domingo, 21 de agosto de 2016

Teatros lotados, peças vazias: quando a estrela é o marketing.

Ultimamente não tenho tido muita sorte com peças de teatro. Assisti a umas quatro recentemente e devo dizer que nenhuma me fez vibrar de emoção ou pular de alegria. Duas delas, que já saíram de cartaz e foram encenadas em teatros respeitáveis, não eram propriamente ruins, mas também não empolgaram minhas endorfinas. As outras duas apenas me deram a certeza de que um bom trabalho de marketing ou assessoria de imprensa faz toda a diferença, inclusive quando a montagem não é boa.

É neste segundo caso que classifico Histeria, comédia dirigida por Jô Soares que esteve em cartaz no Teatro Tuca. Guiando-me pela crítica dita "especializada", tentei, ao lado de alguns amigos, comprar ingressos para assistir ao espetáculo num determinado sábado, mas estava tudo esgotado e só conseguimos comprar para o sábado seguinte. Mesmo assim, nossos lugares ficavam na décima quarta fileira. Para quem não sabe, Histeria é uma comédia escrita pelo britânico Terry Johnson, em 1993, que aborda um relacionamento hipotético entre Sigmund Freud, o pai da psicanálise, e o pintor surrealista Salvador Dali. Sabemos que os dois homens realmente se encontraram no ano de 1938, pouco antes da morte de Freud, quando o pintor foi visitá-lo em Londres, cidade para a qual o médico se refugiara fugindo à perseguição nazista aos judeus. Porém, não sabemos o que conversaram. A ideia de associar o pai da psicanálise a um pintor surrealista numa interação imaginária inspirada nesse encontro naturalmente foi interessante, já que Freud descobriu o recurso da interpretação dos sonhos para a cura psíquica e as imagens oníricas estão no cerne da produção surrealista de Dali. Soube que a peça teve boa receptividade em Londres e Paris, sendo que nesta cidade foi dirigida por ninguém menos que John Malkovitch, em 2002. Por esta razão, quando fui ao teatro assistir à adaptação brasileira, esperava um texto brilhante, diálogos inteligentes e tiradas criativas, mas confesso que me decepcionei um bocado. Achei o roteiro fraco, o texto quase não me fez rir e não me impressionou em absoluto. Não conheço o roteiro original e pergunto-me se o erro estava na adaptação de Jô Soares. Só sei que o problema, definitivamente, não estava na produção, que era ótima, e muito menos no elenco, que incluiu atores do naipe de Cássio Scapin, interpretando Salvador Dali, e Pedro Paulo Rangel, no papel de Freud. Esses dois honraram seus personagens como sempre fazem. Porém, em minha opinião, as boas atuações do elenco não foram suficientes para segurar o espetáculo.

Acho desalentador o fato de que deve haver peças muito boas por aí que amargam plateias vazias por não serem vistas pela crítica especializada e, por isso, sequer recebem avaliação nos guias de entretenimento dos jornais e revistas. Outras montagens, por sua vez, nem são tão boas assim – isso quando não são francamente ruins -, porém ostentam nomes globais no elenco e/ou direção, recebem farto patrocínio, são encenadas em bons teatros e divulgadas com estardalhaço, atraindo hordas de espectadores e lotando as salas.

Semana passada, por exemplo, fui ver O Impecável, stand-up de Luiz Fernando Guimarães que acaba de estrear no Teatro Gazeta. Quis assistir à peça porque tinha como referência o excelente humor desse ator que conheço desde os tempos da lendária TV Pirata e da série Os Normais, entre outras produções. O fato é que sempre gostei de Luiz Fernando Guimarães e, apostando nele, fui conferir a montagem em que interpreta diferentes personagens num salão de beleza de Copacabana. Esperei encontrar algo com a qualidade de Cada um com seus pobrema, o hilário stand-up no qual Marcelo Medici encarnou personagens impagáveis, ou da altura do Terça Insana, que fez história com uma divertidíssima Grace Gianoukas interpretando tipos amalucados e inesquecíveis. O que encontrei, no entanto, foi um roteiro ralo, piadas sem graça, uma produção pífia e um Luiz Fernando Guimarães bem diferente daquele que já me fez rir. Achei as caracterizações fracas, não há troca de figurinos – ao contrário dos excelentes stand-ups que mencionei anteriormente - e, por vezes, a dicção do humorista era ininteligível. Ele tem dado entrevistas e divulgado o espetáculo na mídia, mas, em minha opinião, os R$ 90,00 que paguei para assistir não justificam nem de longe o resultado.

Saudades de Barbara Heliodora, a crítica teatral que fazia os encenadores tremerem nas bases, mas que tanta luz jogou sobre nossos palcos. Espero que os jornais paulistas coloquem a mão no bolso e invistam em críticos verdadeiramente especializados para assistir e avaliar mais peças em cartaz, a fim de que o público possa receber melhor orientação em suas escolhas. Se já fazem isso razoavelmente com o cinema, por que não fazerem também com o teatro? Existem dezenas de produções, por aí, à espera de uma avaliação. Enquanto isso não acontece, acho mais prudente esperar o "boca a boca", isto é, a indicação de algum amigo, para selecionar a próxima peça a que vou assistir. Até porque teatro custa caro e meu tempo livre não tem preço.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Por que as redes sociais estão mudando o mercado de arte.

Fonte: Gotham Magazine – 28/6/2016 | Tradução e adaptação: Simone Catto

O mercado de arte norte-americano é o maior do mundo e está a anos-luz à frente do brasileiro, mas essa matéria aponta para uma tendência que, mais dia, menos dia, vai chegar aqui também: cada vez mais gente está comprando obras de arte on-line. Nos Estados Unidos, as mídias sociais e plataformas alternativas de venda de arte estão rompendo o modelo tradicional das galerias de arte no século XXI. Como as vendas de arte contemporânea atingiram a estratosfera por lá, as formas de comprar e vender obras de arte também se multiplicaram naquele país. Em outras palavras: a relação tradicional artista-galeria, na qual a galeria lentamente trabalha para desenvolver a carreira do artista, está mudando: os artistas estão interagindo com o público via mídias sociais e, muitas vezes, trocando as galerias pelos leilões.

Um, dois, três...

Em 2008, Damien Hirst fez hordas de inimigos entre os marchands quando esnobou as galerias com as quais trabalhava (Gagosian, em Nova Yorque, e White Cube, em Londres) e dirigiu-se à casa de leilões Sotheby's de Londres para vender diretamente a obra Beautiful Inside My Head Forever. "Mesmo que a venda fracasse, estarei abrindo uma nova porta para os artistas de todos os lugares", afirmou o artista/empreendedor aos repórteres à época. Em menos de 24 horas, 223 trabalhos foram vendidos e atingiram mais de 200 milhões de dólares, um recorde para um leilão de um único artista. Os galeristas se prepararam para um verdadeiro tsunami, mas, desde então, não houve outro blockbuster como aquele nas vendas diretas em leilões. E Hirst, que havia abandonado a Gagosian há alguns anos, retornou à galeria com grande festa na primavera deste ano.

Damien Hirst - 'Beautiful Inside My Head Forever' - 2008
Insta Vendas

Artistas cujas obras alcançam preços mais realistas do que as de Hirst estão vendendo cada vez mais nos leilões pela Internet. Apesar da retração do mercado global de arte em 2015, o mercado de arte on-line cresceu 24% para 3,27 bilhões de dólares, de acordo com um relatório que acabou de ser divulgado pela seguradora Hiscox, especialista nesse segmento. "Dispositivos móveis estão se tornando nossa arma preferida", afirma Robert Read, diretor de Artes Plásticas da Hiscox, "e as mídias sociais estão nos convencendo cada vez mais de que 'a roupa nova do imperador' é realmente magnífica." Enquanto a maior parte da arte vendida pela Internet custa menos de 7.250 dólares, quase um quarto das vendas variou entre 7.250 até 72.500 dólares ou mais.

Stuart Semple e outros artistas jovens, tais como Ryan McGinley, José Parlá e Daniel Arsham, residentes em Nova York, estão usando plataformas de mídias sociais como o Instagram para exibir e distribuir algumas de suas obras – e os marchands e galerias estão percebendo isso. "Estou espantado com a quantidade de trabalhos que estamos vendendo direto do ateliê por meio do Snapchat", diz Semple. "Antes um artista não tinha o poder de conversar diretamente com o espectador. Creio que um artista poderia sobreviver muito bem somente com as mídias sociais."

Instagram e Facebook são as plataformas preferidas nos Estados Unidos, sendo que quase a metade dos compradores online usou o Instagram em 2016 por causa da arte. No ano passado, mais de 80% de todos os compradores de arte da Geração Y compraram obras de arte on-line. Mesmo assim, diz Semple, "o espaço físico de uma galeria ainda é importante. Tudo isso vai junto... exposições podem ter um elemento digital e vice-versa."

Daniel Arsham - obra pertencente à Baró Galeria, São Paulo, exposta na SP-Arte 2014 - Foto: Simone Catto

A arte como ativo

A Artist Pension Trust, empresa fundada em 2004 por Moti Shniberg, permite aos artistas criar um fundo de aposentadoria usando suas próprias obras de arte como ativos. Os participantes doam 20 obras ao longo de um período de 20 anos e, gradualmente, elas vão sendo comercializadas: 40% dos lucros vão para o autor da obra e o restante é dividido entre os artistas-membros e a empresa.

Com cerca de dois mil artistas e 14.000 trabalhos, a APT "oferece uma segurança financeira que as galerias não podem proporcionar", afirma o diretor Ayal Brenner. "Nós oferecemos valor agregado e exposição global". No ano passado, a ATP fez suas primeiras vendas, a maioria a museus, de obras com custo médio de 30 mil dólares e uma valorização de 18% em relação a seu preço inicial no fundo. Em março, a APT fez sua primeira distribuição de lucros. "Estamos segurando as obras mais valiosas", diz Brenner, "até que o sistema de vendas esteja funcionando perfeitamente". Ele não conhece concorrentes – neste ponto, diz, a APT detém o topo do mercado. Só o tempo, porém, poderá dizer se as obras de arte trarão lucros para os artistas e a empresa.

De tudo isso, concluímos que realmente não dá para os artistas desprezarem a venda de obras de arte on-line, seja por meio de leilões, galerias virtuais ou sites pessoais criados de forma inteligente e vinculados a redes sociais. Para os artistas desconhecidos, sobretudo, a criação de um site com as ferramentas adequadas de marketing digital, incluindo a inserção de palavras-chave e outros mecanismos que façam com que ele seja facilmente encontrado nas buscas dos internautas, é um recurso de vendas inteligente que não pode – e não deve – ser descartado. Ainda mais no embrionário mercado de arte de um país como o Brasil, que, assolado por uma crise política e econômica sem precedentes, não pode se dar ao luxo de desprezar as ferramentas disponíveis para vender mais arte – on-line ou off-line. O raciocínio é simples: quem aparece tem mais chances de vender. E para aparecer, é preciso fazer bonito também na Internet.