terça-feira, 30 de outubro de 2012

'Intocáveis'. A comunhão de opostos num filme que não tem vergonha de ser feliz.

Normalmente, nossos vínculos de amizade mais fortes e duradouros costumam ser formados com pessoas de perfil semelhante ao nosso, com interesses, valores ou gostos afins. Só que, às vezes, a vida pode nos pregar uma peça. E se possuímos um mínimo lampejo de humanidade, podemos reconhecer um amigo em alguém que, por viver uma realidade totalmente oposta à nossa, dificilmente atravessaria as fronteiras de nosso mundo. É mais ou menos isso o que aconteceu com o personagem Philippe (François Cluzet) no filme Intocáveis.

Philippe (François Cluzet) e Driss (Omar Sy)

Philippe é um aristocrata viúvo que, após sofrer um grave acidente de parapente, fica tetraplégico e passa a depender de assistentes para realizar as tarefas mais simples do dia a dia. Depois de trocar inúmeras vezes de funcionário, acaba contratando o jovem Driss (Omar Sy), um argelino de família pobre recém-egresso da prisão que vive na marginalidade e habita o subúrbio de Paris. Driss é um tipo debochado, sem cultura e sem nenhuma experiência ou habilidade para cuidar de pessoas naquela situação. Aos poucos, porém, vai aprendendo a função e acaba por conquistar o milionário por seu bom humor, sua espontaneidade e também por não tratá-lo como um pobre coitado. Driss leva Philippe a fazer coisas que jamais imaginaria ser capaz de fazer em sua situação e, com sua alegria e entusiasmo, introduz um novo sopro de vida no dia a dia de seu rico patrão. Philippe, por sua vez, oferece a Driss uma boa dose de dignidade, respeito e oportunidades com as quais ele jamais poderia sonhar em sua vida. E assim, nesse intercâmbio de mundos, tornam-se amigos de verdade.

Driss, recém-chegado à mansão, fica encantado com o luxo de seus novos aposentos.

Ao lado do novo funcionário, Philippe ganha nova alegria de viver.

O aniversário do milionário, antes um poço de tédio, vira uma festa animada.

O resultado é que um filme que poderia soar deprimente, por mostrar as dificuldades de um deficiente físico, acaba causando um efeito exatamente contrário. A gente ri com as gafes de Driss e compactua com a alegria do aristocrata, torcendo e se identificando com a força e a leveza dessa amizade aparentemente tão improvável. A mensagem é a mais otimista possível.

Philippe entre Driss e Yvonne (Anne Le Ny), uma espécie de secretária particular.

Magalie (Audrey Fleurot), outra assistente do milionário. 

Além do roteiro impecável, da direção segura e da bem cuidada produção, os atores de primeiríssima contribuem para fazer de Intocáveis um filmaço. Tanto François Cluzet quanto Omar Sy dão um show de interpretação. Cluzet interpreta seu Philippe magistralmente, e seu mérito é tanto maior se lembrarmos que para isso ele conta apenas com sua expressão facial, uma vez que seu personagem é tetraplégico. Omar Sy, com seu "Driss", contribui para recobrar nossa fé na humanidade.

O mais comovente é que o filme é baseado numa história real e, ao final, são mostradas imagens dos verdadeiros "Philippe" e "Driss", que se chamam Philippe Pozzo di Borgo e Abdel Sellou, respectivamente. Abdel, que cuidou de Philippe por dez anos, vive hoje na Argélia e tem uma criação de frangos para a indústria. Philippe casou-se novamente e vive no Marrocos com sua segunda esposa e duas filhinhas. Uma amizade eterna que merece se perpetuar também em nossa memória. Assista correndo!

Os verdadeiros "Philippe" e "Driss": Philippe Pozzo di Borgo e Abdel Sellou.
Uma lição de vida e um tributo à verdadeira amizade!  

Direção: Eric Toledano e Olivier Nakache.
Elenco: François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny (Yvonne), Audrey Fleurot (Magalie) e outros.

INTOCÁVEIS está em cartaz nos cinemas Reserva Cultural, Pátio Higienópolis Cinemark, Playarte Bristol e Espaço Itaú de Cinema – Augusta, entre outros. Não perca de jeito nenhum!

domingo, 28 de outubro de 2012

Rubi Wine Bar. Para degustar um bom vinho com o prazer que ele merece.

O atendimento é supersimpático e gentil. O lugar é pequenino, aconchegante e, ainda por cima, especializado num dos maiores prazeres da vida: os bons vinhos, que podem ser um ótimo "esquenta" para os "prazeres" que venham depois! (rs). Estou falando do Rubi Wine Bar que, como o próprio nome já revela, é uma casa especializada em vinhos que fica na região dos Jardins. É o tipo de lugar onde você pode (e deve!) se refugiar quando quiser degustar um vinho sossegada(o), num ambiente discreto, na companhia de gente muito especial e de tapas preparadas no capricho.

As mesas de madeira deixam o local mais aconchegante - Foto: Simone Catto

A casa tem uma 'pegada' rústica e agradável - Foto: Simone Catto

Outro ângulo do salão - Foto: www.rubiwinebar.com.br. 

A fachada é graciosa e discreta - Foto: www.rubiwinebar.com.br 

Quando fui conhecer a casa, dividi um tinto francês que o sommelier nos recomendou: o Côtes-du-Ventoux safra 2009, um vinho do jeito que eu gosto: pouco encorpado e de sabor delicado. Uma ótima pedida!

Foto: Simone Catto

Para acompanhar, escolhemos três das "Tapas do Mundo" que constam no cardápio. Como os temperos picantes estavam em nossa preferência do momento, começamos com a Panelinha de Camarão ao Curry com Torradinhas de Ciabatta (R$ 32). O camarão, que vem mergulhado num molho de curry com alguns legumes, é servido numa graciosa panelinha. Delícia!

Ao mesmo tempo, pedimos uma porção de Polentas Grelhadas com Ragu de Linguiça Calabresa (R$ 21). Eu, que não costumo comer polenta nem linguiça (sim, reconheço que sou uma italiana desnaturada! rs), me rendi depois que o garçom nos informou que a polenta da casa estava entre as melhores de São Paulo. De fato, a combinação estava saborosíssima!

A Panelinha de Camarão ao Curry e as Polentas Grelhadas com Ragu de Linguiça Calabresa: ambas excelentes! - Foto: Simone Catto 

Por fim, pedimos uma porção de Croquettas de Presunto Serrano e Parmesão (R$ 20), crocantes e muito bem feitas. Posso dizer que o sabor das três porções estava irrepreensível!

As crocantes croquettas, nham... - Foto: Simone Catto

As opções de tapas e bruschettas da casa se destacam também pela variedade, mas, quem preferir jantar, não fica decepcionado: o menu oferece alguns pratos que, a julgar pela qualidade das tapas, também devem ser muito bons.

Atualização em 24/7/2013: o bar acabou de me informar que promoverá uma série de encontros sobre vinhos para grupos de até 20 pessoas, com quatro temas:

1) Degustação com palestra sobre os vinhos (características da região, uva e país).
2) Degustação de iniciação ao mundo do vinho (como degustar e escolher um rótulo).
3) Degustação para empresas com harmonizações especiais.
4) Degustações verticais ou horizontais (podendo ser com vinhos dos clientes ou da carta da casa).

Os encontros estarão sob comando dos renomados sommeliers Fabiano Aurélio (Sommelier do Ano, Prêmio Gula 2007) e Tony Araújo (ex-Figueira Rubayat).

Para mais informações, ligue (tel. abaixo) ou acesse o site da casa.

Nem preciso dizer que super recomendo o RUBI WINE BAR a todos aqueles que apreciam uma combinação que, para mim, faz toda a diferença: um bom vinho + boa companhia + bom atendimento + paz!

O endereço é Al. Jaú, 1.595 – Jardins. Tel.: 4323-1667. www.rubiwinebar.com.br. Você ainda tem a comodidade de estacionar no "Pare Aqui", ao lado ( 1.607), que oferece desconto aos clientes da casa.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

As paredes orgânicas de Adriana Varejão atiçam os paulistanos no MAM.

Confesso que pouco conhecia da arte de Adriana Varejão, embora já houvesse ouvido falar muito nela. A exposição Histórias às Margens, no MAM Ibirapuera, está entre as mais bem cotadas de São Paulo.

Fui, então, conferir o trabalho dessa carioca nascida em 1964 que estudou arte enquanto cursava Engenharia no Rio de Janeiro e está entre as mais badaladas artistas plásticas contemporâneas do Brasil. Sim, a moça é bastante festejada. Já participou de mais de 70 exposições no Brasil e no exterior, em museus e instituições do porte da Bienal de São Paulo, da Tate Modern de Londres e do MoMa, de Nova Iorque. Em 2008, ganhou um pavilhão dedicado à sua obra no deslumbrante Centro Inhotim de Arte Contemporânea, no município de Brumadinho, próximo a Belo Horizonte.

A exposição atualmente no MAM exibe 42 obras da artista. Chamaram minha atenção aquelas que mostram azulejos com fendas que, como se fossem pedaços de "pele rasgada", deixam entrever vísceras e nesgas de carne vermelha escapando em relevos. Um contraste intrigante, mas esteticamente bonito. Resultado agradável de se ver, apesar de encerrar certo elemento de morbidez. Confira nas imagens a seguir:

Folds 2 (2003) - óleo s/ tela e poliuretano em suporte de alumínio e madeira. Obra pertencente à Fundação Gugggenheim, de Nova Iorque - Foto: Simone Catto

Ruína de Charque Santa Cruz - quina (2002) - óleo s/ madeira e poliuretano - Foto: Simone Catto

Parede com incisões à La Fontana (2000) - óleo s/ poliuretano em suporte de alumínio e madeira. 
Foto: Simone Catto

Língua com padrão sinuoso (1998) - óleo s/ tela e alumínio - Foto: Simone Catto

Deu para notar que Adriana também lança mão de imagens que aludem ao período colonial brasileiro, como azulejos portugueses e elementos do barroco, além de fazer citações visuais à arquitetura, presente na criação ou pintura de ambientes que lembram salas, banheiros ou saunas.

A instalação a seguir, por exemplo, mescla uma azulejaria que remete aos azulejos portugueses com esculturas de móveis e objetos de porcelana na criação de um fragmento de ambiente que lembra uma sala. Gostei do resultado.

Tea and Tiles II (1997) - óleo s/ tela, madeira e porcelana - Foto: Simone Catto

Minha opinião? Achei a exposição de Adriana Varejão beeem mais interessante do que a esmagadora maioria das obras da Bienal. Vale a pena dar um pulo lá para conferir!

O MAM fica na Av. Pedro Álvares Cabral, s/ nº, portão 3 - Parque Ibirapuera. 
Tel.: 5085-1300 - www.mam.org.br. Abre de terça a domingo, das 10h às 17h30
(com permanência até as 18h). Entrada franca. Até 16/12.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

30ª Bienal de São Paulo. Se toda arte é expressão, será que toda expressão pode ser arte?

De uns seis anos para cá, cada vez que visito a Bienal de Arte de São Paulo fica mais veemente meu questionamento interno sobre se o que tenho visto por lá pode ser realmente chamado de arte. Tudo bem que essa discussão não é nova e que até já virou clichê com relação à arte contemporânea. Só que, agora, a questão está ainda mais gritante. Adquiriu uma dimensão tal, que se tornou inevitável, pelo menos para mim, postar-me diante de certas obras e me perguntar se elas são mesmo arte ou apenas expressões pessoais, manifestações de uma individualidade que deseja comunicar algo ao mundo. Sim, porque, atualmente, "tudo" virou arte. A multiplicidade de meios e de plataformas utilizadas para a produção artística é tão grande, que qualquer tipo expressão, teoricamente, pode ser denominada "arte" se alguém assim o determinar. E quem seria esse "alguém"? O próprio artista, para começar, e depois os galeristas, críticos de arte, marqueteiros, as mídias e todo o entourage que lhes dá aval. O fato é que se toda arte é expressão, nem toda expressão é arte. Simples assim.

Vamos, então, dar alguns exemplos com base no que vi na 30ª Bienal em duas visitas que fiz à exposição. Vamos começar pelo próprio nome desta edição: Iminência das Poéticas. O que significa? Significa que, aqui, é o processo criativo, o que houve por trás da produção da obra que realmente importa. E não a obra acabada, o produto final. É a intenção do artista que está valendo. Daí a profusão de vídeos ininteligíveis, instalações aparentemente confusas e objetos desconexos, pelos quais vi tantos visitantes passarem reto sem entender lhufas. É isso aí, a arte de hoje precisa de bula para ser compreendida. Porque se você não souber o que o artista quis dizer ou pretendeu com aquilo, pode esquecer. Você até pode achar uma obra esteticamente curiosa ou interessante, mas daí a entendê-la são outros quinhentos.

Frase pintada em uma parede do térreo da Bienal - Foto: Simone Catto

O problema é que, no meu caso, além da dificuldade de entender, à primeira vista, tantas obras dessa Bienal, quase nada despertou a atenção de meus sentidos. Entre as poucas obras que me atraíram, estavam os livros entrelaçados de Odires Mlászho (1960, Mandirituba, Brasil). Se o artista pretendeu transmitir uma mensagem com a obra, sinceramente não sei. Só sei que achei o visual interessante. É arte? Também não sei. Mas que é curioso, é.

Obra de Odires Mlászho - Foto: Simone Catto

As obras que me atraíram na sequência foram realizadas, sintomaticamente, por um artista hoje reconhecido: Arthur Bispo do Rosário (1909/11-89), figura cuja arte adquire uma dimensão mais fascinante por estar diretamente associada aos problemas psiquiátricos de seu autor.

Obra que faz parte do 'Inventário do Mundo', de Arthur Bispo do Rosário - Foto: Simone Catto

Nascido em Sergipe, Bispo do Rosário mudou-se para o Rio de Janeiro em 1925. Entre as profissões que exerceu, foi boxeador, marinheiro e trabalhou na Light. Após sofrer um surto psicótico em 1938, foi diagnosticado como esquizofrênico-paranoico e  transferido para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Começou seus trabalhos artísticos apenas no final da década de 60 e criou, até sua morte, cerca de 1.000 obras usando objetos do cotidiano que comprava ou trocava e sobras de materiais descartadas pelo próprio hospital onde estava internado, tais como pentes, botões, toalhas, roupas e ferramentas. Além disso, executou inúmeros bordados com material de uniformes e lençóis que desfiava. Bispo do Rosário foi descoberto em 1980 por Samuel Wainer Filho, que mostrou sua produção em uma reportagem do 'Fantástico', da Rede Globo. Na ocasião, afirmou ter recebido a missão de fazer um "inventário do mundo", para que, quando morresse, pudesse entregá-lo reconstruído a Deus. O irônico é que Bispo do Rosário não se considerava artista. Mas mais irônico, ainda, é imaginar que muitos que se consideram não o são.

Parte do "inventário" de Bispo do Rosário - Foto: Simone Catto

Pentes, gravatas... objetos do cotidiano que Bispo do Rosário pretendia mostrar a Deus quando morresse.
Foto: Simone Catto

Arthur Bispo do Rosário - Foto: Simone Catto

Arthur Bispo do Rosário - Foto: Simone Catto

Sim, Bispo do Rosário mostrou a Deus que na Terra também havia automóveis. Coitado se tivesse vivido para ver o trânsito de São Paulo! - Foto: Simone Catto

Um trabalho que achei interessantíssimo são as Photo Notes, do holandês Hans Eijkelom (1949). Hans passou as últimas duas décadas coletando fotos de pessoas anônimas, em vários países do mundo, que mostrassem o mesmo padrão visual no vestuário. O resultado foram dezenas de séries que ocupam uma parede inteira da Bienal. Há as séries de homens de camisas xadrezes, de senhoras com estampas de oncinha, crianças com casacos coloridos e por aí vai.

As séries de Hans Heijkelom: praticamente um estudo antropológico! - Foto: Simone Catto

Aqui predominavam os homens de camisa xadrez.
Foto: Simone Catto

E aqui, senhoras de casaco branco! - Foto: Simone Catto

Segundo relatou a Profª Dra. Silvia Meira, historiadora de arte da USP que nos acompanhou em uma das visitas e havia presenciado o artista em ação na Rua Oscar Freire, em São Paulo, sua tática para tirar as fotos é muito engraçada. Ele fica horas parado discretamente num lugar, com sua câmera, e tão logo avista um pedestre com um padrão de indumentária que lhe interesse, tira a foto disfarçadamente. Assim que vê outro pedestre vestido no mesmo padrão, faz outra foto, e assim por diante. As pessoas, naturalmente, não sabem que estão sendo fotografadas. O resultado é quase um "estudo antropológico" visual no qual o artista tenta nos mostrar como a globalização está massificando e manipulando os gostos de todos em qualquer lugar do mundo. Está aí a indumentária para comprovar!

Os Rolling Stones agradam aos "tios"! rs - Foto: Simone Catto

Em frente aos trabalhos de Hans está outra enorme coletânea de séries de fotos, agora em preto e branco, realizadas com princípio semelhante. Trata-se da mais importante obra do alemão August Sander (1876-1964), denominada People of the 20th Century. Sander fotografou indivíduos de diversas esferas sociais, desde camponeses até capitalistas, criando um catálogo tipológico do povo alemão com mais de seiscentas imagens. Lá vemos séries de artistas circenses, de mulheres, casais burgueses, velhos camponeses etc. Algumas fotos são realmente impressionantes, sobretudo ao notarmos a mesma expressão no olhar de pessoas com funções ou posições sociais semelhantes. É inquietante imaginar que, provavelmente, a grande maioria daquelas pessoas capturadas num instante pela lente do fotógrafo já se foi. Sem dúvida, um belo trabalho.

O apanhado de tipos alemães de August Sander: impressionante! - Foto: Richard Vannucci 

Uma obra que achei perturbadora é Urine Reading, do venezuelano Eduardo Gil (1973). O artista fez uma instalação de colchões usados, recolhidos de orfanatos da cidade de São Paulo, e chamou videntes para "ler" as histórias das crianças que dormiam neles. As previsões foram gravadas em áudio e podemos ouvi-las, ao aproximarmos nossos ouvidos de cada colchão. Gostaria de saber quem são esses videntes e se essas pessoas realmente tiveram o poder de captar o que se passava nas mentes e corações das pobres crianças. De qualquer modo, é triste nos deparar-nos com aqueles colchões que, com ou sem vozes, carregam histórias de abandono.

Eduardo Gil e os colchões das criancinhas em sua instalação: tão triste quanto perturbador - Foto: Simone Catto

A instalação de Eduardo Gil - Foto: Simone Catto

Outra obra que me deteve um pouco foi O Teste do Homem sob a Chuva, de Martín Legón (1978, Buenos Aires). Consta que esse teste realmente existe e costuma ser aplicado a candidatos a vagas de trabalho, que devem desenhar pessoas sob a chuva e têm características de sua personalidade reveladas por meio da análise dos traços por psicólogos. Centenas de desenhos de candidatos foram expostos na Bienal e analisados por três profissionais: um psiquiatra, um curador de arte contemporânea e um profissional de RH. É interessante analisar as diferenças entre um desenho e outro, mas... novamente, faço a pergunta: seria isso arte?

Um dos desenhos da instalação 'Teste de Homem sob a Chuva', de Martín Legón.
Foto: Simone Catto
 

Dê um pulo na Bienal e tire suas próprias conclusões!

Pavilhão da Bienal – Parque Ibirapuera – Portão 3 – Av. Pedro Álvares Cabral,  s/n. Terças, quintas, sábados, domingos e feriados: das 9h às 19h (entrada até as 18h). Quartas e sextas-feiras: das 9h às 22h (entrada até as 21h). Há estacionamento no parque com Zona Azul (cada folha vale por duas horas). Mais informações: www.bienal.org.br

domingo, 14 de outubro de 2012

Bar do Juarez. O clássico que faz bonito também em Pinheiros.

Já faz tempo que o Bar do Juarez é sinônimo de boteco bom aqui em Sampa. A unidade de Moema, pioneira, conheci anos atrás. Inaugurada no finzinho da década de 90, é um lugar onde sempre gostei de ir para tomar uma caipirinha e saborear uma deliciosa picanha na chapa. Por ser bem arejado e ter mesinhas na calçada, esse Juarez é mais gostoso nos dias de calor. Depois vieram os "filhotes": as filiais Itaim, na Av. Pres. Juscelino Kubitschek, bem maior e mais sofisticada, e na sequência as unidades do Brooklin (essa não conheço) e a de Pinheiros, que acabo de visitar. Das três casas que conheci, a de Moema é a menor e, em minha opinião, a mais descontraída.

Achei a ambientação do Juarez Pinheiros bem parecida com a do Itaim: o piso, aliás, é o mesmo das outras casas, e o décor também segue o mesmo padrão, com uma profusão de janelas e portas envidraçadas e muita madeira. O bar é bem arejado e o clima agradável e informal.

A vista de nossa mesa - Foto: Simone Catto 

Foto: Simone Catto

O deck externo, bem grande, é um convite para os dias e noites mais quentes.

Foto: Simone Catto

O balcão de petiscos do Juarez foi eleito o melhor, por voto popular, pela Veja São Paulo Comer & Beber 2012.

Foto: www.bardojuarez.com.br

Na noite de minha visita resolvi experimentar a caipirinha de caju com Salinas e acertei em cheio: estava realmente deliciosa e bem preparada, com cachaça na medida certa. A caipirinha vem com generosos pedaços de caju e também uma colherinha para que possamos comer a fruta depois - uma delicadeza para com os clientes. 

Detalhe importante: o garçom serve a cachaça na mesa, para que o cliente veja que realmente está sendo servida a cachaça solicitada. Um cuidado de quem sabe das coisas!

A caipirinha de caju com Salinas, preparada no capricho.
Foto: Simone Catto

E como sempre tenho o hábito de comer algo (além de beber água) ao ingerir bebida alcoólica, resolvi dividir com minha amiga uma porção de Bolinhos de Carne Seca com Mandioca enquanto o resto do pessoal não chegava. Estavam supercrocantes, adorei!

Bolinhos de Carne Seca com Mandioca (8 unidades, R$ 23): deliciosos! - Foto: Simone Catto 

Minha amiga também pediu um Caldo de Feijão e resolvi imitá-la. Além de ser um dos meus favoritos, uma dose extra de ferro no sangue nunca é demais para mim! Acompanhado de salsinha e cubinhos de torresmo, o caldo estava muito bom.

O saboroso Caldinho de Feijão (R$ 14) - Foto: Simone Catto

E para arrematar, seguindo sugestões da mesma amiga que resolveu me desvirtuar... rs... experimentei uma dose da cachaça Busca Vida, fabricada em Bragança Paulista, que leva limão, açúcar e um toque de mel. Por apresentar baixo teor alcoólico (17,5%), é perfeita para as mulheres, que não precisam mais torcer o nariz diante de uma "branquinha". A Busca Vida, aliás, tem coloração amarelada e é uma delícia! Se a gente não tomar cuidado, toma umas três ou quatro doses brincando! rs. 

Em suma: quem vai ao BAR DO JUAREZ nunca erra, seja em Pinheiros ou onde for. É a certeza de encontrar um ambiente agradável, ser bem atendido, saborear boas bebidas e provar quitutes deliciosos. O JUAREZ PINHEIROS fica na Rua Deputado Lacerda Franco, 642. Tel.: 3578-7228. www.bardojuarez.com.br.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Um passeio pelos jardins de Monet com Renato Brolezzi.

Sábado passado assisti, no MASP, a mais uma aula de História da Arte do Prof. Renato Brolezzi, da Unicamp. Mais uma vez o Grande Auditório ficou lotado e quase não consegui lugar para sentar. Não é para menos. As aulas do Prof. Brolezzi são um verdadeiro show, tamanha sua erudição, seu senso de humor e sua capacidade de transmitir conhecimento de uma forma absolutamente envolvente.

A cada aula, uma obra do acervo do MASP é analisada e relacionada com outras obras do mesmo artista e também de outros mestres. A obra abordada na última aula foi 'Canoa sobre o Epte' (c. 1890), de Claude Monet (1840-1926) – possivelmente, ao lado de Renoir, um dos pintores impressionistas mais amados do mundo.

C. Monet - "Canoa sobre o Epte" (c. 1890) - MASP

Monet pintou essa tela quando já estava instalado em sua belíssima propriedade em Giverny, cercado do exuberante jardim que criou como se fosse uma obra de arte. Mas quem são as moças que passeiam de barco nesse cenário idílico? Para chegarmos a essa resposta, precisamos voltar um pouco no tempo.

Tudo começou com um homem chamado Ernest Hoschedé, negociante de telas apaixonado por pintura e casado com Alice, filha de um rico fundidor belga. Espécie de mecenas dos impressionistas, Hoschedé começou a adquirir telas de Monet na década de 1870 e inclusive comprou a obra que batizou o movimento impressionista: 'Impréssion, soleil levant' (1872), exposta em 1874 na primeira exposição impressionista e achincalhada pelos críticos de então.

C. Monet - "Impréssion, Soleil Levant" (1872) - Musée Marmottan Claude Monet

Pouco depois, em 1876, Hoschedé encomendou a Monet quatro painéis para seu castelo de Rottenbourg, em Montgeron, um município perto de Paris. O pintor instalou-se no local e também fez vários retratos da família de seu anfitrião, além de paisagens da região. Sua esposa Camille havia ficado em Argenteuil e na ocasião Monet teve um envolvimento amoroso com Alice Hoschedé, retornando a Paris no início de 1877.

Já em Paris, o artista iniciou a série de telas da Estação Sainte-Lazare (1876-7), cujo motivo principal é a locomotiva, símbolo da Revolução Industrial. Na terceira exposição impressionista, em 1877, Monet expôs oito dessas telas. A essa época, ainda passava por dificuldades financeiras e era frequentemente socorrido por amigos, entre os quais Édouard Manet. Foi nessa época, também, que nasceu seu segundo filho, Michel. O primeiro, Jean, havia nascido em 1867, quando Monet e Camille ainda não eram casados. Na ocasião, devido às condições sociais, o artista escondeu a existência desse filho e vivia atormentado por isso.

C. Monet - "A Estação Sainte-Lazare" (1877)  - Musée d'Orsay

Em 1878, Ernest Hoschedé estava arruinado economicamente e Monet acolheu, então, toda a família do amigo em sua residência em Vétheuil, um subúrbio próximo a Paris, para onde se mudaram o casal Hoschedé e seus seis filhos: dois meninos e quatro meninas. Imagino que Monet deva ter sido uma pessoa generosa por acolher família tão grande estando ele próprio em dificuldades financeiras, mas é fácil compreender esse gesto se lembrarmos que Hoschedé, além de comprador de suas obras, sempre foi um grande amigo e incentivador. Em 1879, Monet sofreu um doloroso baque: sua esposa Camille morreu tuberculosa, deixando-o em profunda depressão. Ernest Hoschedé foi para a Bélgica a fim de fugir dos credores e, em 1891, também morreria de um colapso nervoso.

Desde jovem Monet havia levado uma vida errante, morando em várias cidades e passando temporadas em diversos lugarejos, a fim de capturar diferentes paisagens para imortalizá-las em suas telas. "Sigo a natureza sem poder captá-la", disse certa vez. Essa ânsia de "aprisionar" as variações da natureza em sua obra era, não raro, fonte de grande angústia para o artista, que nunca se considerava satisfeito.

Em 1883, Monet muda-se para Giverny com seus dois filhos, Alice Hoschedé e os filhos desta. Essa nova mudança, porém, não o impede de viajar para outros locais para pintar suas paisagens. A essa altura, já era um pintor conhecido e tinha uma legião de seguidores.

Em 1890, Monet finalmente conseguiu comprar a casa que habitava em Giverny, lá construindo seu novo ateliê e o jardim de seus sonhos. O marchand e colecionador japonês Hayashi, com quem o pintor trocava quadros por estampas, o presenteou com espécies de plantas raras de seu país. Monet escolhia pessoalmente as flores e as arranjava em seu jardim de modo a criar um belo efeito de harmonia cromática. Um lugar maravilhoso que tive o privilégio de conhecer em uma de minhas viagens à França. Sua casa também era encantadora, com fachada rosa e esquadrias verdes nas janelas. Lembro-me particularmente da enorme sala de almoço amarela, onde ele, Alice e toda a criançada deviam se reunir alegremente em torno da mesa.

A encantadora casa de Monet em Giverny: uma de minhas mais belas memórias da França! - Foto: acervo pessoal

A alegre sala de almoço - Foto: Ariane Cauderlier

Voltando à obra tema da aula, relembramos que foi nesse mesmo ano, 1890, que Monet pintou 'Canoa sobre o Epte'. A tela mostra duas das meninas Hoschedé, Blanche (1865-1947) e Suzanne (1868-1899), remando no Rio Epte, em Giverny. As meninas não estão centralizadas no quadro, e esse deslocamento de foco, inspirado nos enquadramentos das estampas japonesas e da fotografia, que havia sido patenteada poucos mais de 50 anos antes, foi uma das inovações das pinturas impressionistas. 

Em 1891, Monet pintou outros quadros com as meninas Hoschedé e, em 1892, pintou 'Blanche pintando Suzanne'. Sim, a jovem Suzanne também tinha certo talento para a pintura e ainda teve o privilégio de aperfeiçoá-lo com ninguém mais, ninguém menos que... Claude Monet!

C. Monet - "En norvégienne: cena representando Germaine, Suzanne e Blanche Hoschedé" (1887)

C. Monet - "No bosque de Giverny - Blanche Hoschedé Monet pintando Suzanne Hoschedé lendo" 

Na pintura 'Mulher com sombrinha olhando para a esquerda', quem posou foi Suzanne Hochedé. Em 1892, Monet finalmente oficializou sua união com a mãe das meninas.

C. Monet - "Mulher com sombrinha olhando para a esquerda" (1886)
Musée d'Orsay

A partir de 1890, o artista passou a dedicar ainda mais tempo à jardinagem – em especial a seu "jardim aquático", para cuja construção foi necessário desviar um braço do Rio Epte. Entusiasmado pelas ninfeias (nenúfares), decidiu, então, construir sobre o lago uma "ponte japonesa", inspirado pelas ilustrações de Hokusai. Monet pintou mais de 86 versões da ponte japonesa em Giverny.

Um pedaço da ponte japonesa em meio ao exuberante jardim de Giverny... paisagem de sonho! - Foto: acervo pessoal

C. Monet - "O Lago das Ninfeias" (1899) - Musée d'Orsay

C. Monet - "O jardim do artista em Giverny" (1900) - Musée d'Orsay

A década de 90 também foi caracterizada pela pintura de séries, nas quais o artista retratava as mesmas paisagens ou motivos sob diferentes ângulos, luzes, dias e horários, outra prática dos artistas japoneses que admirava, como Hokusai e Hiroshige. É dessa época as séries dos montes de feno e dos álamos, bem como das catedrais de Rouen. Em 1893, Monet alugou um quarto com vista para essa catedral e produziu 28 telas a partir de três ângulos de visão.

C. Monet - "A catedral de Rouen. O portal e a torre Saint-Romain,
sol a pino "
(1893) - Musée d'Orsay

C. Monet - "A catedral de Rouen. O portal, tempo nublado" (1892)
Musée d'Orsay 

Na aula, o Prof. Brolezzi também relacionou algumas obras de Monet que sofreram nítida influência de Manet, com seus contrastes de preto e branco. Mas isso é assunto para outro post! 

Programe-se: a próxima aula do Prof. Renato Brolezzi no MASP será dia 10/11 e ele abordará Toulouse-Lautrec. Consulte o calendário de aulas em http://masp.art.br/masp2010/servicoeducativo_curso_introdutorio_2012.php