divulgados da forma usual, sendo disponibilizados por Smithers apenas para um seleto grupo de colecionadores por meio de uma assinatura particular. Em determinado momento, porém, Beardsley parece ter sentido um certo arrependimento por ter criado tais desenhos, talvez motivado por sua crescente fé católica. No leito de morte, escreveu a Smithers implorando para que ele destruísse todos os seus "desenhos obscenos", um pedido que o outro simplesmente ignorou.

Aubrey Beardsley - 'Duas Mulheres Atenienses Aflitas' - 1896 - Victoria and Albert Museum,
Londres

Aubrey Beardsley - 'Messalina e sua Acompanhante' - 1895 - Tate Britain,
Londres

TRAÇO INTERROMPIDO

Após uma viagem a Bruxelas, na primavera de 1896, Beardsley sofreu uma hemorragia pulmonar muito mais grave, da qual nunca se recuperou completamente. Dolorosamente consciente de sua própria finitude, ele passou a se mudar de um lugar para outro em busca do ar "mais saudável" recomendado pelos médicos. Embora o avanço de sua condição fosse implacável, a cada mudança de local surgia nova inspiração. Seus últimos anos são caracterizados por um entusiasmo em assumir novos projetos, mas ele não conseguia conclui-los devido ao cansaço e às más condições de saúde. Enquanto seu foco e energia diminuíam gradualmente, seus últimos trabalhos mostram que o mesmo não acontecia com sua ambição, seu intelecto, sua imaginação e o poder de sua técnica.

Beardsley morreu em Menton, no sul da França, em 16 de março de 1898. A seu lado, estavam a mãe e a irmã Mabel, companheiras constantes ao longo de toda a sua breve vida. Segundo as palavras de seu amigo Robbie Ross, "não é preciso haver tristeza por uma possível não realização. A velhice não é um complemento mais necessário para a realização do gênio do que a morte prematura. Durante seis anos, ele produziu obras de arte que poderia até ter repetido, mas jamais superado."

O FIM DE UMA ERA

A queda de Oscar Wilde foi um golpe do qual o mundo artístico e literário decadente do fin de siècle europeu nunca se recuperou completamente. Mas foi a morte de Beardsley, em 1898, que realmente marcou o fim de uma era. Seu amigo Max Beerbohm percebeu essa atmosfera ao escrever sobre si mesmo: "pertenço à era Beardsley". Os desenhos de Beardsley foram muito imitados quando ele ainda vivia e, após sua morte, muitos jovens ilustradores tentaram ocupar seu lugar. Alguns imitavam seu estilo e outros ainda fizeram falsificações deliberadas de seu trabalho, mas poucos manifestaram sua habilidade como desenhista ou a riqueza de sua prodigiosa imaginação.

Edições dos desenhos de Beardsley publicadas após sua morte divulgaram seu trabalho a um público ainda mais amplo, influenciando artistas não apenas na Grã-Bretanha, mas também no resto da Europa, Rússia e Japão.

BEARDSLEY REVIVE

No início do século 20, a maioria dos contemporâneos de Beardsley foi esquecida e seus trabalhos descartados por não representarem valor no mundo moderno. Porém, a obra de Beardsley continuou a ter relevância para muitos artistas mais jovens e, na década de 1960, a era vitoriana foi "redescoberta". Uma grande exposição de Beardsley em 1966, no Victoria and Albert Museum, gerou uma crescente onda de interesse pela arte do século XIX em geral e especialmente do fin de siècle. O Art Nouveau reconquistou os ingleses. A mostra atraiu um público jovem que descobriu, nos desenhos de Beardsley, ideias que combinavam com seus próprios valores anti-establishment, lembrando que estilos de vida ditos experimentais e "alternativos" passaram a ser valorizados naquela década. Trabalhos de Beardsley começaram a decorar pôsteres, capas de discos e revistas underground e psicodélicas, tendo influenciado também a publicidade convencional, o design comercial e a decoração de interiores. Seus desenhos pareciam estar em toda parte.

As estranhas figuras de cabelos longos em trajes extravagantes, presentes em tantas de suas ilustrações, também tiveram um impacto na moda dos anos 1960. Butiques independentes surgiram para atender à demanda de jovens "liberadas", bem como uma nova moda masculina que rejeitava as convenções. Assim como na "era Beardsley", estilo e imagem tornaram-se novamente a expressão essencial de uma sensibilidade subversiva que caracterizou a contracultura.

Atualmente, em boa parte da arte contemporânea, parece que sobram protestos e subversão, porém a beleza e o refinamento passam longe. Que falta um Beardsley faz.