Lembro de ter ouvido chorinhos desde que me conheço por gente.
Meu avô tocava bandolim. Meu bisavô tocava bandolim. E meu tio-avô Oswaldo, de
longe o mais talentoso dos três, aprendeu, sozinho, a tocar violão, bandolim e
cavaquinho. Seu ouvido e sua musicalidade eram impressionantes. Sem nunca ter
pisado em um conservatório, o homem abriu sua escola de música e sustentou a
família com ela. Talentaaaaaço! Diz a história que o choro surgiu no Rio de
Janeiro, lá pelos idos de 1880, como um contraponto popular à música dos salões
aristocráticos. Rachmaninoff, meu adorado 'Rach' e último dos românticos, ainda
era uma criança naquela época. É lógico que, em meus (bons!) tempos de
pianista, não poderia deixar de aprender alguns chorinhos também. O choro
passou, o piano também (será que voltará?), mas ficou o teclado - não o do
piano, mas aquele de onde extraio as letras de meu ganha-pão. Na memória
ficaram, também, as reuniões e festinhas lá em casa, sempre tão alegres, e na
casa de meu tio-avô, onde todos se juntavam para tocar Pixinguinha, Ernesto
Nazaré, Jacó do Bandolim, Noel Rosa, Waldir Azevedo, Francisco Mignone... deste
último, meu avô sempre pedia para eu tocar ao piano a linda e nostálgica 'Valsa
da Esquina', para me acompanhar ao bandolim. Saudade! O fato é que todas essas grandes
figuras habitaram meus ouvidos durante boa parte de minha vida.
As 'Choronas' Paola Picherzky, Ana Claudia Cesar, Miriam Capua e Gabriela Machado - foto: Gal Oppido |
É por tudo isso que, ao assistir a uma bela apresentação do
grupo 'Choronas' no Centro Cultural
Authos Pagano, não pude deixar de me emocionar - sobretudo ao ouvir 'Flor
Amorosa' e 'Lamento', das quais meu avô e meu tio tanto gostavam. Por alguns
minutos pude reviver todos aqueles momentos felizes com tantas pessoas queridas
e música boa. Há tempos não ouvia chorinhos ao vivo e foi uma deliciosa
experiência ouvir alguns naquele show intimista das talentosas meninas 'Choronas'. O show foi seguido de uma
sessão de autógrafos do livro 'O cavaquinho encantado de Waldir Azevedo', de
autoria de Ana Claudia Cesar, que toca cavaquinho no grupo e explica a
importância do instrumento para a construção da identidade do chorinho. Afinal,
foi pelos dedos ágeis do genial compositor Waldir Azevedo que o cavaquinho tornou-se
mais valorizado, passando de acompanhamento para instrumento solista. Para quem
não sabe, Waldir Azevedo é autor do famoso 'Brasileirinho', um chorinho que já
era popular e ficou mais ainda após valorizar as performances da ginasta Daiane
dos Santos, que ganharam ainda mais ginga, graça e, é claro, aplausos. É de
Waldir, também, obras-primas como 'Brejeiro', 'Pedacinho de Céu' e 'Delicado'.
Agora vamos às meninas. Fundado em 1994, o grupo 'Choronas' ficou conhecido por seu trabalho
de pesquisa, resgate e excelentes interpretações de um repertório de choros,
baião, maxixe e samba que já encantou plateias no Brasil e exterior. É formado
por Ana Claudia Cesar, no
cavaquinho, Gabriela Machado, na
flauta, Paola Picherzky, no violão
de sete cordas, e Miriam Capua, na
percussão.
Gabriela, Paola, Ana Claudia e Miriam arrasando nos chorinhos no Centro Cultural Authos Pagano. Foto: Gal Oppido |
O livro lançado há pouco. |
Instrumentista tarimbada, Ana
Claudia nos presenteou com belos e emocionantes acordes de cavaquinho lá no
show. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie, Ana possui
uma longa experiência como docente e inclusive elaborou o curso de formação em
Cavaquinho da Universidade Livre de Música – Tom Jobim, entre muitas outras
iniciativas voltadas para o ensino e a valorização desse lindo instrumento.
A flautista Gabriela,
brilhante, é bacharel em flauta pela UNESP e já recebeu vários prêmios. Não é
para menos: a menina manda muito bem! Gabriela já integrou orquestras, gravou
CDs e acompanhou artistas do naipe de Antônio Menezes, Altamiro Carrilho, Paulo
Moura, Yamandu Costa, Zizi Possi e Nelson Freire, entre muitos outros. Além de
integrar as 'Choronas', também faz parte da Banda Sinfônica do Estado de São
Paulo.
A 'hermana' Paola, natural da Argentina, pelo jeito
se encantou com o jeitinho brasileiro de tocar e adotou o violão de sete cordas
para expressar sua sensibilidade nos choros. Mestre em música também pela minha querida UNESP e professora
experiente, Paola ministra aulas de violão erudito em várias faculdades de música,
gravou alguns CDs e já tocou ao lado de músicos como Roberto Sion, Paulo
Belinatti e Izaías e seus Chorões, entre outros. No show, Paola dividiu o violão com Rosana Bergamasco, que fez uma bela participação especial.
A percussionista Miriam
arrasou no pandeiro. Ela toca, o pandeiro obedece e ainda pede mais! Tarimbadíssima,
Miriam tem uma longa carreira como instrumentista e há mais de 20 anos ministra
aulas de percussão em escolas e faculdades. Eclética, faz bonito em orquestras e
bandas populares – seja nos palcos, na TV ou na rua. Sim, porque até em escola
de samba a moça já tocou! Miriam também se apresentou ao lado de grandes
artistas e... ufa! Jornalista graduada pela USP, colaborou com revistas
especializadas e ainda ajudou a criar a revista eletrônica do Conservatório
Souza Lima, aliás um dos lugares que marcaram minha infância.
Bem,
essas são as 'CHORONAS' que me fizeram sorrir e, certamente, fazem o mesmo com muitas outras
pessoas. Música de qualidade é sempre bem-vinda e o chorinho, um ritmo
tão alegre e brejeiro quanto o povo brasileiro (juro que a rima não foi
intencional!! rs), não pode sumir. O que é bom deve ser não apenas preservado, mas
sobretudo propagado aos quatro cantos, para que mais gente tenha parâmetros
para refinar os ouvidos – a começar pelos ouvidos brasileiros, tão maltratados ultimamente. Fique de olho no próximo show! Para saber mais e acompanhar a agenda
do grupo, acesse www.choronas.com.br.
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