domingo, 19 de junho de 2016

A cor explode em espetáculo com os fauves do CCBB.

A exposição O triunfo da cor, no Centro Cultural Banco do Brasil, está dando o que falar – e o que "escrever", também! Distribuída em setores para mostrar diferentes escolas e vertentes da arte pós-impressionista, ela nos oferece grande riqueza de obras pertencentes ao Musée d’Orsay e ao Musée de l’Orangerie, em Paris, além de farto material informativo. São 75 obras no total, mas há tanta coisa interessante para mostrar que precisei desmembrar minha resenha em três partes. Esta é a segunda delas e o tema, agora, são os nossos queridos fauvistas, artistas do instinto e da emoção que explode em cor. A revolução cromática que esses artistas empreenderam na virada do século XIX para o XX, com suas camadas de cores puras e agressivas, estabeleceu uma linguagem expressiva autônoma em que as sensações visuais adquiriram primazia absoluta.

Prazer duplo: pela exposição e por esse espaço maravilhoso! - Foto: Simone Catto

Vamos começar com Maurice Vlaminck (1876-1958) que, ao lado de Henri Matisse (1869-1954), André Derain (1880-1954) e Raoul Dufy (1877-1953), entre outros, chocou o público do Salão de Outono de Paris em 1905 ao expor telas escandalosamente coloridas. O crítico de arte Louis Vauxcelles chamou a sala onde elas estavam expostas de "cage aux fauves", que significa "jaula de feras selvagens". Daí surgiu o termo "fauves" ou "fauvistas". Mal sabia o crítico o quanto essas obras, com suas cores puras e sua luminosidade intensa, seriam apreciadas e valorizadas anos mais tarde!

A tela abaixo, de Vlaminck, é uma natureza-morta em que os objetos estão expostos em diferentes perspectivas, lembrando a estética de Cézanne. Vlaminck contrapõe o azul e o laranja, o frio e o quente, a luz e a sombra. O quadro acima da travessa de frutas aparece completamente torto e a travessa está quase caindo da mesa, como se o ambiente estivesse sofrendo o efeito de um terremoto. E foi exatamente um "terremoto" o que esses artistas causaram! Ousados e determinados, eles libertaram  seus instintos mais "selvagens" em suas telas - ainda bem! Nem quero imaginar o que aconteceria se toda aquela cor ficasse enclausurada no cérebro!

Maurice Vlaminck - 'Natureza-morta' (c. 1910) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Henri Matisse, talvez o mais popular do fauves, ficou conhecido por suas representações de sensuais odaliscas. A exposição do CCBB conta com uma tela muito famosa do mestre, a Odalisca com calça vermelha, obra-prima pertencente ao Musée de l’Orangerie, em Paris. A obra prenuncia o retorno do artista ao figurativo, entre 1917 e 1929, e os motivos decorativos predominam em todo o espaço pictórico. Os alegres e exuberantes tecidos das cortinas, com seus florais e arabescos ao lado do papel de parede, quase ofuscam aquele que é o tema principal do quadro, a odalisca toda à vontade refestelada no divã. O eclipse da moça só não foi completo porque suas calças vermelhas realmente "gritam" para nós, clamando por nossa atenção. Nesse duelo, o tecido do divã, com suas listras amarelas, vermelhas e verdes, também contribui para guiar nosso olhar para a odalisca. Digamos que deu empate, ficou meio a meio! (rs). O fato é que Matisse fez algumas viagens ao Marrocos e ficou fascinado com o que encontrou naquele misterioso país, trazendo exuberantes acessórios, tecidos e cortinados para compor o cenário de suas pinturas. Note que o rosto da modelo se limita a uns poucos traços, dando-nos a impressão de que ela serviu de mero pretexto para realçar aquilo que realmente importava para o artista: o decorativo e a cor.

Henri Matisse - 'Odalisca com calça vermelha' (c. 1924-1925) - óleo s/ tela - Musée de l'Orangerie
Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

A tela abaixo, de André Derain, mostra a ponte de Charing Cross, em Londres. Derain passou duas temporadas na capital britânica, onde produziu cerca de trinta telas. Essa pintura é uma das mais bem-sucedidas da época e tornou-se um símbolo do fauvismo. Nesta paisagem urbana vista do alto, ele simplificou e deformou alguns elementos, como os veículos tombados para a esquerda cuja forma segue a curva do cais Victoria para transmitir uma sensação de velocidade.

André Derain - 'A ponte de Charing Cross' (c. 1906) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Temos também o lituano Chaïm Soutine (1893-1943), de família de judeus ortodoxos, que felizmente se mudou para Paris com cerca de 20 anos de idade e ali conquistou a liberdade para desenvolver sua arte. O buquê de flores abaixo chamou muito minha atenção e sabemos que, antes de 1917, desde sua chegada a Paris, Soutine pintou vários buquês de flores. Não deve ser por acaso que as flores de Soutine tenham florescido justamente em Paris, já que foi lá que ele conquistou sua liberdade artística! No início, elas eram inseridas em naturezas-mortas complexas, mas, pouco a pouco, os outros objetos dos cenários foram desaparecendo e as flores passaram a reinar absolutas. Esse é o caso da pintura abaixo, Gladíolos, em que o vaso foi deslocado para o canto inferior direito da composição e as flores ocupam três quartos do espaço. O fundo marrom escuro cria um contraste com o vermelho e realça a beleza dos exuberantes gladíolos, valorizados por pinceladas largas, densas e inquietas.

Chaïm Soutine - 'Gladíolos' (1919) - óleo s/ tela - Musée de l'Orangerie - Foto: Simone Catto

József Rippl-Rónai, outro artista do grupo dos fauves, tem uma história muito singular. Em 1914, ele teve a infeliz ideia de viajar a Paris com sua esposa e a filha adotiva para rever seus amigos nabis, Maurice Denis, Vuillard e Maillol. Bem naquele momento, a França estava entrando na I Guerra Mundial. O conflito surpreendeu o artista em Issy-L'Évêque, cidade natal de sua esposa, onde recaiu sobre ele, um estrangeiro, a suspeita de ser um espião austro-húngaro. Rippl-Rónai precisou então se isolar na região do Mâcon durante vários meses, e lá pintou diversas composições sobre o tema da guerra, como a tela abaixo. Nela está representado um batalhão de soldados franceses, reconhecíveis por suas calças de vermelho vivo, de partida para o front.

József Rippl-Rónai - 'Soldados franceses em marcha' (1914) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

Os fauvistas, com sua exuberância, constituem apenas uma parte da exposição. Há muito mais para ver! Para conhecer alguns dos artistas NABIS, clique AQUI.

E AQUI, conheça um pouco sobre os PONTILHISTAS e outros artistas na mostra do CCBB.

A exposição O TRIUNFO DA COR vai até 7/7 no Centro Cultural Banco do Brasil: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. Abre de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. A entrada é franca, mas é aconselhável reservar sua visita pelo site: www.culturabancodobrasil.com.br. Não perca!

Esotéricos ou intimistas, suaves ou intensos, os nabis seduzem no CCBB.

No post anterior, publiquei a primeira parte da resenha sobre uma exposição imperdível em São Paulo: 'O triunfo da cor', que reúne 75 obras pós-impressionistas de mais de trinta artistas no Centro Cultural Banco do Brasil. Falei sobre o pontilhismo e a cor "científica", abordei o grupo de Pont-Aven e mostrei, também, algumas obras de  Vincent Van Gogh e Paul Cézanne presentes na mostra. Num outro post, os fauvistas são o tema.

Foto: Simone Catto
Agora chegou a vez de um setor da exposição que muito me impressionou: o dos pintores nabis. Tudo começou quando Paul Sérusier (1864-1927), após sua temporada em Pont-Aven, retornou a Paris em outubro de 1888 com uma pequena pintura criada conforme os novos princípios de Paul Gauguin e a mostrou a seus colegas da Academia Julian. O quadro, uma paisagem do bosque d'Amour intitulada O Talismã, está na origem da criação do grupo dos nabis (da palavra "Nev'im", que significa "profetas", em hebraico). Esses artistas, que se consideravam os "profetas de uma nova arte", defendiam uma concepção decorativa da pintura, na qual a cor teria a função de realçar o tema.

Paul Sérusier - 'O Talismã, o Rio Aven no bosque d'Amour' - outubro de 1888 - Musée d'Orsay

Temos duas correntes de nabis: aqueles que eram mais afeitos às temáticas religiosas, esotéricas e abstratas, tais como Sérusier, Paul Ranson (1864-1909), Maurice Denis (1870-1943) e Ker-Xavier Roussel (1867-1944), e também aqueles que apreciavam mais as questões íntimas da vida moderna e cotidiana, representados por Édouard Vuillard (1868-1940), Pierre Bonnard (1867-1947), Aristide Maillol (1861-1944) e Félix Vallotton (1865-1925). Ora suaves, ora vivas, as cores sempre expressam com emoção as visões do grupo. Denis, Bonnard, Valloton e Vuillard preferiam as cores subjetivas que conferiam a suas telas uma iluminação misteriosa. Todos eram admiradores de Odilon Redon (1840-1916), o artista simbolista que usava um cromatismo sofisticado para conferir a suas pinturas uma dimensão sobrenatural e paradisíaca.

Pierre Bonnard - 'Interior, mulher e crianças' (1899) - óleo s/ cartão colado em madeira
parquetada - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Um dos artistas nabis que mais me fascinaram na exposição é Maurice Denis. Por vezes ele utilizou cores em transições suaves, e por outras aplicou na tela blocos de cores contrastantes realçadas pelo contorno preto em algumas figuras. Na tela abaixo, Denis retrata as musas das artes e da ciência, tema emprestado da mitologia clássica, mas as musas vestem trajes contemporâneos e estão em um terraço de Saint-Germain-en-Laye, cidade onde o artista passou toda a sua vida. Se não lêssemos o título da obra, dificilmente identificaríamos as mulheres como musas. Toda a pintura tem um tom meio sóbrio e outonal. As cores são aplicadas de forma homogênea e as figuras são bem delimitadas. O espaço carece de profundidade nesse "bosque sagrado" onde ocorre uma revelação ou "comunicação misteriosa entre os personagens, a natureza e as forças sobrenaturais", segundo o texto da exposição.


Maurice Denis - 'As Musas' (1893) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

A obra abaixo chama-se Tarde de outubro e era, originalmente, um painel para a decoração do quarto de uma jovem. Essa pintura foi criada num momento em que a arte de Denis tornava-se mais sintética e, ao lado de outros jovens artistas do grupo nabis, priorizava as obras de arte decorativas. O pintor Jan Verkade (1868-1946) chegou mesmo a proclamar à época: "Um grito de guerra foi lançado de ateliê em ateliê: basta de quadros de cavalete (...) agora serão apenas decorações". As mulheres, etéreas, não têm rostos, e "a paleta dos tons madrepérola e acastanhados, trabalhados em degradê, cria um cromatismo requintado, que contribui para a serenidade do conjunto" – segundo o texto da exposição. Além disso, "o movimento sutil dos arabescos nas silhuetas femininas" e as ranhuras em estilo japonês nos caules das castanheiras já preconizavam o movimento Art Nouveau que viria a seguir.

Maurice Denis - 'Tarde de outubro' (1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

O Retrato de Yvonne Lerolle de três formas, abaixo, é uma homenagem do artista à sua amiga Yvonne, filha do mecenas Henry Lerolle. Atrás do retrato central, duas outras imagens da moça se encaixam numa paisagem onde diversos e belos tons de azul predominam sobre os verdes. Essa tripla representação de Yvonne em diferentes fases da vida mostra o gosto de Denis por representações alegóricas dos diversos momentos da existência e nos faz lembrar, como Mallarmé e Proust, que a "verdade de uma pessoa" é a somatória de seus sucessivos ressurgimentos, conforme explica outro texto da mostra.

Maurice Denis - 'Retrato de Yvonne Lerolle de três formas' (1897) - óleo s/ tela
Musée d'Orsay - Foto: Musée d'Orsay

Foto: Simone Catto

As pinturas de Denis a seguir não são menos expressivas, apesar de suas pequenas dimensões: elas são bem menores que as anteriores, possuindo apenas cerca de 25 cm a 30 cm. O colorido intenso e a riqueza simbólica, no entanto, saltam aos olhos nessas pequenas joias.

Maurice Denis - 'A oferenda no calvário' (1890) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

Maurice Denis - 'Mancha de sol no terraço' (1890) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Maurice Denis - 'Na janela do trem' (1890) - óleo s/ madeira - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Outros dois nabis, Édouard Vuillard e Félix Vallotton, se notabilizaram pelas cenas de intimidade nos interiores de residências nas quais representaram parentes ou amigos como se estes estivessem num cenário de teatro. A temática das pinturas de Vallotton, com seus personagens solitários e sua quietude, me evocaram algumas telas de Edward Hopper, o hiper-realista americano da geração seguinte.

A pintura a seguir mostra a esposa de Vallotton, Gabrielle, procurando algo num armário, de costas para o espectador. Gabrielle Rodrigues-Henriques, com quem o artista se casou em 1899, era filha do marchand Alexandre Bernheim. Não foram raras as vezes em que Vallotton retratou, com uma certa mordacidade, o estilo de vida burguês no qual havia se inserido.

Félix Vallotton - 'Interior, mulher de azul vasculhando um armário' (1903)
óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

É Gabrielle quem aparece novamente na pintura abaixo, como mera coadjuvante para o cenário em que se encontra. Ela está de escanteio, penteando os cabelos enquanto provavelmente mira-se no espelho de sua penteadeira, e os braços para cima sequer permitem que vejamos seu rosto. Parece que o verdadeiro "modelo" do quadro é o dormitório, notadamente a poltrona "bagunçada" que ocupa o centro da tela. À esquerda está uma caixa de costura entreaberta, e à direita a cama está desarrumada. Os tons de rosa criam uma harmonia sofisticada com os de azul, e o conjunto todo transmite uma sensação cálida de conforto e intimidade. Exibido no primeiro Salão de Outono de Paris, em 1903, esse quadro obteve um sucesso considerável devido à simplicidade de seu tema e ao virtuosismo técnico do artista.

Félix Vallotton - 'Mulher se penteando' (1900) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Até 1902-1903, Vallotton pintou vários quadros representando sua esposa e seus filhos, bem como parentes de Gabrielle. Na pintura abaixo, sua sogra Henriette Bernheim aparece de costas jogando cartas com outros membros da família. Vale ressaltar que nessa época a relação entre o artista e a família da esposa começava a se deteriorar, e o texto da exposição menciona um certo "mal-estar que se cristaliza na distorção do espaço e na presença transbordante dos móveis" e também o "aspecto enclausurado da sala, com sua tapeçaria e a cortina fechada". Será que a disposição dos elementos na tela realmente traduz um mal-estar do artista? Ou ele estava apenas sendo moderno? A minha percepção pessoal, pelo menos, não é de opressão, e sim de quietude e concentração no jogo.

Félix Vallotton - 'Jogo de pôquer' (1902) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Édouard Vuillard passou a frequentar o grupo dos nabis em 1899 e o autorretrato abaixo é uma das obras mais célebres e radicais dessa época. As formas são simplificadas ao extremo e o rosto é constituído por camadas de tinta sobrepostas. A depuração das linhas, a intensidade das cores e a exacerbação dos componentes plásticos resultaram num autorretrato de grande intensidade e força expressiva. (Em tempo: achei-o parecido com Van Gogh nesse autorretrato!) 

Édouard Vuillard - 'Autorretrato octogonal' (c. 1890) - óleo s/ cartão colado
em madeira compensada - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Entre 1891 e 1892, o leito doméstico foi um tema recorrente em obras de pequeno formato de Vuillard. Na pintura abaixo, os blocos de camadas densas de tinta, firmemente destacados uns dos outros, quase criam uma ilusão de relevo. As formas são simples, os elementos são parcos e o leque de cores é voluntariamente restrito, mas isso basta para captarmos o momento e a situação que o artista quis retratar. Essa simplicidade, frugalidade e contenção nos deixam entrever, também, uma nítida influência da pintura japonesa.

Édouard Vuillard - 'O sono' (c. 1892) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Mas a exposição não para por aí! Clique AQUI para ler a resenha sobre os FAUVES e AQUI para saber um pouco sobre os PONTILHISTAS e a ESCOLA DE PONT-AVEN.

Só para lembrar: a exposição O TRIUNFO DA COR vai até 7/7 no Centro Cultural Banco do Brasil: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. Abre de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. A entrada é franca, mas, para evitar filas, reserve sua visita pelo site: www.culturabancodobrasil.com.br. Não deixe de ir!

Pós-impressionistas no CCBB: a cor triunfa e a vitória é nossa.

A cor é um presente da natureza. Mais do que um presente, aliás, é uma possibilidade. Porque quando manipulada pelas mãos certas, pode se tornar um verdadeiro deleite para os sentidos – inclusive o sexto. Foi essa a sensação que tive ao visitar a exposição O triunfo da cor, no Centro Cultural Banco do Brasil. Lá tive o prazer de (re)encontrar 75 obras de mais de trinta artistas pós-impressionistas que já havia visto algumas vezes no Musée d'Orsay e no Musée de l'Orangerie, em Paris. Em minha modesta opinião, esses dois museus estão entre os mais apaixonantes daquela cidade - fazem parte de minha lista particular também o Marmottan, o Musée de Montmartre, o Jacquemart-André e o Musée de la Vie Romantique... aff, é muita beleza junta!

O CCBB lotou! - Foto: Simone Catto

Embora eu tenha visitado a exposição numa manhã de sexta-feira e houvesse reservado horário pela internet, havia bastante gente por lá. Em virtude disso, às vezes ficava difícil tirar fotos das obras, razão pela qual algumas saíram tremidas ou descentralizadas. De qualquer forma, porém, dá pelo menos para ter uma ideia da beleza dessa exposição que recomendo a todos!

A mostra O triunfo da cor está dividida em quatro módulos. Um deles é dedicado a Gauguin e à escola de Pont-Aven, outro módulo é dedicado aos nabis, outro aos fauves e o quarto aborda os artistas que teriam tratado a cor de forma mais "científica", por assim dizer. Dentre estes últimos está Georges Seurat (1859-1891), que entre 1883 e 1884 desenvolveu um método científico para a pintura baseado na divisão das pinceladas. As cores em Seurat nascem da justaposição de tons, calculados em função de seus efeitos ópticos. Surge assim o pontilhismo que iria influenciar Paul Signac (1863-1935), Hyppolyte Petitjean (1854-1929), Maximilien Luce (1858-1941) Theo van Rysselberghe (1862-1926) e Henri-Edmond Cross (1856-1910), entre outros artistas do período.

As diversões populares de Paris estiveram entre os temas favoritos de Seurat e inspiraram grandes trabalhos. O desenho abaixo é um esboço preliminar para a pintura O Circo, no qual o artista explorou as teorias do contraste do cientista Charles Henry, bem como suas próprias ideias sobre a harmonia das cores.

Georges Seurat - "Esboço para 'O Circo' " (1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

E abaixo... temos a tela acabada.

Georges Seurat - 'O Circo' (1890-1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Musée d'Orsay

Seurat morreu jovem e, na sequência, Paul Signac assumiu a liderança intelectual do grupo dos pós-impressionistas. A pintura a seguir, Mulheres no Poço, foi criada por Signac a partir de um estudo de acidentes geográficos de Saint-Tropez. As cores vivas e contrastantes dessa cena singela dão a impressão de que a luz surge da própria cor – ou seria o contrário? Certamente a colina é amarela porque está banhada pelo sol.

Paul Signac - 'Mulheres no poço' ou 'Jovens provençais no poço' (1892)
óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

A exposição do CCBB também tem nomes menos conhecidos do grande público, como
Hippolyte Petitjean, outro adepto do pontilhismo que conheceu Seurat em 1884 e adotou de imediato suas teorias científicas sobre a cor. A exemplo de seu mentor, justapunha diferentes tons de cor sobre a tela ao invés de misturá-los previamente na paleta. O retrato a seguir é de Louise Claire Chardon, que se tornou sua esposa em 1904. Ela posa em uma sala decorada de maneira simples e usa um vestido azul de corte sóbrio que ressalta sua silhueta fina e elegante. Com seu caráter íntimo e um cromatismo sofisticado, o retrato está alinhado às tendências simbolistas da época.

Hipollyte Petitjean - 'Mulher jovem em pé' (1894) - Musée d'Orsay,
sob a guarda do Musée des Beaux-Arts de Dijon - Foto: Simone Catto

Outro adepto fervoroso do pontilhismo foi o artista anarquista Maximilien Luce. É dele o retrato de seu colega e grande amigo Henri-Edmond Cross, retratado em seu ateliê com uma pose descontraída e um cigarro nas mãos. Note que ele está cercado de obras pontilhistas nesta pintura que é um verdadeiro manifesto estético.

Maximilien Luce - 'Henri-Edmond Cross' (1898) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay

O uso de cores complementares e grandes contrastes tornou-se marca registrada desses artistas até o início do século 20. Estão lá, também, Van Gogh (1853-1890) e Toulouse-Lautrec (1864-1901). Embora estejam presentes com poucas obras, é sempre um prazer apreciar o trabalho desses dois. E por falar em prazer, sabemos que Toulouse-Lautrec adorava retratar os espetáculos e as diversões noturnas parisienses, como os cabarés, o circo e os bordéis. A pintura abaixo mostra a palhaça Cha-U-Kao, artista circense muito conhecida na Paris do final do século XIX e figura recorrente na obra do mestre. A artista, já uma senhora de meia-idade, é flagrada numa pose meio desajeitada em plena intimidade, no momento em que se prepara para entrar em cena.

Henri de Toulouse-Lautrec - 'A palhaça Cha-U-Kao' (1895) - óleo s/ papel-cartão
Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Vincent Van Gogh - 'A Italiana' (1887 - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Vincent Van Gogh - 'Fritilárias coroa-imperial em vaso de cobre' - (abril-maio de 1887)
óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Vamos, agora, passar para outro módulo da exposição: Gauguin e a escola de Pont-Aven. Foi nesse lugarejo bretão tranquilo, longe do frenesi de Paris, que Paul Gaguin (1848-1903) inventou um novo jeito de fazer pintura. O artista, que criticou os impressionistas por suas buscas "em torno do olhar e não do núcleo misterioso do pensamento", criou uma pintura que reflete um mundo interior – intelectual, poético e espiritual. Em 1888, escreveu ele a seu amigo Émile Sohuffenecker (1851-1934), também artista e colecionador: "A arte é uma abstração. Extraia-a da natureza sonhando diante dela e pense mais na criação do que no resultado." Gauguin se inspirou na arte primitiva e popular, nas estampas japonesas, na arte medieval e não ocidental para criar uma estética particular, moderna, em que as cores perdem sua relação com a realidade e são aplicadas uniformemente sobre a tela. As formas são contornadas por um traço escuro que simplifica o motivo e as composições adquirem um caráter decorativo acentuado pela representação de um espaço plano que exclui qualquer ilusão de profundidade. Segundo o catálogo da exposição, Gauguin atribui à cor o papel de revelar a dimensão simbólica da pintura. Com suas tonalidades, escolhidas artificialmente, ele retorna às fontes primitivas da arte e ao instinto da criação.

Foto: Simone Catto

A paisagem a seguir não é de Gauguin: é de Émile Bernard (1868-1941), mas expressa bem o espírito da escola de Pont-Aven, com suas camponesas bretãs.

Émile Bernard - 'A colheita' ou 'Paisagem bretã' (1888) - óleo s/ tela
Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Émile Bernard - 'Banhistas com vaca vermelha' (1887) - óleo s/ tela
Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Em 1891, Gauguin decidiu se exilar no Taiti para se inspirar na pureza dos povos nativos tropicais, longe das civilizações ocidentais. Nesse cenário paradisíaco, realizou seu desejo de "ali viver de êxtase, tranquilidade e arte". A luxuriante pintura abaixo é típica dessa primeira temporada do artista no Pacífico. Vemos duas taitianas desempenhando tarefas do cotidiano na praia e suas silhuetas se destacam com vivacidade em blocos de tinta num fundo quase abstrato. Os tecidos de cores alegres e intensas destacam a pele morena das mulheres contra as linhas horizontais verdes e azuis que representam o mar ao fundo.

Paul Gauguin - 'Mulheres do Taiti' (1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Um outro "Paul", além de Gauguin, também fez parte do grupo de Pont-Aven: trata-se de Paul Sérusier (1864-1927), que desde 1888 passou a viajar para o lugarejo bretão em busca de uma síntese entre a cor e o desenho. Inspirado por Gauguin, Sérusier simplificou ainda mais as formas e os contornos em suas pinturas, ousando combinações de cores nada óbvias. A tela abaixo, Eva bretã, eleva uma simples camponesa bretã de Pont-Aven a um estado quase místico que evoca as pastorais gregas e as lendas dos bosques.

Paul Sérusier - 'Eva bretã' ou 'A melancolia' (1890) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

Um terceiro "Paul", porém, se tornaria ainda mais famoso que Paul Sérusier e tão respeitado quanto Paul Gaguin: desta vez estou me referindo a Paul Cézanne (1839-1906). Enquanto Gauguin fugia para o Taiti, em 1891, Cézanne se refugiou na Provence francesa para também realizar suas experiências com as cores da natureza. A pintura a seguir mostra as cercanias do Château Noir, entre a cidade de Aix-en-Provence e a montanha de Sainte Victoire. A partir de 1887, ele alugou um pequeno cômodo nessa propriedade e, entre esse ano e 1905, retratou o local várias vezes, sob diferentes ângulos, em pinturas a óleo ou aquarelas. Note que, na pintura, o plano único dilui os contornos entre o que é mineral e vegetal.

Paul Cézanne - 'No parque de Château Noir' (entre 1898 e 1900) - óleo s/ tela
Musée de l'Orangerie - Foto: Simone Catto

Em outubro de 1888, após uma temporada em Pont-Aven, Paul Sérusier retornou a Paris com um pequeno quadro criado dentro dos novos princípios de Paul Gauguin e o mostrou a seus colegas da Academia Julian. A partir daí, um novo grupo iria se formar: o dos nabis. Mas isso é tema para o próximo post!

Clique AQUI para saber sobre os NABIS, e AQUI para conhecer os pintores FAUVISTAS também presentes na exposição.

A exposição O TRIUNFO DA COR vai até 7/7 no Centro Cultural Banco do Brasil: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. Abre de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. A entrada é franca, mas é bom reservar sua visita pelo site para evitar filas! Acesse www.culturabancodobrasil.com.br. Imperdível!