terça-feira, 30 de abril de 2013

Renato Brolezzi revela os segredos de 'O Banho de Diana', de François Clouet.

Já viraram tradição, no MASP – Museu de Arte de São Paulo, as aulas concorridíssimas que o prof. Renato Brolezzi ministra um sábado por mês sobre uma obra do acervo. Em abril foi a vez da tela 'O Banho de Diana' (1559-60), do francês François Clouet (1510-72). Para "variar", o Grande Auditório ficou superlotado e quem não chegou cedo não pegou lugar.


E mais uma vez o Grande Auditório do Masp ficou lotado! - Foto: Simone Catto

François Clouet - 'O Banho de Diana' (1559-60) - óleo s/ madeira - Foto: www.masp.art.br

Dentre os tantos mestres franceses que conhecemos, é fato que não ouvimos falar muito de François Clouet. No entanto, Brolezzi explicou que o pintor pode ser considerado, possivelmente, o maior da França no século XVI. Seu pai, Jean Clouet, foi o pintor oficial do rei François I, da dinastia dos Valois, que governou o país entre 1515 e 1547 e convidou vários artistas italianos para trabalhar a Paris. Vale lembrar que a fama do Renascimento italiano havia ultrapassado fronteiras e os serviços de seus artistas eram disputados a tapa pelos nobres de outros países europeus. Sim, possuir obras italianas dava status! 

Seguindo a tradição do pai, François Clouet também se tornou o pintor oficial da corte de Henri II, filho de François I que governou o país entre 1547-59.

François Clouet - 'Henri II'
À primeira vista, já dá para notar que as figuras de 'O Banho de Diana' foram fortemente influenciadas pelo Renascimento italiano, notadamente Michelangelo e Leonardo da Vinci – basta notar a modelação dos corpos e o tratamento dado à musculatura das figuras masculinas. Por outro lado, a forma como os planos estão dispostos na pintura e a riqueza de detalhes da vegetação remetem diretamente a uma tapeçaria flamenga.

A sinuosidade dos traços e as figuras alongadas são típicas do Maneirismo, caracterizado pela imitação de obras de artistas que superaram a natureza. Clouet fez quatro versões dessa pintura.

É inegável que a obra já é belíssima por si só. No entanto, ela torna-se ainda mais interessante se conseguirmos decifrar ou pelo menos entender um pouco o que ela representa.

Vamos lá. De acordo com a mitologia grega, Diana, deusa da lua e da caça, era irmã gêmea de Apolo e nenhum mortal poderia vê-la nua, sob risco de sofrer um castigo terrível. No entanto, por um infeliz acaso, o caçador Acteon se deparou com a deusa nua no bosque, no momento em que ela se banhava auxiliada por duas ninfas e uma criada. Como castigo, Diana transformou o pobre homem num cervo e ele foi destroçado por seus próprios cães, que não o reconheceram. Boazinha ela, não? 

Na pintura, visualizamos o caçador em dois momentos: ao fundo, do lado esquerdo, enquanto se aproxima com o cavalo e surpreende a deusa. E do lado direito, já sendo devorado por seus cães. Enquanto isso, dois sátiros observam Diana em seu momento de intimidade. Mais do que a própria deusa, o grande personagem da obra é o poder do acaso, ao mostrar como o inesperado pode arruinar toda uma vida. Se o pobre caçador não tivesse tido a infelicidade de passar por lá justo naquele momento... estaria vivo e feliz ao lado de seus companheiros caninos. 

Contudo, a imagem pode estar nos transmitindo muito mais do que uma simples cena mitológica. Isto porque, ao analisarem as fisionomias das figuras, estudiosos descobriram que elas se assemelham a rostos de alguns membros da nobreza francesa, mais precisamente da poderosa família Guise, da dinastia dos Valois.

Uma das hipóteses diz que Diana seria Catarina de Medici, a esposa do então rei Henri II, personificado na figura do caçador. Diana olha para ele, bem como uma das ninfas, que seria Diane de Poitiers, sua amante preferida. Os sátiros e a outra ninfa também representam membros da família Guise.

Diz a história que Henri II presenteou  Diane com o Castelo de Chenonceau, no Vale do Loire, e que ela possuía grande influência sobre o monarca. Compreensivelmente, era odiada pela esposa oficial, Catarina.

O gracioso Castelo de Chenonceau, no Vale do Loire, presenteado a Diane de Poitiers por Henri II. 
Foto: www.chateaux-de-la-loire.fr.

Na pintura abaixo, 'Dama no Banho', Clouet teria feito uma alegoria sobre uma suposta gravidez de Diane de Poitiers, que esperaria um filho bastardo do rei.

François Clouet - 'Dama no Banho' (1571) 

O rei morreu em circunstâncias trágicas: na festa de casamento de uma das filhas, foi perfurado por uma lança durante um torneio. Imediatamente, Catarina de Medici confiscou o castelo que ele havia presenteado a Diane e exilou-a num pequeno palácio na cidadezinha de Anet, perto de Paris. O frontão do palácio, que tem um relevo da deusa 'Diana Caçadora', é de Benvenuto Cellini. Para Diane, residir ali foi a desgraça, enquanto que a maioria dos mortais certamente não desprezaria uma "casinha" como aquela!

O castelo de Anet, na Normandia, onde Diane de Poitiers foi exilada após a morte do rei - Foto: www.richesheures.net

O frontão de Benvenuto Cellini representando a deusa Diana - Foto: www.commons.wikimedia.org 

Henri II teve vários filhos com Catarina de Medici e os únicos homens que sobreviveram foram François II, Charles X e Henri III, conhecidos como "os três reis malditos" por sua má sorte e por não terem gerado filhos homens, extinguindo assim a dinastia católica dos Valois. Vale lembrar que, à época, a Lei Sálica determinava que somente homens poderiam ocupar o trono da França.

Como não sobrou nenhum homem para continuar a história dos Valois, quem assumiu o trono, em 1589, foi Henri IV, membro da família rival Condé, protestante, dando início à dinastia dos Bourbon. Posteriormente, Henri IV casou-se com Marguerite de Valois.

Esse breve relato histórico foi apenas para que conhecêssemos um pouco do contexto em que tudo aconteceu e no qual a obra foi realizada. Dá para perceber que na dinastia dos Valois as intrigas palacianas deviam ser uma constante e os artistas que desfrutavam da intimidade da corte, como François Clouet, não raro utilizavam a linguagem pictórica "cifrada" das alegorias e da mitologia para retratar determinadas situações vivenciadas pelos nobres que lhes eram próximos.

Por isso, mais do que aulas de história da arte, as palestras do Prof. Renato Brolezzi no MASP são verdadeiras aulas de história da civilização que, a cada edição, aumentam ainda mais nossa paixão pela arte e nossa vontade de decifrar seus mistérios.

Portanto, fique ligado(a)! A próxima aula será realizada no sábado, dia 4 de maio, das 11h às 13h. Será abordada a obra ‘O poeta Henry Howard, conde de Survey’, de Hans Holbein, o jovem. Vale lembrar que as aulas são gratuitas e ministradas no Grande Auditório do MASP. Av. Paulista, 1578. Tel.: 3251-5644 – www.masp.art.br

domingo, 28 de abril de 2013

Reserva Bistrô. Para matar a fome antes do cinema e apreciar o burburinho da Paulista.

Essa semana inseri um post sobre a pré-estreia do filme 'O Sonho de Wadjda', no Reserva Cultural. Nesse dia, saí do trabalho e fui diretamente para o cinema, tendo chegado bem antes do início da sessão, que seria às 21h30. Aí aproveitei o tempo de espera para jantar no Reserva Bistrô, que funciona no mesmo espaço.

Antes de mais nada, o ponto onde o complexo se localiza já é um ícone de apelo cosmopolita – ali na Av. Paulista, no prédio da Gazeta e da Faculdade Cásper Líbero. Da rua a gente visualiza o bistrô todo envidraçado, protegido por plantas do lado de fora para resguardar a privacidade dos clientes.

A vista externa do bistrô - Foto: Luciana Figueiredo

Para iniciar a noite, pedi uma taça de tinto Montepulciano d’Abruzzo - não havia maiores especificações no cardápio, apenas o nome do vinho.

Taça de vinho a R$ 16,00 - Foto: Simone Catto

O bistrô fica numa espécie de mezanino e, de lá, conseguimos apreciar tanto o movimento da calçada da Paulista quanto o vaivém das pessoas que vão ao cinema. A atmosfera é bem urbana e agradável. Enquanto bebericava meu vinho, ficava observando os tipos que passavam por lá. Devo dizer que é um exercício antropológico bem interessante! (rs).

Em pouco tempo, o lugar quase lotou e notei que muita gente estava lá pelo mesmo motivo que eu: comer alguma coisa enquanto a sessão de cinema não começava. Das pessoas que jantavam, vi várias na pré-estreia e depois no coquetel. Aliás, como as mesas são relativamente próximas, a gente acaba ouvindo sem querer as conversas alheias. Portanto, definitivamente, não é para lá que deve ir quem deseja ter uma conversa privé.

Foto: Simone Catto

O menu tem uma boa quantidade de opções e os preços estão na média daqueles cobrados em Sampa nas casas do gênero. Há grelhados, risotos, peixes, sopas, quiches, massas e até petiscos. Um pouco de tudo para todos os gostos.

Como eu queria apenas comer alguma coisa leve, já que a sessão de cinema seria seguida de um coquetel, optei pela quiche de queijo de cabra. Todas as quiches, cujo valor varia entre R$ 26,00 e R$ 29,00, vêm acompanhadas de uma salada com alface americana e frisée, radicchio, endívias, rúcula e tomate cereja, temperada com vinagrete de mostarda Dijon. O sabor estava ótimo, mas a quiche é muito menor que outras que já experimentei em bistrôs como o La Tartine, por exemplo, que é muito bem servida. Outros pratos que observei, no entanto, vêm em porções normais.

A quiche de queijo de cabra com salada é minúscula - Foto: Simone Catto

Para finalizar, pedi um cafezinho (R$ 3,50, mesmo preço da garrafa de água mineral).

Contudo, quando já havia saído do bistrô, vi o cartaz de uma promoção dizendo que o consumo acima de R$ 50,00, de segunda a quinta-feira, daria direito a uma entrada de cinema válida também de segunda a quinta. Imediatamente voltei e mostrei a um funcionário a minha conta de R$ 57,00, avisando que, no restaurante, ninguém me havia dado o ingresso e nem mencionado a promoção. O rapaz chamou então o gerente, Nicolas, que prontamente se desculpou e me deu a entrada à qual eu tinha direito.

Aproveitei para alertar o gerente de que deveria ser um procedimento automático os funcionários oferecerem o ingresso gratuito ao cliente ou então orientar sobre sua retirada na bilheteria sempre que a conta ultrapassasse os R$ 50,00 nos dias da promoção. Das duas uma: ou a equipe está mal treinada ou o pessoal foi instruído a "ficar na moita" caso o cliente não reclame seu ingresso - o que seria muito feio por parte do Reserva Cultural. Prefiro acreditar na primeira hipótese. Seja como for, o atendimento precisa melhorar nesse quesito. Portanto, se você for ao bistrô, fique de olho para não perder nenhuma promoção!  

O RESERVA BISTRÔ fica na Av. Paulista, 900 – térreo baixo. Tel.: 3287-3529. www.reservacultural.com.br. Abre de domingo a quinta-feira das 12h às 22h, sextas das 12h às 23h e sábados das 12h às 24h.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

'Naê Sushi', na Vila Clementino. Um harakiri gastronômico.

Não é de agora que comento sobre a quantidade de restaurantes japoneses na região da Vila Clementino. O problema é que quantidade nem sempre significa qualidade. Outro dia, fui jantar no Naê Sushi, rodízio aberto há poucos meses na R. Dr. Diogo de Faria. Eu nunca me furto a conhecer novas casas, a menos que algum amigo ou outra pessoa que me conheça bem tenha ido antes e me alerte de que o lugar não é bom.

Foto: Simone Catto

Vista de fora, a casinha com árvore à porta, tijolos à vista e frente envidraçada é bem simpática. O salão da frente, com vista para a rua, é mais agradável. No entanto, ao adentrarmos o ambiente seguinte, topamos com um espaço totalmente frio, insípido, desprovido de charme e de qualquer objeto decorativo. Não há nenhum detalhe interessante ou item que denote uma preocupação, por mínima que seja, em deixar o local mais acolhedor.

O salão externo é um pouco mais simpático - Foto: Simone Catto

Já o salão interno é totalmente insípido! - Foto: Simone Catto

Além disso, à exceção de uma jovem que nos atendeu, o atendimento me pareceu absolutamente amador. Vou dar um exemplo: em determinado momento, ao servir a mesa, o garçom esbarrou em meu saquê, derramou um pouco na mesa e não teve sequer a iniciativa de pegar um pano para limpá-la. O líquido ficou lá, à espera que eu tomasse alguma providência.

O saquê era uma das poucas coisas autênticas no restaurante - Foto: Simone Catto

Como optamos pelo rodízio (34,90 no jantar de segunda a quinta), logo chegaram umas entradinhas à base de salmão e camarão. Estavam boas e a atendente que as serviu - a única da equipe que parecia ser mais profissional - soube nos explicar como eram feitas.

As entradas, poucas, foram os únicos itens bons da refeição - Foto: Simone Catto
  
Os problemas vieram depois. O garçom nos perguntou se queríamos o combinado misto, isto é, completo, de sushis e sashimis – isto porque algumas pessoas pedem somente itens à base de salmão. Optamos pelo misto, como sempre fazemos, esperando que viesse no mínimo com os três tipos de peixes usualmente servidos nesse prato nos rodízios do gênero: salmão, atum e tilápia. No entanto, vieram apenas unidades com salmão e atum, nada de tilápia. Está certo que talvez devêssemos ter perguntado antes, mas, como em TODOS os rodízios japoneses que conheço a tilápia tradicionalmente faz parte do prato, no mínimo esperávamos que estivesse lá também. Além disso, não havia nem sombra do tradicional salmon skin ou dos onipresentes norisushis (aqueles sushis redondos com algas escuras em volta). A porção era de uma pobreza como nunca vi.

Mas o pior, mesmo, foi a qualidade de alguns ingredientes. O corte dos sashimis era grosso e amador, deixando o sabor dos peixes alterado e desagradável. A porção de shimejis era sofrível. Os cogumelos estavam duros e o tempero era praticamente inexistente. Não deu para comer.

O combinado de sushis e sashimis, monótono e com os sashimis mal cortados - Foto: Simone Catto 

Ao final, pedimos uma sobremesa que estava incluída no rodízio, sushis doces de goiabada com uma casquinha frita. Estavam bem bons, mas a experiência anterior dos pratos salgados havia sido tão negativa que nem deu para curtir direito a sobremesa.  

Obviamente, não pretendo mais voltar ao Naê Sushi. Deu para perceber que as falhas são estruturais, e não lapsos isolados. O preço do rodízio é inferior? É. Mas nem isso justifica tanta falta de cuidado e amadorismo. Melhor tocar para o Kiishi, o Koji ou o São Paulo Tokyo, que ficam pertinho. Em todo caso, só para dar o serviço completo, segue o endereço: Rua Dr. Diogo de Faria, 301 – Vila Clementino.

'O Sonho de Wadjda'. O 1º longa de ficção rodado por uma mulher na Arábia Saudita.

Anteontem tive uma experiência ao mesmo tempo deliciosa e edificante. Fui assistir à pré-estreia de 'O sonho de Wadjda' (2012), da diretora Haifaa Al-Mansour, 38, primeira mulher a rodar um longa de ficção na Arábia Saudita. Esse evento faz parte de uma série que o 'Reserva Cultural' costuma promover e inclui uma pré-estreia, coquetel e debate com o diretor ou outro convidado relacionado à realização do filme.

Infelizmente, não pudemos contar com a presença da diretora porque seu visto de viagem não saiu a tempo. Seria muito bom ouvir o que ela teria a dizer sobre as infindáveis dificuldades com que as mulheres se deparam, na Arábia Saudita, para realizar as atividades mais básicas do dia a dia devido ao machismo e à opressão religiosa. O que dizer, então, da realização de um filme?!

Dado o número de espectadores que lotaram a Sala 1 do 'Reserva Cultural', o tema deve despertar interesse. Havia pessoas das mais diversas idades, sozinhas ou acompanhadas, desde jovens estudantes até gente de meia-idade, casais e senhores de cabelos brancos. Todos ávidos e curiosos, imagino, para bater um papo com Haifaa Al-Mansour.

Após a sessão, o pessoal que lotou a sala se juntou para o coquetel, onde pudemos trocar ideias sobre o filme. 
Foto: Simone Catto

Mas vamos ao filme, que tem estreia prometida para o dia 3 de maio nos cinemas brasileiros. Wadjda, a protagonista, é uma pré-adolescente saudita que passa os dias sonhando em ter uma bicicleta para poder brincar com seu amigo Abdullah. A menina tenta juntar dinheiro para comprar a bicicleta confeccionando pulseirinhas de lã (aliás, proibidas) para vender às colegas da escola, mas há um problema: na Arábia Saudita, meninas ditas "honradas" não podem andar de bicicleta. As histórias mais estapafúrdias são incutidas nas cabecinhas das pobres crianças, como a de que andar de bicicleta pode impedi-las de gerar filhos mais tarde. É inacreditável como um prazer aparentemente tão simples e saudável como andar de bicicleta, que é também um meio de transporte, seja inacessível às menininhas sauditas.

Wadjda sonha em circular numa bicicleta como a de seu amigo Abdullah e não vai se cansar enquanto não conseguir.

Conhecendo seu desejo de possuir uma bicicleta, Abdullah presenteia a amiguinha com um capacete.

E já que estávamos falando da opressão feminina num país ultraconservador, basta citar alguns exemplos: mulheres não podem dirigir na Arábia Saudita e, por isso, são obrigadas a ter motoristas para se deslocarem. São obrigadas também a usar o hijad, o véu islâmico negro que as cobre da cabeça aos pés, deixando apenas os olhos à mostra. Além disso, mulheres precisam da autorização de um homem para viajar, ter algum trabalho remunerado ou até cursar o ensino superior. E isso só para citar situações que aparecem no filme – certamente, deve haver muitas outras que desconhecemos.

Aparentemente, a menina Wadjda pertence a um tipo de "classe média" saudita. Mora com a mãe professora e o pai ausente numa casa modesta em um bairro árido e poeirento da capital, Riad, mas desfruta de alguns confortos: joga videogame na TV de plasma, estuda numa boa escola (dentro daquilo que deve ser considerado uma "boa escola" para meninas na Arábia Saudita), a comida é abundante no prato e a mãe tem condições de eventualmente se dar alguns luxos, como a compra de um vestido novo.

A sala da família em um dos raros momentos em que o pai da menina está em casa com a família.

A diretora da escola de meninas onde Wadjda estuda é uma mulher bonita e severa, mas todas comentam que tem um segredo: 
um ladrão que supostamente teria invadido sua casa era, na realidade, um amante. 

A mãe de Wadjda, uma morena jovem e bonita que trata a filha com carinho e desvelo, sente na pele o tratamento inferior dispensado às mulheres. A começar pelo marido, que quase nunca está em casa e, para sua infelicidade, está em busca de uma segunda esposa – na Arábia Saudita, a poligamia é permitida. O motorista que a leva à escola onde leciona, que fica a quilômetros de distância, é um tipo rude e grosseiro. Quando não está trabalhando, a mulher vive para cuidar da filha e agradar ao marido, que raramente está presente para apreciar seus esforços. Deseja cortar os belos e longos cabelos, mas não o faz, porque o marido "gosta deles longos e macios". Prepara refeições maravilhosas para agradar ao marido e aos amigos que o visitam, mas, quando isso acontece, ela e a filha não podem participar do banquete e ficam com as sobras. E por aí vai. A menina observa tudo, silenciosa, e exala inconformismo.

A mãe de Wadjda é uma mulher jovem e bonita, porém desprezada pelo marido machista.

A chance de Wadjda adquirir sua bicicleta aparece quando a escola realiza um concurso sobre os preceitos do Alcorão e o prêmio em dinheiro é mais do que suficiente para ela realizar seu sonho. A partir daí, até então avessa aos costumes e assuntos religiosos, a menina entra para um grupo de estudos e passa a estudar o Alcorão com afinco a fim de vencer o certame.

Wadjda, a segunda da esquerda para a direita, em seu grupo de estudos do Alcorão: tudo para ganhar o prêmio do concurso 
e comprar sua tão desejada bicicleta.

O olhar de Al-Mansour sobre a sensibilidade da criança e seu desejo de liberdade, e também sobre a infelicidade da mãe e a condição feminina em seu país geraram um filme terno e bem feito. Difícil imaginar como conseguiu filmar uma história com tal conteúdo em um país no qual a censura permeia todos os meios de comunicação e atividades culturais, podendo ordenar prisões e outras punições a quem supostamente "ofenda" os costumes árabes.

Apesar de toda a burocracia, a diretora conseguiu as autorizações necessárias para filmar, mas vira e mexe a polícia aparecia no set para checá-las. Nas regiões mais conservadoras, a equipe de filmagem chegou até mesmo a sofrer ameaças da população local.

Haifaa Al-Mansour, a corajosa diretora e roteirista do filme.

Em uma entrevista à Folha de S. Paulo, Al-Mansour relatou que, quando era criança, seu pai "costumava receber cartas de familiares, de amigos e do imã da mesquita" em frente à casa onde moravam pedindo-lhe que mantivesse a filha "sob controle" e a proibisse de se tornar cineasta. Felizmente, a diretora teve a sorte de nascer no seio de uma família amorosa e muito mais iluminada que a média em seu país, e seus pais nunca se incomodaram com as opiniões alheias sobre a filha. Tanto é verdade, que a moça graduou-se em literatura pela Universidade Americana no Cairo e fez mestrado em direção e estudos de cinema na Universidade de Sydney, Austrália.

A propósito, o contato com o cinema começou cedo. Em sua infância, o pai costumava exibir para ela e os 11 irmãos antigos filmes egípcios e produções de Bollywood em VHS. Mas foi mais tarde, quando conheceu os filmes americanos, que Al-Mansour começou a se interessar de verdade por cinema.

A diretora ainda não sabe se o seu primeiro longa sequer será exibido em seu país, dadas as restrições ao funcionamento de cinemas. Boa parte da população assiste a filmes estrangeiros por meio de DVDs, download na internet e também pela televisão via satélite, embora a venda, a instalação e o uso de antenas de recepção de satélite sejam proibidos.

No entanto, apesar das inúmeras restrições, a situação feminina na Arábia Saudita teve uma melhora sutil. Em janeiro deste ano, decidiu-se que as mulheres deverão compor um quinto das 150 cadeiras da Shura (Conselho Consultivo da Arábia Saudita). No ano passado, pela primeira vez, mulheres puderam representar o país numa Olimpíada.

E mais: no início deste mês, a Arábia Saudita passou a permitir que mulheres andem de bicicleta, mas apenas em áreas de lazer e com um "guardião" masculino. Teria sido esse leve sopro de "liberalidade" influência do filme de Al-Mansour? Se for... Alá seja louvado!

'O Sonho de Wadjda' (2012), uma coprodução entre Arábia Saudita e Alemanha, ganhou o  prêmio Dioraphte, no Festival de Roterdã, e o prêmio da Confederação Internacional dos Cinemas de Arte, no Festival de Veneza.

Elenco parcial:

Waad Mohammed – Wadjda
Reem Abdullah – mãe de Wadjda
Abdullrahman Al Gohani – Abdullah, amigo de Wadjda
Ahd Kamel – Sra. Hussa, a diretora da escola
Sultan Al Assaf – pai de Wadjda

Não deixe de assistir ao filme, que chega aos cinemas no dia 3 de maio. Vale a pena compartilhar do olhar sensível da diretora para mergulhar no mundo feminino saudita por meio da trajetória de Wadjda, cujo sonho deve povoar os desejos de tantas outras meninas de seu país.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Ritz Jardins. Hype há mais de 30 anos, de domingo a domingo.

Ufa! Depois da overdose de arte em tantos posts sobre a SP-Arte 2013, estava na hora de um break! Pois é. E foi justamente pensando em fazer uma merecida pausa num domingão anormalmente atolado que fui parar de novo no Ritz da Al. Franca.

O que posso dizer é que o Ritz há muito já se tornou um clássico da noite (e dos dias também) paulistana. O restaurante com cara de bar, ares retrô e decoração assinada pelo artista plástico Wesley Duke Lee (1931-2010) resiste impávido, com a mesma atmosfera hype há mais de 30 anos. Uma façanha em se tratando de São Paulo, onde tantas casas "da moda" nascem e morrem antes sequer de aprenderem a engatinhar.

A entrada estilosa em tons quentes já prenuncia o calor do ambiente.
Foto: Simone Catto

Acredito que boa parte do sucesso do lugar deva-se, também, ao fato de abrir de domingo a domingo, sem descanso, sempre pronto a acolher seu público fiel. Sim, porque, quem vai lá, sabe que sempre vai encontrar pratos e petiscos de ótima qualidade, bom atendimento e gente animada a qualquer dia da semana. Invariavelmente, a espera se estende pela calçada, e a casa não se faz de rogada: instala prontamente umas mesinhas e o povo começa a beber e petiscar por lá mesmo. Às vezes, sobretudo no verão, a atmosfera lá fora está tão gostosa que a gente nem faz questão de entrar. Mais de uma vez fiz isso.

Tim-tim! - Foto: Simone Catto

Nessa minha última visita, a noite ainda estava agradável, apesar do outono, e a espera durou uns 20 minutos. Enquanto isso, começamos a bebericar um Carmen Carmenère, vinho chileno que aprecio muito e que sempre costuma agradar a quem está comigo.

O Carmenère que sempre agrada - Foto: Simone Catto

Como estávamos só a fim de papear e petiscar, começamos a noite com a clássica porção de bolinhos de arroz, um megassucesso do Ritz. Não é para menos: eles conseguem ser, ao mesmo tempo, tenros e crocantes, com sabor perfeito e textura na medida certa. Pedimos a porção pequena, com 6 unidades (R$ 11,50), mais do que suficiente para duas pessoas. A porção com dez sai a R$ 17,95.

O famosos bolinhos de arroz um hit do Ritz! - Foto: Simone Catto 

Aliás, esse é outro ponto a favor do Ritz: os preços justos. Ao contrário de tantas casas mais novas que viram "modinha" e se valem da fama (geralmente fugaz) e da (super)lotação garantida, o Ritz não achaca os clientes, muito pelo contrário. E essa honestidade certamente contribui para manter seu séquito de admiradores-frequentadores modernetes. 

Dependendo do horário, o perfil do público muda. Naquela noite de domingo, por exemplo, uma família com crianças na mesa ao lado estava finalizando a refeição. À medida que vai ficando mais tarde, porém, a galera alternativa vai tomando conta do local: casais moderninhos, artistas, modelos, gays, gente da comunicação, enfim, um pessoal mais descolado. O ambiente é agradável e acolhedor, inclusive por causa das dimensões do salão, que não é grande e inclui apenas um pequeno mezanino.

As cores quentes e a iluminação cálida contribuem para criar
o clima de aconchego - Foto: Simone Catto

Esta foto, extraída do site do Ritz, mostra um ângulo a partir do mezanino.
Foto: www.restauranteritz.com.br

Uma particularidade dos domingos é que apenas nesse dia da semana é servida a porção de beijus (R$ 16,60), tirinhas de tapioca frita com parmesão. Pedimos uma para experimentar e estava uma delícia, com os beijus supercrocantes.

Os beijus estavam muito bem feitos - Foto: Simone Catto

Por tudo isso, o Ritz é um daqueles lugares onde você pode ir tranquilo(a). Seja para almoçar, jantar ou petiscar, você sempre encontrará boa comida, boas bebidas e gente interessante todos os dias. Se você mora em Sampa, não dá para não conhecer.

RITZ JARDINS - Al. Franca, 1088 - Jardim Paulista. Tel.: 3062-5830. Delivery: 3088-6808 - www.restauranteritz.com.br. Abre de segunda a quarta das 12h às 15h e das 20h à 0h30, quintas e sextas das 12h às 15h e das 20h à 01h30, sábados das 12h30 à 01h30 e domingos das 12h30 à 0h30.

domingo, 21 de abril de 2013

Feira SP-Arte (parte 3). Agora, só no ano que vem!

Opa! E finalmente chegamos ao terceiro e último post sobre a feira SP-Arte 2013, que aconteceu no início de abril no Pavilhão Ciccilo Matarazzo, no Ibirapuera. Conforme comentei anteriormente, tive de desmembrar a matéria em três devido à quantidade de material que coletei na feira. São tantas fotos, que um só post não seria suficiente. E olhe que nem tirei fotos de tudo o que me agradou, senão não iria mais embora de lá!

Continuando nossa visita, a galeria Pinakotheke (SP/RJ/Fortaleza) estava belíssima. Tinha obras maravilhosas, valorizadas por uma iluminação suave e acolhedora. Não por acaso, ocupou um espaço respeitável que atraiu bastante público com mestres consagrados. É o caso dos Di Cavalcanti a seguir.

Di Cavalcanti - 'Composição' (1927) - Pinakotheke - Foto: Simone Catto

A alegria desse quadro é uma delícia! - Di Cavalcanti - 'Samba' (1967) - Pinakotheke - foto: Simone Catto

Achei as flores abaixo, de Bonadei, muito bonitas. Obra da Paulo Kuczynski Escritório de Arte.

Aldo Bonadei (1944) - o/s/t - Paulo Kuczinski Escritório de Arte - Foto: Simone Catto

Na Galeria Sylvio Nery, essas telas de Anita Malfatti e Portinari atraíram minha atenção em especial.

Anita Malfatti - 'Nu Sentado' - (1925) - o/s/t - Galeria Sylvio Nery - Foto: Simone Catto

Cândido Portinari - 'Família' - (1939) - o/s/t - Galeria Sylvio Nery - Foto: Simone Catto

E o que dizer deste Picasso "parisiense" vindo diretamente de New York? Esta e outras obras do mestre catalão estavam no stand da Van de Weghe Fine Art, de New York.

Pablo Picasso - 'Notre-Dame de Paris' (1954) - Van de Weghe Fine Art (NY) - Foto: Simone Catto

Ainda em New York, a 1500 Gallery exibiu essas fotos bonitas e perturbadoras de Bruno Cals. Só que a gente não consegue identificar o que elas retratam, e é aí que está a graça. São fachadas de edifícios fotografadas de baixo para cima, acredita? E sem Photoshop, conforme me explicou Silvia Balady, representante da galeria. Aliás, peguei as fotos abaixo no site da 1500 porque as que tirei saíram com muito reflexo no vidro.

Bruno Cals - 'Sem Título 2' (2010) - foto da série 'Horizons' - 1500 Gallery - Foto: www.1500gallery.com

Bruno Cals - 'Sem Título 22' (2010) - foto da série 'Horizons' - 1500 Gallery - Foto: www.1500gallery.com

E já que adentramos o âmbito da arte contemporânea, gostaria de fazer um comentário sobre um aspecto ou característica muito frequente na produção artística dos dias de hoje: costumo dizer que a arte contemporânea precisa de "bula". Sim, é isso mesmo. Se não tivermos um documento ou texto que explique o que ela significa, muitas vezes não compreendemos o que o artista pretende dizer. Veja o caso das fotos de Bruno Cals, que acabei de mencionar. Foi preciso que alguém me revelasse que se tratava de fachadas de edifícios, caso contrário eu jamais iria perceber.

Bem, independentemente do que os artistas tenham pretendido transmitir nas obras contemporâneas que mostrarei a seguir, selecionei-as para mostrar aqui porque achei interessante ou divertida a forma como os materiais foram manipulados.

Nelson Leirner - 'Golf / Futebol / Natação / Tênis (2013) - litografia c/ colagem - Polígrafa Obra Gráfica (Barcelona). 
Foto: Simone Catto

Na obra a seguir, achei interessante a mesa branca com uma cadeira que a atravessa como se fosse um "espírito" invocado nas "mesas brancas" das religiões espíritas.

Washington Silveira - 'Mesa Branca' (2012) - madeira laqueada - Ybakatu Espaço de Arte (curitiba) - Foto: Simone Catto

Nuno Ramos - 'Instrumento '- Celma Albuquerque Galeria de Arte - Foto: Simone Catto

Marçal Athayde - 'Sem título' (2012) - Pinakotheke - Foto: Simone Catto

Se você quiser saber mais sobre arte contemporânea, acesse '30a. Bienal de São Paulo. Se toda arte é expressão, será que toda expressão pode ser arte?'

E para finalizar, só um comentário que não tem nada a ver com arte, mas com um certo descaso que notei da parte da organização da SP-Arte para com os visitantes da feira.

O fato é que o restaurante 'Capim Santo' monopolizou todos os espaços de alimentação da SP-Arte 2013 com preços muito acima da média, isto é, não havia nenhuma outra alternativa de alimentação para quem quisesse fazer uma refeição ou apenas um lanche rápido. Para se ter uma ideia, um café expresso ou cappuccino pequeno eram vendidos a abusivos R$ 5,00 e um sanduíche simples no pão de fôrma saía a R$ 23,00. Nada contra a presença do Capim Santo no local, desde que a organização da feira, sob o comando de Fernanda Feitosa, colocasse outras opções à disposição dos consumidores, assim como ocorre nas exposições de primeiro mundo. Espero que nas próximas edições a organização seja mais cuidadosa nesse aspecto!

Confira mais obras da SP-Arte 2013 nos outros posts do blog: