domingo, 29 de novembro de 2015

As mil faces de Guignard: retratos e autorretratos.

Este post é a segunda parte da resenha da exposição 'Guignard – Memória Plástica do Brasil Moderno', que aconteceu recentemente no MAM-SP e reuniu mais de 70 obras do pintor Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo - RJ, 1896 – Belo Horizonte - MG, 1962). Na primeira parte, falo um pouco das pinturas de paisagens e festas do artista. Aqui, o tema são os retratos e autorretratos, considerados por alguns críticos como a porção mais fértil de sua obra.

Guignard - 'Van Gogh' (1929) - óleo s/ cartão - coleção particular - RJ - Foto: Simone Catto

Sabemos que, após passar sua infância e juventude na Europa, Guignard retornou a sua cidade natal, o Rio de Janeiro, em 1929. Lá participou do Salão Revolucionário de 1931 e chamou a atenção de Mário de Andrade (1893-1945), que o considerou uma das grandes revelações da mostra. Guignard pertencia à segunda geração de modernistas que participaram da exposição de 1931, ao lado de Moussia Pinto Alves, Paulo Rossi Osir, Victorio Gobbis e Cândido Portinari. Nessa época, ele realizou vários trabalhos sobre o Jardim Botânico, onde instalou seu ateliê, e tentou se enturmar com poetas como Murilo Mendes e artistas como Ismael Nery.

Guignard - 'Jardim Botânico' (c. 1937) - coleção particular - Foto: Simone Catto

Foi notória, também, a atividade de Guignard como docente. De 1931 a 1943, ensinou desenho e pintura para órfãos de militares, na Fundação Osório, no Rio de Janeiro. Entre 1940 e 1942, viveu num hotel em Itatiaia, pintou a paisagem local e decorou peças e cômodos do hotel onde se hospedou. Em 1941, integrou a Comissão Organizadora da Divisão de Arte Moderna do Salão Nacional de Belas Artes, com Oscar Niemeyer (1907-2012) e Aníbal Machado (1894- 1964). Em 1943, passou a orientar alunos em seu ateliê e fundou, com outros artistas, o Grupo Guignard no diretório acadêmico da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, no qual orientou, entre outros, Iberê Camargo (1914-1994) e Waldemar Cordeiro (1925-1973). A única exposição do grupo, realizada no próprio Enba, foi fechada por alunos conservadores e reinaugurada na Associação Brasileira de Imprensa - ABI. Em 1944, Guignard mudou-se para Minas Gerais a convite de Juscelino Kubitschek, então governador do Estado, e dirigiu o curso livre de desenho e pintura da Escola de Belas Artes, em Belo Horizonte.

Nas décadas de 30 e 40, o artista fez retratos de pessoas da classe alta, entre os quais está uma de suas obras mais conhecidas, o premiado retrato das gêmeas 'Léa e Maura', ou 'As gêmeas' (1940), que aparecem com vestidos idênticos. As meninas eram filhas do senador Barros Carvalho, na casa de quem Guignard morou e, mais tarde, em 1943, pintou uma paisagem de Olinda no teto da sala de jantar. A casa fica no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro, e a paisagem pintada no fundo da pintura é imaginária. A esse respeito, vale ressaltar que, mesmo nos retratos, Guignard se preocupava em criar fundos e cenários ricos, às vezes fantasiosos, que não raro desviam a atenção do observador do centro do quadro. Uma curiosidade: a gêmea Léa é mãe do artista plástico Tunga, bem reconhecido no Brasil.

Guignard - 'Léa e Maura' ou 'As Gêmeas' (c.1940) - óleo s/ tela - Acervo Museu Nacional de Belas Artes - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Retrato de Lúcia Machado de Almeida' (1959) - óleo s/ madeira
Acervo Museu Casa Guignard - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Retrato' (1958) - óleo s/ tela - Acervo Pinacoteca do Estado - Foto: Simone Catto

Retratos de fuzileiros navais foram recorrentes na obra do artista entre as décadas de 1930 e 1950 e possuem algo em comum: os homens são todos negros e mostrados com suas famílias.

Guignard - 'A Família do Fuzileiro Naval' (c.1937) - Foto: Instituto Cultural Itaú

Guignard também retratou pessoas de sua família, amigos, filhos de amigos, intelectuais e artistas. Assim como nas outras obras, seus retratos apresentam elementos fortemente decorativos, como arabescos, estampas e outros motivos. É o caso da obra 'Os Noivos', de 1937.

Guignard - 'Os Noivos' (1937) - óleo s/ madeira - Museus Castro Maya - Foto: Simone Catto

Em muitos dos inúmeros autorretratos que pintou ao longo de décadas, o artista faz menção a seu defeito congênito, o lábio leporino, que também está presente em uma representação de Cristo que deve ter sido considerada um sacrilégio para muitos. O 'Autorretrato' (1919), feito por Guignard aos 23 anos, quando ainda estudava na Alemanha, é um desenho realista a carvão sobre papel em que o artista, de cabeça inclinada diante do espelho, esboça um sorriso com seu lábio defeituoso.

Guignard - 'Autorretrato' (1919) - carvão s/ papel - Acervo MAM-RJ - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Autorretrato' (1940) - carvão s/ madeira - Museu Nacional de Belas Artes - Foto: Simone Catto

Nesses autorretratos, a figura de Guignard era quase sempre robusta e assertiva, mesmo com o defeito no lábio. No entanto, o artista era um homem essencialmente triste e esse sentimento transparece num quadro dos anos 1930 em que ele se retrata como um palhaço com dentes gigantescos à mostra. O fato é que, mesmo tendo sido reconhecido em vida, Guignard morreu sozinho, de complicações do alcoolismo, aos 66 anos de idade.

Guignard - 'Autorretrato vestido de Palhaço' - (década de 30)

Conheça aqui as paisagens e festas de Guignard e saiba mais de sua vida!

sábado, 28 de novembro de 2015

Marcelo Bratke, o pianista que enganou a luz.

Ele começou a tocar piano aos 14 anos, uma idade considerada tardia na história dos virtuoses. Ele era praticamente cego, mas não deixava o mundo saber disso. Ele é um dos maiores pianistas brasileiros. Estou falando de Marcelo Bratke, que tocou os 24 Prelúdios de Chopin (1810-1849) e deliciosas valsas e tangos de Ernesto Nazareth (1863-1934) em um recital num inesquecível domingo de outubro no Teatro do Sesi, na Avenida Paulista.

Eu já conhecia Marcelo Bratke, mas nunca havia assistido a um concerto ao vivo desse pianista brasileiro que reside em Londres desde 1992 e conquistou fama internacional. O CD que gravou dedicado ao "Grupo dos Seis", de Jean Cocteau, foi considerado pela revista britânica Gramophone como “uma das melhores gravações eruditas de todos os tempos”. Os Prelúdios de Chopin são peças mais introspectivas, melancólicas, e a interpretação de Marcelo é extremamente elegante, sem os derramamentos apaixonados que caracterizam outras peças do compositor. Sua técnica impecável também conferiu um brilho especial às peças de Ernesto Nazareth, expressando uma alegria e leveza contagiantes.

Marcelo tem uma trajetória admirável, sobretudo se considerarmos que nasceu com uma rara doença da visão, uma espécie de catarata que lhe permitia enxergar apenas 7% com um olho e 2% com o outro. Certa vez, aos 14 anos, ele ouviu o pai tocar o Prelúdio nº 4 de Chopin e resolveu imitá-lo ao teclado. Meia hora depois, já tocava a composição de ouvido. O pai, vislumbrando o talento do menino, resolveu contratar uma professora. Foi a melhor coisa que fez. Marcelo passou a desenvolver, então, técnicas especiais para aprender e memorizar as partituras. Um exemplo: depois de escutar as notas musicais, ouvindo um disco, ele lia a partitura bem de perto, nota por nota, até memorizá-la. E memorizava muito mais rápido do que qualquer outro pianista. Quando tinha 16 anos, tocou piano em uma festa, em São Paulo, e foi descoberto pelo maestro Eleazar de Carvalho. A partir dali, sua carreira deslanchou.

O pianista, porém, nunca admitiu que fosse cego e tampouco se sentia como tal. Desde cedo desenvolveu mecanismos para driblar sua condição, inclusive depois de conquistar uma carreira internacional, brilhar em festivais e concursos de música clássica e se apresentar em grandes salas de concerto pelo mundo. Com ou sem o acompanhamento de uma orquestra, Marcelo entrava no palco, sentava-se ao piano, tocava divinamente, agradecia os aplausos, saía e ninguém percebia que ele não enxergava. Um assombro. Após esconder sua deficiência visual por 40 anos e ser desaconselhado por vários médicos a tentar uma cirurgia para recuperar a visão, o virtuose encontrou um oftalmologista em um hospital de Boston, EUA, que detectou boas possibilidades de melhora. Assim, há alguns anos Marcelo fez um cirurgia que, felizmente, foi muito bem-sucedida: conseguiu recuperar 90% da visão em um dos olhos e passou a enxergar o mundo. Ao perceber as cores com toda a sua vivacidade, deu-se conta da precariedade de sua visão anterior, descobriu um novo universo e conseguiu ampliar ainda mais a plateia disposta a ouvir e aprender com seu lindo piano.

O fato é que Marcelo veio a este mundo com a missão de encantar as pessoas com sua música e nenhum obstáculo poderia impedi-lo de se tornar o grande virtuose que é, um virtuose anos-luz à frente de tantos pianistas que não enfrentaram um décimo das dificuldades que ele enfrentou. Marcelo Bratke tem o meu respeito e eterna admiração.

Confira, abaixo, uma amostra dos Prelúdios de Chopin e o trecho de uma entrevista do pianista durante o Festival de Inverno de Campos do Jordão, em julho de 2015.




E aqui, a deliciosa interpretação de Marcelo Bratke do choro "Brejeiro", de Ernesto Nazareth, no concerto a que tive oportunidade de assistir, no Teatro do Sesi!



Se você gosta de piano, fique de olho para não perder o próximo concerto deste grande artista!

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Alberto da Veiga Guignard: paisagens imaginantes, alegria imaginada.

Confesso que, até pouco tempo, não tinha muita intimidade com a obra de Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo - RJ, 1896 – Belo Horizonte - MG, 1962). Pintor, professor, desenhista, ilustrador e gravador, ele foi tema da exposição 'Guignard – Memória Plástica do Brasil Moderno', realizada recentemente no MAM-SP. Com curadoria de Paulo Sergio Duarte, a mostra reuniu mais de 70 obras de quatro gêneros diferentes, entre retratos e autorretratos, paisagens e festas, naturezas-mortas e pintura sacra. Deu para perceber que emoções variadas guiaram a mão do artista: temos o Guignard nacionalista, surrealista, modernista e também o Guignard lírico.

Guignard - Sem título (1937) - óleo s/ tela - Coleção Roberto Marinho
Foto: Simone Catto

A formação na Europa

Guignard mudou-se para a Europa ainda criança, em 1907. Após o suicídio do pai, foi viver em Munique com a mãe, que se casara com um barão alemão falido e jogador que dilapidou a fortuna da família, tendo retornado a seu Rio de Janeiro natal apenas em 1929. A julgar por sua biografia, a infância do artista deve ter sido um bocado tumultuada!

Nesses mais de 20 anos que residiu no velho continente, Guignard frequentou, em dois períodos distintos (entre 1917 e 1918 e entre 1921 e 1923), a Königliche Akademie der Bildenden Künste (Real Academia de Belas Artes) de Munique, onde estudou com Hermann Groeber (1865-1935) e Adolf Hengeler (1863-1927). Além disso, estudou com afinco a arte flamenga na Pinacoteca de Munique. 

Entre 1925 e 1928, o artista teve a oportunidade de se aperfeiçoar em Florença, onde se identificou com a obra de Sandro Botticelli (1444/1445-1510) e Raoul Dufy (1877-1953). Foi naquela cidade que se libertou da rigidez acadêmica e marcou sua passagem para o modernismo. Posteriormente, em Paris, ele ainda participou do Salão de Outono.

Seus anos de formação na Europa coincidiram com a década de 20, período privilegiado da história da arte em que nasceram e vicejaram vários movimentos transgressores, de forma que Guignard teve contato com o cubismo, o expressionismo, o dadaísmo e o surrealismo. A atração que o surrealismo exerceu sobre o artista, que conheceu o movimento em 1927 e descreveu-o como seu "caminho para a libertação", segundo um texto autobiográfico, é perceptível em suas "paisagens imaginantes".

Guignard - 'Paisagem Imaginante' (1955) - óleo s/ madeira - coleção particular - RJ
Foto: Simone Catto

As paisagens e festas, aliás, constituíam a temática que eu mais conhecia da obra do artista. Produzidas a partir dos anos 60, as "paisagens imaginantes" se caracterizam pela predominância de fundos verde azulados e acinzentados e elementos que flutuam no espaço. São cenas de festas juninas e paisagens mineiras que reúnem, num mesmo espaço, fogueiras, casebres, pessoas, igrejas e balões que flutuam livres da gravidade, a exemplo do que fazia Marc Chagall em suas festas ciganas, criando imagens oníricas e dotadas de uma aparente ingenuidade.

Guignard - 'Noite de São João' (1961) - óleo s/ madeira - Coleção Roberto Marinho
Foto: Simone Catto

No entanto, ao contrário das paisagens ditas naïve, que normalmente têm um caráter alegremente ingênuo em seu colorido, as paisagens de Guignard possuem uma certa melancolia que um olhar mais atento consegue captar nos fundos sombrios por trás das figuras coloridas em primeiro plano. Esse drama era real e presente, causado pelas vicissitudes que o artista sofreu desde a infância, incluindo a anomalia física denominada como lábio leporino, que o complexou durante toda a vida e atrapalhou sua vida amorosa. Sabe-se que, na tentativa de resolver o problema, ele fez cirurgias corretivas que não foram muito bem-sucedidas. Como se não bastassem os problemas de saúde e de família, Guignard também perdeu sua única irmã, que morreu tuberculosa ainda jovem. E as tragédias não param por aí: o artista foi abandonado pela esposa, a estudante de música alemã Anna Döring, poucos meses após seu casamento em Munique, em fevereiro de 1923.

Guignard - 'Paisagem Imaginante' (1960) - óleo s/ tela - coleção particular - SP - Foto: Simone Catto

O quadríptico 'Paisagem Imaginante' (1959) foi realizado sobre quatro painéis, formando uma espécie de biombo
óleo s/ madeira - coleção particular - Foto: Simone Catto

Um outro aspecto das paisagens de Guignard é a influência da pintura oriental, que ele provavelmente teve a oportunidade de conhecer em suas visitas a museus e palácios na Europa. A "chinoiserie", moda entre artistas europeus que tentavam imitar traços da arte chinesa, exerceu certo impacto em Guignard, com suas transparências e pinceladas diluídas, nas paisagens mineiras coalhadas de igrejas barrocas e fogueiras de São João. Os elementos que parecem flutuar num plano indistinto e meio fora de foco criam um efeito etéreo que os chineses chamam de "montanha d’água".

Guignard - 'Homenagem a Leonardo'  (1959) - Acervo Fundação Maria Luísa e Oscar Americano - SP - Foto: Simone Catto

A influência mais marcante, entretanto, vem de Minas Gerais, onde o artista lecionou e dirigiu o curso livre de desenho e pintura da Escola de Belas Artes, a convite do então governador Juscelino Kubitschek (1902-1976). Naquela ocasião, Guignard se encantou com cidades históricas como Ouro Preto, Sabará e Mariana, e suas igrejas coloniais podem ser vistas em várias paisagens do artista. Guignard mudou-se para Belo Horizonte em 1944 e permaneceu à frente da escola até 1962, quando, em sua homenagem, ela passou a se chamar Escola Guignard. Por lá passou muita gente graúda das artes: nada mais, nada menos que Amilcar de Castro (1920-2002), Farnese de Andrade (1926-1996) e Lygia Clark (1920-1988), entre outros grandes artistas. Os alunos gostavam dele e o consideravam um professor democrático e informal. Não foram poucos os amigos que mencionaram seu bom coração.

Guignard - 'Paisagem Imaginária de Minas' (1947) - óleo s/ madeira - Museu da Inconfidência - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Paisagem de Ouro Preto' (1946) - nanquim e aquarela s/ cartão - coleção particular - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Paisagem de Sabará' (1950) - óleo s/ madeira - Coleção MASP - Foto: Simone Catto

Apesar de ser querido pelos alunos e amigos, é notório que Guignard padecia de uma solidão profunda e, de certa forma, deslocava seu sofrimento para as paisagens que pintava. Suas festas de São João são tristes, de aspecto sombrio, o oposto de suas naturezas-mortas, que são pura alegria.

Guignard - 'Noite de São João' (1961) - óleo s/ tela - Museu de Arte da Pampulha
Foto: Simone Catto

Guignard - 'Natureza Morta com Vasos de Antúrios' (1952) - óleo s/ tela Coleção Roger Wright
Foto: Simone Catto

Na pintura 'Vaso com flores' (1932), um vaso vermelho está apoiado em uma mesa que flutua sobre uma cidade, tendo ao fundo o céu e as nuvens. Realidade e ficção se misturam e as plantas têm um aspecto surreal, de coloração vibrante, quase lisérgica.

Guignard - 'Vaso com Flores' (1932) - coleção particular - RJ - Foto: Simone Catto

Guignard - 'Vaso com Flores' (1957) - óleo s/ tela - coleção particular - Fortaleza
Foto: Simone Catto

As paisagens e festas constituíram apenas uma das vertentes abordadas na mostra do MAM, mas os retratos e autorretratos também tiveram presença expressiva, ainda mais se considerarmos que as obras desse gênero são as mais numerosas na carreira do artista.

sábado, 21 de novembro de 2015

Éclair-Moi Paris. Arte e sabor com um doce sotaque francês.

Na semana passada fui com uma amiga ao vernissage da exposição 'Das Viagens', de duas artistas francesas contemporâneas, Nathalie Leverger e Nadine Vergues. A mostra acontece na Éclair-Moi Paris, uma loja de doces especializada em éclairs, uma delícia da pâtisserie francesa que pode ser definida como uma versão mais leve e sofisticada de nossa bomba de chocolate, porém confeccionada com sabores diversificados.

O salão da Éclair-Moi Paris no dia do vernissage - Foto: Simone Catto

A vitrine é para lá de tentadora! - Foto: Simone Catto

Como o espaço da loja não é muito amplo, havia poucas obras expostas, mas achei a proposta interessante e de muito bom gosto. Nadine expôs esculturas alusivas a pássaros brasileiros, criadas com diferentes materiais, inclusive o feltro, que me lembraram um pouco a arte tribal africana. Segundo o site da galerista Juliana Yuri Matuoka, curadora da mostra, a artista aquece o feltro com ferro de solda e, quando ele está amolecido, esculpe a superfície. A galerista nos explicou que as esculturas poderiam ser tocadas e inclusive nos estimulou a sentir sua textura.

Uma dos "pássaros" de Nadine Vergues - Foto: Simone Catto

As pinturas de Nathalie têm um traço extremamente delicado e sutis gradações de cores. Algumas remetem a paisagens marítimas, com barcos à vela e pores-do-sol, o que provavelmente se explique pela paixão da artista pelo mar. Sabemos que Nathalie passou a infância em um barco, num ancoradouro, e que seus pais sempre foram grandes amantes das viagens. Essas pinturas marítimas apresentam grande lirismo e beleza em seu equilíbrio e, ao olharmos para elas, nosso olhar se perde no horizonte e nossa imaginação também é convidada a viajar.

Paisagem de Nathalie Leverger que remete ao mar - Foto: Simone Catto

Outra paisagem marítima de Nathalie Leverger - Foto: Simone Catto

Obra de Nathalie Leverger - Foto: Simone Catto

Enquanto conhecíamos o trabalho das artistas e saboreávamos nossos aperol spritz no coquetel, descobrimos que a casa também tem um cardápio com refeições. Como nem eu nem minha amiga havíamos jantado, resolvemos comer alguma coisa e pedimos quiches de champignons com salada verde. O prato estava leve e saboroso, ideal para aquela noite amena.

Nossa quiche de champignons com salada estava ótima! (R$ 26) - Obs.: o drink aperol spritz também consta do cardápio
da casa (R$ 25) - Foto: Simone Catto

No coquetel também foram servidos "mini éclairs", isto é, versões reduzidas do doce, o que foi ótimo para que pudéssemos experimentar sabores diferentes. Produzidos de forma artesanal e sem conservantes, os éclairs têm massa levíssima e realmente dão água na boca. Achei o recheio do Orange Mécanique ("Laranja Mecânica") mais saboroso que o de Champagne, mas acabei levando para viagem um éclair de Cassis e outro de Choco Whisky. Aliás, vale ressaltar que a casa utiliza apenas chocolate belga em suas receitas. Adorei minhas escolhas!

Uma de minhas felizes escolhas... ChocoWhisky! (R 16,50) - Foto: Simone Catto

Mais algumas delícias da vitrine. O éclair vermelho, à direita, é sabor... Aperol Spritz! Não experimentei ainda, mas
pretendo matar minha curiosidade em breve - Foto: Simone Catto

Minha amiga experimentou um mini éclair de Pistache e gostou. Naturalmente não consegui experimentar todos, senão sairia dali rolando!! (rs) - Foto: Simone Catto

Se você puder, experimente um dos éclairs da casa acompanhado de um café e confira as obras de Nadine e Nathalie. Mas corra, porque elas ficarão expostas somente até amanhã, 22/11!

A ÉCLAIR-MOI PARIS fica à rua Escobar Ortiz, 668 – Vila Nova Conceição. Tel.: (11) 2639-5899 - www.eclairmoi.com. Abre de segunda-feira a sábado das 8h às 22h e aos domingos, das 10h às 19h. 

Para saber mais sobre o trabalho das artistas, acesse www.eyesgaleriadearte.com.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Prazer revisitado: Amilton Godoy interpreta Rhapsody in Blue, de George Gershwin.

Na noite de sexta-feira, dia 30, tive a alegria de assistir, pela segunda vez em minha vida, ao grande pianista Amilton Godoy, um dos fundadores do Zimbo Trio, solar a Rhapsody in Blue, de George Gershwin. Na primeira vez, eu ainda fazia faculdade de música e a experiência me marcou para sempre. E neste meu reencontro com o pianista, o acompanhamento foi da OCAM – Orquestra de Câmara da ECA - USP, em um concerto realizado no Auditório Ibirapuera.

Na hora do bis, ele ainda nos brindou com um belíssimo pot-pourri de Gershwin, tocado com uma leveza, uma ginga e um brilho impressionantes.   

Como era proibido gravar o espetáculo e não encontrei nenhum registro na Internet, compartilho com vocês outro solo de Amilton Godoy da Rhapsody in Blue, com a Orquestra Sinfônica Municipal e regência de Marcelo Ghelfi. Fiquei superfeliz em encontrar esta versão na Web, e por vários motivos.

Primeiro: Amilton + Rhapsody atiçam minha memória afetiva.
Segundo: a Rhapsody in Blue é linda e foi meu concerto de formatura.
Terceiro: o querido maestro Marcelo Ghelfi é amigo desde os tempos de conservatório e universidade.
Quarto: a necessidade de ganhar o pão de cada dia fez com que eu trocasse de teclado, mas a paixão continua, bem como meu apoio aos bons pianistas, maestros e músicos.

Aproveite!



terça-feira, 3 de novembro de 2015

39ª Mostra Internacional de Cinema exibe 'Meu Único Amor' e acerta no coração.

A cada ano que passa, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo fica melhor. A 39ª edição, que começou no dia 22 de outubro e vai até amanhã, 4 de novembro, está exibindo mais de 300 títulos de 62 países em 22 endereços, entre cinemas, espaços culturais e museus da cidade de São Paulo. São tantos filmes e endereços que os cinéfilos mais assíduos devem ficar até angustiados. Para quem ainda dispõe de um tempo para assistir às últimas sessões, é uma ótima oportunidade para saber o que o mundo anda criando nas telonas.

Um dos destaques deste ano é a série de projeções ao ar livre de filmes clássicos e restaurados com apoio da 'The Film Foundation' e entrada franca. Na noite de sábado, dia 31/10, tive o privilégio de assistir a uma deliciosa comédia romântica projetada na gigantesca parede externa dos fundos do Auditório Ibirapuera: 'Meu Único Amor'. Lançado em 1927, o filme tem como protagonistas a graciosa musa do cinema mudo e também produtora Mary Pickford (1892-1979) e o doce galã Charles "Buddy" Rogers (1904-1999), que também foi um bem-sucedido músico de jazz. A projeção foi valorizada pelo acompanhamento musical ao vivo da Orquestra Sinfônica Heliópolis, sob regência do maestro David Michael Frank, que também compôs a trilha sonora especialmente para o filme, em 1999, a pedido da Fundação Mary Pickford.

Charles "Buddy" Rogers e Mary Pickford, a dupla romântica fofa do filme.

Na película, baseada em uma história da escritora americana Kathleen Norris, Mary Pickford interpreta Maggie, uma jovem que se divide entre o trabalho de estoquista em uma loja de departamentos e os cuidados com a família meio amalucada. Quando conhece Joe (Charles "Buddy" Rodgers), novo funcionário de seu departamento, se apaixona sem saber que ele é, na verdade, filho do milionário dono do estabelecimento. O rapaz foi desafiado pelo pai a trabalhar na loja e conseguir uma promoção por mérito, sem fazer uso do sobrenome, para que depois pudesse anunciar seu noivado com a socialite Millicent.

O mocinho galante e a graciosa "Maggie" de Mary Pickford.

Essa cena  é antológica. No horário do almoço da loja onde trabalham, o mocinho rico divide um lanche com a mocinha que
 pensa que ele é pobre, espremido dentro de um caixote.

A maior graça do filme é o seu humor ingênuo e, ao mesmo tempo, sutil e encantador. A história de amor é como aquelas que praticamente não existem mais hoje em dia, por retratar sentimentos absolutamente puros e verdadeiros. Mary Pickford, uma bonequinha com grandes olhos e uma boca minúscula em formato de coração, é um poço de expressividade. O galã é um verdadeiro lord, bonito, pueril e de bom coração. Enfim, trata-se de um daqueles filmes que transmitem um tremendo bem-estar. Para completar, o espaço externo do Auditório Ibirapuera lotou de famílias, casais e grupos de amigos que foram curtir aquele programa inusitado e interessante para uma noite de sábado. Muitos levaram um lanchinho e, quando eu estava chegando, vi até um casal com duas crianças carregando uma pizza (rs)! Ao final da exibição, topei com umas moças saboreando Prosecco – por pouco não me juntei a elas!! (rs). Nem pipoca faltou – comprei uma pipoca doce fresquinha de uma moça que vendia saquinhos de pipoca num tabuleiro. Havia algumas cadeiras disponíveis para o pessoal da terceira idade e o espaço foi civilizadamente respeitado. Pareceu-me que o nível do público que assistia era muito bom, e imagino que devia ser composto por cinéfilos, estudantes de cinema, gente com um bom nível cultural. Tudo de bom!


A película foi um dos maiores sucessos da carreira de Mary Pickford e sua despedida do cinema mudo, além de ter sido, também, a primeira parceria dela com o diretor Sam Taylor, com quem faria a maior parte de seus filmes falados dali para a frente. Curiosidade: a atriz com boca de coração foi casada com o galã Charles "Buddy" Rogers, 12 anos mais novo, de 1937 até sua morte, em 1979. Rogers foi seu terceiro marido.

A restauração do filme foi feita pelo Arquivo de Cinema e Televisão da UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), com financiamento de Fundação Mary Pickford, Instituto de Humanidades Packard e The Film Foundation.

A curadoria e a organização da 39ª Mostra Internacional de Cinema estão de parabéns por uma iniciativa tão democrática e de alto nível. Apaixonei!
  
Ficha técnica parcial

Direção: Sam Taylor
Roteiro: Hope Loring, Allen McNeil, Tim Whelan, Clarence Henneckef
Fotografia: Charles Rosher
Música: David Michael Frank
Elenco: Mary Pickford, Charles "Buddy" Rogers e outros
Produção: Mary Pickford Corp. / United Artists

domingo, 1 de novembro de 2015

'Homem Irracional', de Woody Allen: moralidade questionada com ironia e humor negro.

Vira e mexe algum crítico fala mal de Woody Allen. Dizem que ele já não é mais o mesmo, que seus filmes já foram melhores etc. etc. O fato, porém, é que mesmo o menor filme de Woody Allen consegue ser bom e, não raro, infinitamente melhor do que a maioria dos filmes que estão em cartaz no circuitão comercial. 'Homem Irracional', por exemplo, é um filme que considerei bom. Aquilo que alguns denominam como "clichês" de Woody Allen eu chamaria de “estilo”.

O protagonista é um típico personagem dos filmes do diretor: Abe Lucas, um professor de filosofia bonitão em crise existencial que chega para lecionar na universidade onde estuda a jovem Jill, interpretada por Emma Thompson - a atriz parece ser a nova musa de Woody Allen, tendo trabalhado também em 'Magia ao Luar', produção de 2014. 

A chegada do professor foi precedida de uma série de boatos na universidade sobre sua pretensa inteligência e genialidade, mas ele não parece se importar muito com isso: tem andado deprimido e não encontra muito sentido para sua vida. Aos poucos Abe torna-se amigo de Jill, que fica fascinada com sua inteligência e carisma. Também pudera: o homem é um admirador dos autores russos, conhece toda a obra de Dostoiévski, já fez de tudo nessa vida e ainda contribuiu com causas nobres - teria trabalhado na reconstrução de Nova Orleans após a passagem do furacão Katrina e ainda atuado como voluntário no Oriente Médio. Como se não bastasse, ele foi traído pela esposa com o melhor amigo e ainda teria perdido outro amigo com a explosão de uma mina no Oriente Médio, o que supostamente teria despertado os instintos de "proteção" da jovem.

Abe Lucas (Joaquin Phoenix) e Jill (Emma Stone): a aluna fica cada vez mais encantada com o carisma do professor.

Embora Jill esteja noiva de outro estudante, Roy, sente-se cada vez mais atraída pelo professor, que a princípio a considera apenas uma amiga e não quer saber de caso com a aluna. Abe Lucas afoga as mágoas no álcool e sente-se bloqueado sexualmente, apesar dos avanços insistentes de Rita, a fogosa professora de química casada que o quer a qualquer custo.

A professora de química, Rita (Parker Posey), não deixa o homem em paz...

Entre uma citação e outra de grandes filósofos, Abe tenta encontrar um sentido para sua vida, até que vai parar, com Jill, em um daqueles restaurantes americanos com jeito de lanchonete e, sem querer, ouve a conversa da mesa de trás. Nela está uma mulher que se queixa, aos amigos, que perderá a guarda dos filhos para o ex-marido ausente e inescrupuloso porque ele é amigo do juiz responsável pelo caso, um tipo corrupto. Abe Lucas tem então um estalo: resolve ajudar aquela mulher matando o juiz. Segundo sua lógica, o mundo se tornaria um lugar melhor sem ele e matar o juiz corrupto passa, então, a se tornar o novo objetivo que tanto procurava para recobrar o sentido da vida. O professor lança-se à caça de seu alvo sem que Jill a princípio desconfie e vai às últimas consequências para tentar se safar ao ser descoberto.

Onde tudo começa: o casal ouve a conversa da mesa de trás e Abe toma a decisão de matar o juiz.

Abe começa a rastrear todos os passos de seu alvo.
  
Gostei muito do filme. 'Homem Irracional' tem um humor negro elegante valorizado por diálogos irônicos e inteligentes, bem ao estilo de Woody Allen, e suscita algumas reflexões sobre o que é realmente moral e imoral nessa vida. Se você ainda não assistiu, vale a pena!

Ficha técnica parcial

Direção: Woody Allen

Elenco: Joaquin Phoenix (Abe Lucas), Emma Stone (Jill), Jamie Blackley (Roy, noivo de Jill), Parker Posey (Rita), Tom Kemp (juiz Spangler).

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

'Respire'. Um filme muito bom, mas tóxico.

Um filme bom, denso, daqueles que dão raiva quando vemos que a protagonista não reage da forma como reagiríamos ao constatar que uma pessoa aparentemente amiga não vale a sola dos sapatos que calça. Não deve ser à toa que o título dessa produção de 2014, inclusive no original francês, seja o imperativo 'Respire', pois há momentos em que realmente perdemos a respiração de tanta raiva da passividade da protagonista.

Seu nome é Charlie (Joséphine Japy), uma estudante de 17 anos que mora num subúrbio e é filha única de um casal desestruturado. A mãe, que parece ser o tipo de mulher que engole não só sapos, mas um pântano inteiro para não ficar sozinha, aceita submissa o desrespeito do marido cafajeste, pai de Charlie.

Joséphine Japy no papel de Charlie.

A menina leva uma vida meio sem graça, até que na escola onde estuda ingressa uma nova colega de sua idade, Sarah (Lou de Laâge), garota rebelde e bonita que parece ter uma história de vida interessante e uma personalidade magnética.

Charlie e Sarah (Lou de Laâge) tornam-se amigas íntimas.

A princípio, as meninas se divertem muito juntas.

Charlie se encanta pela nova amiga e as duas logo se tornam bem próximas, mas, aos poucos, o comportamento de Sarah começa a mostrar que algo em seu caráter está fora de lugar. Charlie a princípio não compreende certas atitudes displicentes da amiga e, embora se chateie, tenta desculpar as desfeitas da outra em nome de um sentimento que, em determinado ponto, parece ir muito além de uma simples amizade entre duas adolescentes. Porém, a tensão entre as expectativas de Charlie e o comportamento de Sarah, que rapidamente se revela abertamente maldoso e hostil, vai aumentando, até ficar claro, para a primeira, que Sarah estava longe de ser a pessoa que ela a princípio idealizara e cuja verdadeira personalidade conhecerá a duras penas.

As meninas, a mãe e a tia de Charlie viajam juntas em um feriado e o comportamento
de Sarah começa a revelar que ela está longe de ser digna do afeto da amiga.

Em determinado momento, é inevitável nos perguntarmos por que a jovem se deixa humilhar pela outra, assim como também é inevitável imaginar que essa postura nada mais seja do que um reflexo daquela de sua mãe, uma mulher completamente desprovida de autoestima que perdoa as cafajestagens do marido.

À medida que as maldades e o desequilíbrio de Sarah se escancaram e Charlie, inexplicavelmente, não apresenta qualquer capacidade de reagir, a raiva que sentimos por sua ausência de amor-próprio vai aumentando até culminar em um desfecho inevitavelmente trágico.

Embora esteja fora do circuito dito comercial, 'Respire' é um filme muito bom que certamente deve agradar aos fãs de um cinema maduro e reflexivo que foge às soluções rasteiras que infestam boa parte das atuais produções cinematográficas - notadamente as norte-americanas.

Atualmente, RESPIRE está em cartaz somente no Caixa Belas Artes. Se você puder assistir, vale a pena. Mas respire bem fundo antes!

Ficha Técnica Parcial

Direção: Mélanie Laurent

Elenco: Joséphine Japy (Charlie), Lou de Laâge (Sarah), Isabelle Carré (mãe de Charlie), Radivoje Bukvic (pai de Charlie), Roxane Duran (Victoire, amiga de Charlie) e outros.