quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Subindo a colina: minha aventura medieval em Vaison-la-Romaine.

No post anterior, contei um pouco de minha experiência nos sítios arqueológicos da comuna de Vaison-la-Romaine, no sul da França. Desta vez, vamos saltar alguns séculos à frente e aterrissar na Baixa Idade Média, que começa mais ou menos no século XI e, em algum ponto da história, ancorou também nesse village de atuais seis mil habitantes.

Paisagem ao caminho de Vaison-la-Romaine - Foto: Simone Catto

Quem leu a matéria anterior sabe que Vaison é cortada pelo rio Ouvèze, que a separa em duas partes: à margem direita estão os sítios arqueológicos galo-romanos e, na esquerda, sobre uma rocha, está a Cidade Alta medieval, cujas origens remontam mais ou menos ao século XI.

Rua medieval da Cidade Alta de Vaison-la-Romaine
Foto: Simone Catto

Falar em herança medieval no sul da França é chover no molhado. O patrimônio cultural da Idade Média é abundante e bem preservado na região, de forma que toda cidadezinha, ou village da Provence, tem pelo menos um conjunto de construções, uma igreja ou monumento medieval para chamar de seu.

Place du Vieux-Marché, uma das mais charmosas praças de Vaison - Foto: Simone Catto

A parte medieval da comuna é repleta de charmosas casas de pedra como as das fotos a seguir. Algumas são particularmente fofas e refletem todo o cuidado de seus moradores, exibindo belas plantas nas fachadas e escadinhas de acesso. 

Foto: Simone Catto

Adorei essa escadinha! - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

Na Idade Média, os moradores costumavam se fixar no topo das colinas, aos pés dos castelos de seus senhores, para se protegerem de saques e invasões. É por isso que tantas cidades medievais do sul da França, como Ménerbes, Gordes e Oppède-le-Vieux, entre outras, se expandiram a partir do alto.

Vaison-la-Romaine - Foto: Laurent Pamato

Nem sempre, porém, a população de Vaison esteve fixada no topo da colina: anteriormente, as pessoas habitavam o vale em torno da Catedral Notre-Dame de Nazareth. Na segunda metade do século XII, no entanto, a vila foi pilhada por ordem do Conde de Toulouse, que se desentendeu com o bispo local em relação à distribuição de suas respectivas terras. Por essa razão, a população abandonou progressivamente a parte baixa para se proteger na Cidade Alta, perto do castelo do conde.

Foto: Simone Catto

Atualmente em ruínas, o castelo do conde de Toulouse domina o panorama da vila. Inicialmente, ele consistia em uma torre de madeira construída em 1185 d.C. para afirmar o poderio de Raymond VI, o tal nobre denominado "conde de Toulouse", que era o senhor local e provavelmente o manda-chuva do lugar. Durante o século XIII, o castelo foi transformado em uma construção fortificada e, de 1274 a 1791 d.C., tornou-se propriedade da igreja. O acesso a ele se dá por uma ladeira íngreme e um piso calcário, o que exige roupas confortáveis e tênis antiderrapantes, mas eu já estava preparada.

As ruínas do castelo - Foto: Simone Catto

Sabe-se que Vaison-la-Romaine alcançou importância suficiente, ao final da Idade Média, para justificar a construção de uma sede episcopal em seu território no início do século XIV. A catedral Notre-Dame-de-Nazareth, mais antiga, começou a ser construída no século XI sobre o traçado de uma basílica do início da era cristã, mais especificamente do século VI, cujos vestígios ainda são visíveis no coro.

Catedral Notre-Dame-de-Nazareth - Foto: Wikipedia

O campanário da catedral e pedaço do claustro
Foto: Simone Catto

O jardim do claustro da catedral de Notre-Dame-de-Nazareh está precisando de um jardineiro - Foto: Simone Catto

Vista externa do campanário da catedral - Foto: Simone Catto

Abaixo está o coro da igreja onde ainda existem elementos remanescentes dos primórdios do local sagrado, no século VI.

Coro da catedral de Notre-Dame-de-Nazareth - Foto: TripAdvisor

Quando se trata de construções tão antigas, naturalmente vários elementos arquitetônicos são modificados ou acrescentados ao longo da história, normalmente num crescendo de complexidade. Aqui, portanto, não foi diferente. O telhado maciço da catedral românica deu lugar a abóbodas nas naves por volta de 1150-1160, trabalho que gerou um adensamento dos muros e pilares e deixou cegas as janelas superiores. A construção atual é composta de uma nave central e duas alas laterais. É fascinante acompanhar essas alterações e a evolução arquitetônica no decorrer da história.

Catedral Notre-Dame-de-Nazareth - Foto: TripAdvisor

Itens arqueológicos da antiga catedral - Foto: Simone Catto

Vista externa dos fundos da catedral - Foto: Simone Catto

Confesso que não consegui visitar tudo o que gostaria em Vaison-la-Romaine, de forma que a vila entrou para minha lista de locais "retornáveis". Só espero que, quando isso acontecer, toda essa herança cultural ainda esteja de pé!

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Vaison-la-Romaine e o prazer de escavar emoções em um sítio arqueológico.

A comuna de Vaison-la-Romaine já constava em meu roteiro de viagem para a Provence por várias razões. Uma delas, no entanto, já bastaria para justificar minha ida até lá: o lugar abriga o maior sítio arqueológico galo-romano da França. Eu mal podia esperar para caminhar entre as ruínas e ficar imaginando como deviam ser as casas que ali existiam na época em que Jesus Cristo ainda estava entre nós tentando impedir que a humanidade fizesse tanta lambança.   

O que eu não podia imaginar é que o sítio arqueológico fosse tão grande. Na realidade, não se trata de um, mas dois sítios que formam um complexo: Puymin e La Villasse, que ocupam algo como 15 hectares – o que, pelo padrão de medida francês, corresponde a 150.000 m². Como se não bastasse, a cidade de Vaison-la-Romaine tem uma respeitável herança medieval que também me surpreendeu com sua beleza arquitetônica e seus cantinhos pitorescos. Uma riqueza histórica e cultural impressionante para um village de parcos seis mil habitantes.

O fato é que tirei tantas fotos e há tantas informações interessantes, que um só post seria insuficiente para dar conta do recado. Por isso, resolvi dividir minha publicação sobre Vaison em duas partes. Nesta primeira, vou mostrar os sítios arqueológicos galo-romanos de Puymin e La Villasse com suas ruínas do século I a.C. ao século II d.C., época em que a comuna era denominada Vasio. E na próxima parte, vamos percorrer um pouco as ruas medievais da Cidade Alta.  

Os dois sítios arqueológicos estão separados da Cidade Alta pelo rio Ouvèze, que corta Vaison e já foi responsável por inundações catastróficas, a última ocorrida após uma chuva torrencial em setembro de 1992 que deixou 38 mortos e quatro desaparecidos. Felizmente, o rio estava comportado quando de minha visita. O curioso é que, apesar das inundações, a ponte romana que liga suas duas margens, construída no final do século I de nossa era, resistiu impávida e soberba. Prova de que os engenheiros de dois mil anos atrás podiam "dar um banho" - com o perdão do trocadilho! - de técnica e expertise em tantos profissionais de hoje. Composta de um único arco com 17 metros de comprimento e nove de largura, a ponte é bem graciosa e considerada a maior do período galo-romano.

Ponte romana de Vaison-la-Romaine - Foto: Internet

Ambos os sítios arqueológicos revelam vestígios de moradias, lojas de artesanato, ruas de comércio e termas públicos para banhos. Primeiramente visitei Puymin, que abrigou luxuosas residências. Uma delas, de fins do século I e início do século II, é chamada de "Casa do Apolo Laureado", porque no local foi encontrada uma cabeça do deus Apolo com sua coroa de louros. Com um traçado bastante elaborado, a casa tinha salões termais, sala de almoço, cozinha, banheiros privativos, átrios e vários outros ambientes, além de latrinas nos fundos.

Sítio arqueológico de Puymin - foto: Simone Catto

As próximas duas imagens são da "Casa do Apolo Laureado", onde os arqueólogos encontraram a cabeça do deus esculpida.

Vista da "Casa do Apolo Laureado", Puymin - foto: Simone Catto

Ruínas da "Casa do Apolo Laureado", Puymin - Foto: Simone Catto

Abaixo está a cabeça de Apolo que foi encontrada e uma ilustração representando a arquitetura da casa no século I.

A luxuosa residência e a bela cabeça do deus - Foto: Simone Catto

A decoração da residência devia ser sofisticada, já que há restos de pisos em mosaico, estátuas, afrescos e trabalhos de marchetaria em mármore.

Fiquei impressionada com o estado de conservação desse piso! - Foto: Simone Catto

Vestígio de afresco - Foto: Simone Catto

A próxima foto é de outra casa de Puymin chamada de "Maison à la Tonelle" (Casa do Caramanchão), e acredito que esse nome lhe tenha sido atribuído por causa de seus pilares, dos quais hoje restam somente as bases e que provavelmente deviam sustentar alguma estrutura que lembra um caramanchão. Dá para visualizar as ruínas dos pilares no fundo da foto abaixo.

A escadinha em primeiro plano resistiu! - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

No limite externo do terreno estão vários sarcófagos de pedra emparelhados lado a lado, de um período um pouco mais recente: séculos III d.C. e IV d.C. Ocorre que, com a expansão do Cristianismo, a partir de 314 d.C., a prática funerária da incineração foi substituída pelo sepultamento e era tradição local sepultar os mortos na parte externa da cidade.

Os sarcófagos de pedra dos primórdios do Cristianismo - Foto: Simone Catto

Outros achados arqueológicos, talvez à espera de catalogação - Foto: Simone Catto

Mais ao fundo, em um extremo do enorme terreno, está o anfiteatro restaurado onde seis mil espectadores podiam assistir a peças de teatro, comédias e pantominas. No entorno da estrutura, pilares da época galo-romana resistem ao tempo. O teatro segue ativo, exibindo espetáculos como concertos e balés.

Anfiteatro romano de Puymin - Foto: Simone Catto

Fragmento da parte externa do anfiteatro - Foto: Simone Catto

Não dá para visitar Puymin sem pelo menos dar uma passada no Museu Arqueológico Théo Desplans, dentro do próprio sítio arqueológico. O museu tem uma rica coleção de estátuas em mármore, mosaicos, esculturas, altares dedicados a divindades e vários objetos da vida cotidiana galo-romana. Duas grandes estátuas, belas e majestosas, chamaram minha atenção antes mesmo que eu soubesse que eram extremamente raras: o imperador Adriano e sua esposa Sabine. Segundo os arqueólogos, essas estátuas imperiais de mármore são achados bem incomuns. As estátuas de Adriano e Sabine foram descobertas na altura do palco do anfiteatro e é provável que estivessem em nichos no alto, o que explica suas dimensões: Sabine tem 2,06 m e Adriano 2,16 metros.

Imperador Adriano - Foto: Simone Catto

Imperatriz Sabine - Foto: Simone Catto

Adriano, do qual já ouvimos falar nos livros de história, nasceu em 76 d.C. na colônia de Italica, perto da atual Andaluzia, na Espanha, e foi imperador romano de 117 d.C. a 138 d.C. Consta que era um homem culto que sabia filosofia, falava bem o grego e o latim e fez uma boa administração. Sua escultura tem características helenísticas, como a nudez e a barba à maneira dos filósofos gregos. A coroa de louros com medalhões e o manto em seu ombro esquerdo são símbolos da dignidade imperial. Tanto sua estátua quanto a da imperatriz foram criadas em 128 d.C., ano em que Adriano provavelmente aceitou o título de Pater Patriae (Pai da Pátria) e em que são celebrados os dez primeiros anos de seu império. Foi em 128 d.C., também, que a imperatriz Sabine recebeu o título de "augusta".

Sabine (morta em 137 d.C.) veste a Tunica Muliebris (vestido de tecido fino que vai até os pés) com meias-mangas abotoadas. O penteado revela que a imperatriz devia ser bem estilosa: criado com apliques e cabelo natural trançados no alto da cabeça formando um turbante, além de duas tiaras de cabelo acima da testa, esse penteado estava na moda no século II a.C. Na foto abaixo dá para reparar melhor na manga do modelito e no penteado chique.

Foto: Simone Catto

Após Puymin, chegou a vez de visitar o sítio de La Villasse, ali ao lado. Para chegar até ele, passei por praças, jardins fechados e ruas charmosíssimas. Uma das praças tinha balanços e vi crianças brincando. Algumas casas, inclusive, estão bem de frente para o sítio arqueológico. São floridas, bem cuidadas, com fachadas encantadoras. E novamente, me peguei imaginando que tipo de vida devem levar as pessoas que nelas residem.

Rua charmosa com o sítio arqueológico de La Villasse ao fundo - Foto: Simone Catto

O lugar é encantador! - Foto: Simone Catto

Assim como em Puymin, os achados arqueológicos de La Villasse também atestam que lá havia residências, termas, átrios com jardins e uma rua com lojas, mostrando que aqueles romanos deviam ser bem animados.

Vista do sítio arqueológico de La Villasse - Foto: Simone Catto

O arco abaixo está impressionantemente bem conservado.

La Villasse - Foto: Simone Catto

Na foto abaixo, atrás do cipreste da direita, dá para notar uma escultura na frente de uma parede. E na foto seguinte, vemos um detalhe da própria, que aliás está incrivelmente bem conservada.

La Villasse, com uma bacia em primeiro plano - Foto: Simone Catto

La Villasse - Foto: P. Abel

Ao fundo do terreno, como se contemplasse esses tesouros arqueológicos, eis que se destaca uma bela casa bem mais moderna. Trata-se da residência do século XVIII da família dos marqueses de La Villasse, que tem sua fachada voltada para o sítio arqueológico e dá nome ao lugar, mostrando quem é que mandava no pedaço. O marquês de La Villasse foi prefeito de Vaison e era um homem ambicioso e autoritário que queria dominar as comunas vizinhas, acabando por ser assassinado em 1791, em sua própria mansão. A casa trocou de mãos por diversas vezes e consta que foi habitada até 1965, tendo-se tornado propriedade do Estado, que a utiliza como depósito de achados arqueológicos. Como não poderia deixar de ser, minha imaginação voou alto quando pensei na rotina dos moradores que, até 1965, podiam desfrutar de um quintal com dois mil anos de idade.

A casa dos marqueses de La Villasse e seu belo quintal em ruínas - Foto: Simone Catto

Um dos aspectos mais fascinantes desses sítios arqueológicos é que os trabalhos são contínuos, as escavações não cessam nunca. Isso significa que muitas outras riquezas podem ser encontradas! Vamos aguardar. 

Se você quiser conhecer minha experiência na parte medieval de Vaison-la-Romaine, clique aqui e bom passeio!

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Lourmarin, o refúgio ressuscitado.

Dificilmente pisaremos em alguma cidade do sul da França que não tenha sido habitada por homens pré-históricos. Pouco restou daquele período, mas vestígios de épocas posteriores são mais abundantes, principalmente da Idade Média. Ao ter a oportunidade de dirigir recentemente pelas estradas da Provence, descobri lugarejos que guardam registros impressionantes daqueles tempos. Lourmarin está entre eles.

Chegando à cidade... - Foto: Simone Catto

Vista de Lourmarin - Foto: Simone Catto

Com pouco mais de mil de habitantes, o village de Lourmarin está situado aos pés da montanha do Lubéron, em meio aos vinhedos e oliveiras tão abundantes naquela região da França. Sabemos que o lugar é muito antigo porque escavações realizadas ali entre 1976 e 1982 revelaram um mobiliário do período neolítico e uma necrópole do final da Idade do Bronze, o que ficou comprovado pelo estudo dos ossos humanos e peças de cerâmica e bronze achados no local. Na ocasião, os arqueólogos encontraram catorze pulseiras de bronze.

Não tive a oportunidade de checar essas relíquias arqueológicas, mas, logo ao chegar à cidade, topei com a principal atração turística do lugar: o castelo de origens medievais que está de pé hoje graças à sensibilidade de um mecenas. Vale a pena contar sua história porque, nesse mundo onde o sentido do sagrado é tão volátil quanto as emoções humanas, é preciso valorizar quem reconhece a importância das permanências que valem a pena.

O castelo ao longe - Foto: Simone Catto

Mas antes vamos voltar um pouco no tempo. A parte mais antiga do castelo foi construída no século XV sobre ruínas do século XII. Até a Revolução Francesa, ele foi ocupado por diferentes proprietários. Porém, após a Revolução, os novos compradores estavam apenas interessados em cultivar as terras e negligenciaram a construção. Como consequência, no final do século XIX, o castelo estava quase em ruínas. A ala do período renascentista, que havia sido transformada em celeiro, servia, ao mesmo tempo, de abrigo para vagabundos e ciganos de passagem. Em 1920, o castelo iria a leilão para virar uma pedreira quando foi descoberto por nosso mecenas, um industrial de Lyon chamado Robert Laurent-Vibert, herdeiro da Hahn Petroleum Company. Estudioso, erudito e membro da Escola Francesa de Roma, Laurent-Vibert foi seduzido pela atmosfera ancestral do castelo e se comprometeu a restaurá-lo, o que fez de 1921 a 1923 com base em documentos antigos fornecidos por seu amigo Edouard Aude, curador da biblioteca Méjanes de Aix-en-Provence. Detalhe interessante: todos os artesãos empregados na restauração eram de Lourmarin. Isso mostra duas coisas. Primeira: que os poucos habitantes locais tinham um mínimo de capacitação. Segunda: que os gestores do vilarejo sabiam valorizar sua mão de obra.

Robert Laurent-Vibert faleceu em 1925 em um acidente de automóvel, mas, em 1923, havia deixado um testamento legando o castelo à Académie des Sciences, Agriculture, Arts et Belles Lettres d'Aix-en-Provence, que tinha como responsabilidade instituir uma fundação com seu nome. Assim foi criada a Fundação Lourmarin Robert Laurent-Vibert, reconhecida como de utilidade pública desde 1927 e administrada por um conselho composto inicialmente por amigos do industrial.

Até hoje a fundação tem objetivos exclusivamente culturais e, ao que parece, eles têm sido plenamente atendidos: no verão o castelo recebe jovens artistas em residência e promove concertos, conferências e exposições durante todo o ano, além de concursos culturais.

Fonte no pátio à entrada do castelo - Foto: Simone Catto

A primeira coisa que notei ao entrar no castelo é uma interessante escada em espiral que unifica seus três andares. Curiosidade: na época medieval, as escadas dos castelos eram usualmente construídas no sentido horário, para que os invasores que as subissem segurando as espadas com a mão direita encontrassem no pilar central um obstáculo a seus movimentos. E os defensores do castelo, ao contrário, desciam as escadas com o caminho livre do lado direito para empurrar os invasores com o próprio corpo. Essa é a lógica da escada do castelo de Lourmarin, embora a foto esteja ao contrário.

A escada torcida do castelo - Foto: site do Castelo de Lourmarin

Apenas a ala mobiliada renascentista, do século XVI, está aberta ao público. Os ambientes são enormes, mas não me pareceram lá muito aconchegantes. Assim que entrei no quarto abaixo, imaginei como devia ser frio no inverno. Brrrrr... Na realidade, a opulência decorativa começaria mais tarde, no período barroco. Versalhes está aí para provar.

Foto: Simone Catto

Sala de música - Foto: site do Castelo de Lourmarin

Na parte externa, esculpidas entre as ameias, há algumas gárgulas em formato de cães selvagens, caçadores de lobos. Orifícios na cabeça das esculturas permitiam o escoamento da água da chuva e, mais do que isso, na Idade Média, acreditava-se que essas carrancas afugentavam maus espíritos.

Os protetores do castelo - foto: site do Castelo de Lourmarin

Confesso, no entanto, que o que mais gostei de minha visita a Lourmarin foi explorar ruas do vilarejo. Em determinado momento, deparei com a agradável paisagem abaixo e vim a descobrir que se trata da igreja de Saint-André e Saint-Trophime, que foi construída no século XI, antes mesmo da construção da muralha da cidade, e mescla elementos românicos e góticos. A fonte antes da entrada confere um encanto especial ao cenário.

Igreja Saint-André e Saint-Trophime - Foto: Véronique Pagnier

A julgar pelo interior preservado da igreja, é evidente que ela foi restaurada por obra de algum benfeitor ou do próprio governo local. O retábulo que orna o magnífico altar-mor dourado, criado em fins do século XVII e início do século XVIII, é dedicado a Santo André.

Foto: Selma

A comuna também tem um velho campanário construído no século XVII sobre vestígios do antigo castelo feudal que ganhou um apelido curioso dos moradores: "caixa de sal" (boîte à sel), porque seu formato se assemelha ao dos antigos recipientes para sal que eram pendurados nas paredes das cozinhas. Minha mãe, aliás, teve um. Era vermelho com a tampa branca. Veja e compare... 

O campanário... Foto: Internet 

E abaixo, a caixa de sal que tantas francesas devem ter utilizado ao fazer suas ratatouilles. Realmente lembra o campanário! (rs).  

Foto: Internet

Mas sal não foi o único tempero que encontrei pelo caminho. Também vi graciosas residências com pitadas generosas de capricho e delicadeza.

Fofurices de Lourmarin - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto
E por falar em residências fofas, parece que há muita gente disposta a comprar imóveis em Lourmarin, mas nem todo mundo está a fim de vender, como deixa bem claro o aviso à entrada de um imóvel: "Informamos que este local não está para alugar e nem à venda. Obrigado". Como eu não estava ali para comprar casa, o tal aviso só conseguiu me divertir com o senso prático e a peremptoriedade dos franceses quando se trata de desestimular qualquer um que cogite perturbar sua paz.

Porém, há algo que os habitantes de Lourmarin vendem com prazer: arte. Não foram raros os ateliês de artistas e galerias que encontrei pelo caminho, o que me levou a deduzir que não faltam artistas por ali.  Sempre que topava com uma galeria ou ateliê, logo imaginava que, se estava aberto e funcionando, é porque devia haver compradores. Mas até agora me pergunto se aqueles artistas conseguem sobreviver apenas de sua arte ou se têm outros meios de subsistência... ainda não obtive essa resposta, mas já sei a quem perguntar. Difícil, mesmo, é sobreviver em Sampa após visitar lugares como esse. Mas em breve tem mais.

Foto: Simone Catto

Arte de qualidade! - Foto: Simone Catto