sábado, 25 de agosto de 2012

Lupércio Restaurante. Sente na varanda, comece com um bom vinho e continue como Deus quiser.

Posso dizer que o Lupércio, restaurante com pinta de bar numa esquina da Al. Ministro Rocha Azevedo, está no meu "caminho da roça", pois invariavelmente passo por lá para chegar a vários lugares que costumo frequentar. Até então, eu ficava "namorando" o local, que me parecia extremamente agradável e arejado com sua varanda acima do nível do chão, sempre com várias pessoas acomodadas às mesas – tanto no almoço quanto no jantar.

A esquina que chamou minha atenção - Foto: www.seurestaurante.com.br

Foto: Simone Catto

Até que fui conhecer a casa e, felizmente, consegui mesa na varanda. A noite estava gostosa, nem parecia inverno. Resolvi acompanhar uma amiga no Mouton Cadet, um Bordeaux branco frutado de sabor extremamente delicado (R$ 108,00) produzido pela maison Baron Philippe de Rothschild, lendária pela qualidade de seus vinhos. A carta de vinhos, aliás, é um dos pontos fortes do lugar.


O restaurante tem um ar meio rústico, com tijolos à vista na fachada e em algumas paredes internas. Na verdade, são duas varandas com teto retrátil e espaço para 50 pessoas. Tudo bem arejado. Graças às amplas janelas que circundam a casa, do lado de fora é possível avistar o ambiente interno, que deve ser agradável nos dias frios.

Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

O salão tem ladrilhos hidráulicos e alguns elementos decorativos vintage. Consta que no teto principal estão penduradas 50 mil rolhas de vinho (será que alguém contou??) que, além de tornarem o espaço mais charmoso e aconchegante, contribuem para melhorar a acústica.

Foto: Simone Catto

Repare no piso de ladrilhos hidráulicos e nas rolhas do teto: solução interessante! - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

Como estávamos mais a fim de bebericar e petiscar do que de jantar, optamos por alguns "spuntini" (lanches/porções) para acompanharem nosso vinho. Pedimos uma porção de Bruschettas de Cogumelos Trufados e Grana Padano (grana padano é um queijo do norte da Itália, de consistência dura, feito com leite cru de vaca) (R$ 21,00) e a Focaccia stirata in mano com recheio de tomate, manjericão e pecorino (R$ 25,00). A Focaccia vem cortada em delicadas fatias, o que facilita nossa degustação. Ambas as porções estavam saborosas.

Bruschettas de Cogumelos Trufados e Grana Padano: deliciosas! - Foto: Simone Catto

Focaccia com recheio de tomate, manjericão e pecorino, superleve - Foto: Simone Catto

Como a conversa estava ótima e o vinho também, eu ainda pedi uma Terrine de Campagne (patê de carnes diversas, picadas e temperadas, acompanha mostarda de Cremona e salada verde) com uma cesta de pães (R$ 30,00), pois sempre gosto de comer alguma coisa enquanto bebo. Aliás, estava com saudades das terrines, um prato que me conquistou já na adolescência, na época em que eu ainda estudava francês e comecei a frequentar as festas do Consulado.

Por falar nisso, parece-me que o chef do Lupércio, Thiago Saldiva, é muito jovem, mas já passou por estrelados restaurantes franceses, como o L’Arpège e La Table de Joël Robuchon.

A Terrine de Campagne com pães fresquinhos... nham, adoro! - Foto: Simone Catto

Aproveite que o frio deu uma trégua e apareça no Lupércio! O endereço é Al. Ministro Rocha Azevedo, 1373 – tel.: 3062-6644 - www.luperciorestaurante.com.br. Abre de segunda a quinta e domingo das 12h às 24h, e sextas e sábados das 12h à 1h. 

Uma dica: o blog do Arnaldo Lorençato, um dos mais conceituados críticos gastronômicos do país, divulgou recentemente o cardápio completo do Lupércio com os preços de todos os pratos e vinhos. Acesse:

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Quando a fé é a serpente: 'Aqui Embaixo', um filme do Festival Varilux de Cinema Francês.

Estamos em 1919. Uma garotinha de expressivos olhos azuis brinca com a irmã em um cenário bucólico da comuna de Bergerac, em Dordogne. O pároco da região chega para uma visita e a garotinha o observa, enlevada, atirando-se para receber seu abraço. Após beijar o crucifixo do religioso, a menina lhe pede uma das imagens que estão entre as páginas de sua Bíblia – provavelmente, a imagem de algum santo. Aí já se prenuncia a vocação religiosa da garota. Seu nome é Luce. E o filme chama-se Aqui Embaixo (Ici-bas, 1h40', 2012), dirigido por Jean-Pierre Denis.


Salto para 1943. Luce (Céline Sallette) agora é uma jovem freira, enfermeira, e cuida dos feridos em um hospital de Périgueux, sob a ocupação alemã, na II Guerra Mundial. É uma religiosa exemplar, devotada e detentora de uma fé inabalável. Até que, certo dia, é chamada pelo doutor para cuidar de um capelão ferido – seu nome é Martial (Eric Caravaca). O homem, que faz parte da resistência francesa, tem sua fé abalada e está fortemente inclinado a abandonar a vida religiosa. Por algum motivo misterioso, Irmã Luce sente-se atraída por esse paciente, algo que nunca havia lhe acontecido antes. Sem entender direito o que está havendo, a freira tenta lutar contra esse sentimento com todas as forças, mas é em vão. O capelão recupera a saúde, mas em nenhum momento dá sinais de reciprocidade em relação ao amor de Luce.


Pouco depois, Martial é chamado por seus camaradas da resistência para uma missão em Bergerac. Ao mesmo tempo, a madre superiora, preocupada com o ar distante e disperso de sua pupila, concede-lhe três dias de licença para que possa descansar e rever sua família em... Bergerac. Luce interpreta essa coincidência geográfica como um sinal divino de que seu sentimento teria eco e que deveria ir atrás de seu amor. Só que, muitas vezes, aquilo que interpretamos como "sinal divino" ou "conspiração do universo" – Jung que me perdoe! - nada mais é do que uma simples coincidência ou o próprio universo nos pregando uma peça.

Luce vai atrás do homem e, como seria de se esperar, não recebe nenhuma palavra, nenhum gesto de carinho, nenhum sinal de amor. Na crença cega de sua fé, no entanto, é incapaz de enxergar a gélida indiferença de Martial. O homem chega a lhe afirmar que ela não deveria esperar nada dele, mas, mesmo assim, num ímpeto bestial de extrema brutalidade, praticamente estupra a freira. Tira sua virgindade de repente, sem seu consentimento, a seco, do nada. Luce, por sua vez, continua a acreditar piamente que uma espécie de "amor" os une e que estão predestinados um ao outro. Contra todas as evidências, acredita que o homem possa vir a amá-la simplesmente porque ELA é capaz de amá-lo verdadeiramente. E assim a mulher vai se autoludibriando, recusando-se a enxergar a verdade. É de partir o coração.

Irmã Luce (Céline Sallette) e Martial (Eric Caravaca).

Uma vez que esse sentimento vai contra os dogmas de sua vocação religiosa, Luce acaba por abandonar o convento e suas Irmãs para ir atrás do homem. Ao chegar até onde ele está, subitamente o vê através de uma vidraça, num gesto de carinho que prenuncia um ato de amor para com uma de suas companheiras da resistência. Chocada, ferida e destruída em suas convicções, a freira sente-se abandonada pelos homens e, o que é pior, traída por seu Deus, precipitando-se para a autodestruição.

Exibido no Festival Varilux de Cinema Francês, Aqui Embaixo é um filme perturbador. Sim, porque a humanidade tem fé. Aliás, eu diria que a humanidade "precisa" ter fé para suportar sua existência. Fé em Deus, em alguma crença, em algo superior. E incomoda profundamente constatar que a fé pode facilmente perder a razão, sobretudo se essa perda for vivenciada por uma religiosa tão segura de suas convicções e de sua vocação. Irmã Luce era uma criatura pura, genuinamente boa, devotada a Deus e a fazer o bem. Nunca havia experimentado o amor de um homem. Não pertencia a esse mundo. Porém, por alguma razão, julgou que o novo sentimento que passou subitamente a nutrir por um desconhecido fosse esse tal "amor". No entanto, a freira mal conhecia o homem. Com base em que julgou amá-lo e ser amada, a não ser por sua fantasia?


Esse filme me levou a refletir sobre a tendência que certas pessoas têm de idealizar um amor, um sentimento e, sobretudo, uma outra pessoa, muitas vezes sem sequer conhecê-la direito. Posso até estar errada, mas eu tenho, cá comigo, que o amor é um sentimento muito simples. Não vem acompanhado de sofrimento. Amor se sente, se reconhece e, sobretudo, não provoca dor nem tormento. Amor de verdade traz paz de espírito, alegria e, sobretudo, aquela sensação aconchegante de nunca estarmos sozinhos, de sabermos que o outro sempre estará lá para compartilhar conosco os momentos bons e de nos consolar naqueles que não são tão bons assim. Nada a ver com aquilo que Irmã Luce julgou sentir no filme. Amor verdadeiro existe? Sim, claro que existe! Mas está longe das falsas ilusões ou fantasias. O amor verdadeiro é 'pé-no-chão' e deliciosamente real.

AQUI EMBAIXO é um filme dramático, bem construído, e a atriz Céline Sallette é simplesmente maravilhosa em sua interpretação de Irmã Luce. O filme faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês e, se você quiser conferir, a próxima (e última) exibição será no Cine Livraria Cultura, dia 23/8 (quinta-feira), às 13h30. O horário é ingrato, mas vale a pena dar uma escapada no almoço!

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

'A Carruagem Fantasma'. Uma obra-prima de terror e fantasia na V Jornada Brasileira de Cinema Silencioso.

Um assombro. É o mínimo que se poderia dizer do filme A Carruagem Fantasma, do diretor e ator sueco Victor Sjöström, projetado na VI Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, na Cinemateca Brasileira. Esse filme faz parte do módulo Luzes e Sombras, que reúne produções de diferentes nacionalidades e clássicos do cinema expressionista marcados pelo radicalismo plástico de suas imagens. O tratamento estilizado da luz e dos cenários, associado ao uso da fantasia e de atmosferas lúgubres, produziu obras-primas que até hoje hipnotizam o espectador com sua aura de mistério e magia.

Baseado na obra da escritora sueca Selma Lagerlöff (1858-1940), A Carruagem Fantasma (106’), de 1921, mostra três bêbados conversando no cemitério, às vésperas do Ano-Novo. Em determinado momento, um deles narra uma lenda segundo a qual a última pessoa a morrer no ano, ao toque das doze badaladas, teria de conduzir a carruagem fantasma que passa recolhendo as almas dos mortos.


Um dos bêbados chama-se David Holm. Interpretado pelo próprio diretor Sjöström, é um homem perverso, frio e insensível. Ao mesmo tempo, vemos a jovem Edit, do Exército da Salvação, em seu leito de morte. Edit, tuberculosa, tem um último desejo: ver David Holm. O homem se recusa e, numa briga com os companheiros, no cemitério, é atingido mortalmente por uma garrafa. A carruagem da morte passa para resgatar sua alma e, a partir daí, o filme mostra uma sucessão de flashbacks que revelam por que a jovem deseja sua presença. Vemos, então, todas as tentativas da moça para ajudá-lo e 'salvar sua alma' e as consequências que a perversidade do forasteiro teve sobre as vidas das pessoas que o amavam. Assim, é abordada uma série de questões morais e filosóficas, como a escolha que cada um pode fazer entre o certo e o errado, o pecado, o vício, a reincidência, a possibilidade de redenção e a existência de vida após a morte.

O cocheiro da morte passa para resgatar a alma de Edit.

David Holm reconhece, no cocheiro da morte, um amigo que havia morrido no Réveilon anterior e que tenta convencê-lo 
a visitar Edit. 

David Holm, em primeiro plano, era um homem dissoluto e entregue ao vício.

As jovens Edit e Maria, do Exército da Salvação, tentam ajudar o homem e conduzi-lo ao bom caminho.

A pobre Sra. Holm caiu em desgraça pelas maldades do marido.

O filme é repleto de efeitos especiais hoje considerados primários, mas que, àquela época, significaram uma verdadeira revolução na linguagem cinematográfica. Um exemplo é a cena em que o cocheiro da morte vai recolher a alma de um homem prestes a se afogar e a carruagem anda sobre o mar. Podemos citar, também, as cenas em que as almas dos mortos atravessam paredes.

David Holm e o cocheiro finalmente chegam à casa de Edit.

Selma Lagerlöff era uma bela moça.
A autora da obra, Selma Lagerlöff, foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, no ano de 1909. Consta que, desde a infância, possuía um problema na perna que a impedia de andar e brincar como as outras crianças, fazendo com que mergulhasse mais e mais nos livros. Assim, Selma cresceu cercada pelas lendas escandinavas, com seus fantasmas, gnomos e seres fantásticos e desenvolveu uma imaginação fértil que muito enriqueceu sua obra e, mais tarde, contribuiu para torná-la uma grande escritora. É possível associar sua deficiência física a uma situação recorrente no filme: toda vez que se aproxima de um cadáver para recolher sua alma, o cocheiro da morte ordena: - "Liberta-te deste corpo que te aprisiona!". Ao inserir essa fala em sua obra, é como se Selma também tivesse se sentido "aprisionada" em seu corpo, na infância, pela impossibilidade de andar.

Algumas curiosidades também cercam a produção. Uma delas é que o diretor, Victor Sjöström, teria supostamente viajado até a casa de Selma Lagerlöff e atuado toda a obra à sua frente para obter a aprovação da autora, antes de cair exausto num sofá. Além disso, consta que ele se disfarçou de pobre e ficou um tempo em favelas de Estocolmo para se preparar para o filme, embora, cá entre nós, seja difícil imaginar a existência de favelas em Estocolmo!

O elenco é formado por Victor Sjöström (David Holm), Astrid Holm (Edit), Hilda Borgström (Sra. Holm) e Lisa Lundholm (Maria, colega de Edit no Exército da Salvação), entre outros. A fotografia, fantástica, é de Julius Jaenzon.

“Deus, deixe que minha alma amadureça antes de recolhê-la!” (Texto recorrente na obra)

O filme A CARRUAGEM FANTASMA não será mais exibido, mas muitos outros filmes interessantes do módulo 'Luz e Sombras' poderão ser conferidos na V JORNADA BRASILEIRA DE CINEMA SILENCIOSO. Consulte a programação em www.cinemateca.gov.brlembrando que a entrada é gratuita. A Cinemateca Brasileira fica no Largo Senador Raul Cardoso, V. Clementino – tel.: 3512-6111.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

VI Jornada Brasileira de Cinema Silencioso. Sessões cult e festa na Cinemateca.

O astral da Cinemateca Brasileira está over the rainbow. Sábado fui à abertura da VI Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, que vai até o próximo domingo (19 de agosto) com várias atrações interessantes, todas gratuitas. Eu é que não ia perder!

Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

Foto: João Heitor Filosi

Além da exibição de vários filmes do cinema mudo, alguns com acompanhamento musical ao vivo, a Jornada montou no local uma espécie de "feira" nos fins de semana com números artísticos ao ar livre, apresentações circenses e várias tendas fechadas com atrações bizarras do tipo que costumava atrair a curiosidade das massas no final do século XIX e início do século XX. Estão lá a 'vidente', o 'homem-cachorro', a 'mulher barbada' e outras. 

As tendas de "bizarrices" atraíram a criançada - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

Thiago Cintra faz pose com seus malabares, pouco depois da abertura - Foto: Simone Catto

O homem-fogo cria mandalas pirotécnicas! - Foto: João Heitor Filosi

Foto: Simone Catto

Essa "Vênus" existiu mesmo! Era uma dançarina sul-africana chamada Saartije Baartman, nascida em 1789 e morta em 1815. 
Foi exposta em várias feiras da Europa, em razão de suas formas físicas ditas "exóticas". Em suma: a "Mulher-Melancia" da época, só que sem silicone! - Foto: Simone Catto 

Para quem não conhece, o espaço da Cinemateca é extremamente agradável, muito amplo, cool e com bastante área verde. Adoro a energia de lá.

A moçada gostou - Foto: João Heitor Filosi

Quando cheguei, havia uma banda de senhorzinhos de vermelho se apresentado no pátio. Não fiquei ouvindo porque queria assistir à primeira sessão de cinema da Jornada, um filme russo de 1927 chamado A Menina com Chapéu, do diretor Boris Barnet. Dizia-se que a atriz principal, uma bela garota chamada Anna Sten, seria a ‘Nova Garbo’, mas, devido ao crescente distanciamento entre os Estados Unidos e os soviéticos, a atriz acabou permanecendo na Rússia e não fez tanto sucesso quanto poderia.

A russa Anna Sten, supergraciosa com sua 'Natacha'.

Segundo a apresentação da Cinemateca, "A experiência da Revolução Russa em 1917 suscitou inúmeras respostas artísticas para os acontecimentos que se desenrolavam no plano concreto da História. Além das celebradas produções de mestres de vanguarda, como Serguei Eisenstein e Dziga Vertov, já conhecidos do público, cineastas russos também incursionaram por gêneros como o western, a comédia, o folhetim, o épico ou o filme de aventura, dispostos a lidar com a nova experiência social da revolução e com o desafio de representar as massas através da linguagem cinematográfica".

Em A Menina com Chapéu, Anna Sten interpreta Natacha, uma jovem simples que mora com o avô numa província e confecciona chapéus em casa. Todos os dias ela sai na neve e pega o trem para Moscou com uma caixa de chapéus para levar à loja de Madame Irene, uma mulher comicamente feia casada com um homenzinho interesseiro. Espécie de comédia romântica, o filme é um tanto simplista e deixa vários "fios soltos" no roteiro, segundo os critérios de hoje, mas isso também acaba contribuindo para sua graça como um registro de época. Há algumas cenas francamente hilárias, sobretudo aquelas que mostram as trapalhadas dos admiradores de Natacha.

'Natacha' e seu vovô.

Esse filme não teve acompanhamento musical ao vivo e nem trilha sonora - era mesmo absolutamente "silencioso", e confesso que estranhei um bocado. Já que a transmissão dos filmes mudos era sempre acompanhada de música, achei que deveria haver uma trilha de fundo - no caso, os exibidores deveriam ter feito uma pesquisa das trilhas usadas à época na Rússia e escolhido uma adequada para inserir no filme. Realmente aquele silêncio absoluto fica muito esquisito, já que nem na década de 20 era assim.

Quando o filme terminou, fui para o pátio e estava havendo uma apresentação muito legal de trapézio. O local estava cheio. Havia famílias do bairro, crianças, um pessoal descolado, estudantes de cinema, gente das artes e da comunicação. Então vi várias pessoas circulando com copos de cerveja e latas de refrigerante, e outras estavam com saquinhos de pipoca. Ao procurar de onde vinha aquilo, vi que, no outro pátio, havia umas barraquinhas com uns rapazes atenciosos distribuindo três tipos de minissanduíches e bebidas. Mais adiante, estava um carrinho com pipoca doce e salgada. No dia da abertura, as comidinhas e a bebida eram cortesia. Pedi um sanduíche de mortadela e queijo na ciabatta, tomei um Guaraná Zero e, para arrematar, comi uma pipoca doce. Achei bem simpático. Aliás, tudo o que está sendo exibido e oferecido na VI Jornada é de ótima qualidade.

As atrações ao ar livre serão apresentadas no próximo sábado e no domingo, das 16h às 22h, mas todos os dias há projeções de filmes. Lembrando, novamente, que essa programação é gratuita.

O trapezista agradou ao pessoal - Foto: Simone Catto 

Foto: João Heitor Filosi 

O clima da abertura era de quermesse! - Foto: Simone Catto

Além de exibir verdadeiras obras-primas do cinema mudo, a V JORNADA DO CINEMA SILENCIOSO merece sua visita pelas atrações e pelo astral. Se você mora nas imediações da Vila Mariana, não deixe de conferir! Acesse www.cinemateca.gov.br/jornada/2012/index.html e dê uma olhada nos filmes e atrações. A Cinemateca fica no Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Clementino. Tel.: 3223-3966.

domingo, 12 de agosto de 2012

Jasper Johns, no Instituto Tomie Ohtake. A crítica diz que é imperdível.

Confesso que pouco conhecia da obra de Jasper Johns (1930 – Georgia, EUA). Naturalmente, já havia ouvido falar muito nele e desde minha adolescência sabia que era um dos precursores da pop-art. Agora parte de sua obra, setenta peças gráficas produzidas a partir de 1960, estão na exposição Jasper Johns - Pares Trios Álbuns, no Instituto Tomie Ohtake. Fui conferir.

Foto: Simone Catto

Bandeira, 1967 - litogravura - prova do impressor 3 

Com curadoria de Bill Goldston, a mostra reúne experiências de Johns com a litogravura, a gravura em metal e a serigrafia. Nelas vemos símbolos populares e objetos banais, como bandeiras, alvos, fotografias e mapas, além de números e letras inseridos em novos contextos. A ideia do artista era observar as coisas vulgares sob um novo ângulo, um novo ponto de vista. Aliás, a esse respeito ele certa vez afirmou que "A melhor crítica de uma figura é outra figura". Em algumas obras, certos objetos possuem texturas que parecem reais e outros parecem saltar da tela - como o braço na gravura abaixo, por exemplo.

Armadilha, 1971 - litogravura com recorte e vinco - edição 55

Segundo os historiadores, as gravuras da mostra foram criadas logo após o ano de 1958, no qual o artista teria feito uma histórica exposição individual de pintura decisiva para a pop-art na Leo Castelli Gallery, em Nova York, e a coletiva "16 Americans", no MoMA, em 1959.

No início dos anos 60, Johns fazia parte de um grupo responsável pela efervescente produção artística nova-iorquina, convivendo, trocando ideias e trabalhando com outros ícones da cena cultural, como o bailarino e coreógrafo Merce Cunningham, o compositor John Cage e Robert Rauschenberg, um representante da pop-art que chegou até a ser seu vizinho.

Sem Título (Secundárias e Primárias, 1991 - gravura em metal prova do impressor 2

Johns participou das edições 3, 4, 5 e 6 da Documenta de Kassel, uma das mais importantes feiras de arte do mundo, e em 1988 sua obra em pintura foi premiada na Bienal de Veneza. Em 1989, tornou-se membro honorário da Royal Academy em Londres. O MoMA, em Nova York, realizou uma grande retrospectiva de sua obra em 1996. Atualmente, o artista, que está com 82 anos, vive e trabalha em Nova York.

Sem Título, 1999 - gravura em metal - edição 50

Compreendo que, indiscutivelmente, Jasper Johns deve ter tido sua parcela de importância numa época em que o "culto ao pop" começava a ganhar cada vez mais corpo nos Estados Unidos. Porém, em termos de gosto pessoal, tenho que dizer que essas gravuras não fazem meu gênero. Respeito, naturalmente, mas não gosto. Se for para falar de pop-art, prefiro Lichtenstein e Wahrol. Enfim, gosto é gosto. E cada um tem o seu.

Depois de visitar a exposição, fui tomar um café especial no Santinho, o restaurante da chef Morena Leite localizado no grande hall do Instituto Tomie Ohtake. O café veio com três mimosas colherinhas contendo três pastas doces diferentes: capim santo, castanha-do-pará e chocolate. Estavam deliciosas. Bem espaçoso e agradável, o restaurante tinha um número razoável de clientes. Havia uma senhora, inclusive, que estava comemorando seu aniversário com um grupo de familiares e amigos. O atendimento é gentil. Desta vez fiquei só no café, mas pretendo voltar outro dia para almoçar.

O café com as colherinhas de doce, um mimo! - Foto: Simone Catto

O restaurante Santinho é cool, gostei do espaço - Foto: Simone Catto

Se você quiser conferir se o seu gosto "bate" com o meu, dê um pulo no Instituto Tomie Ohtake, veja a exposição de Johns e diga o que achou. A mostra vai até 26 de agosto. Aproveite, também, para almoçar no Santinho. O endereço é Av. Faria Lima, 201, mas a entrada do estacionamento é pela Rua Coropés. Horário: de terça a domingo, das 11h às 20h, com entrada franca. www.institutotomieohtake.org.br

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

'Elles'. A temática e Juliette Binoche mereciam filme melhor.

No fim de semana fui assistir ao filme Elles, com a maravilhosa Juliette Binoche (nunca me esqueço de sua atuação em 'A Insustentável Leveza do Ser', filme de Philip Kaufman produzido há mais de vinte anos em que ela contracena com Daniel Day-Lewis e que é ambientado em Praga, uma das cidades mais lindas que já vi). Coprodução entre França, Polônia e Alemanha, Elles é dirigido pela polonesa Malgorzata Szumowska. 


O ponto de partida do filme é interessante. Binoche interpreta Anne, uma jornalista de classe média alta que trabalha para a revista Elle e prepara uma matéria sobre garotas de programa em Paris. Ao sair à coleta de depoimentos, Anne chega a duas moças: Alicja e Charlotte. Alicja (Joanna Kulig) é uma jovem imigrante polonesa que não sente nenhuma culpa ou pudor em vender o corpo diante do conforto material que a atividade lhe proporciona – atividade que tenta esconder de sua mãe na Polônia. Charlotte (Anaïs Demoustier), por sua vez, é uma estudante que disfarça sua verdadeira profissão com um emprego de meio-período no comércio, para enganar o namorado e os pais.

A polonesa, despudorada, faz um jogo de sedução com a entrevistadora.

Alicja é mais cínica e desbocada, uma menina expatriada que, por algum motivo que não sabemos, não nutre ilusões a respeito da vida. Já Charlotte é mais sensível, vive com a família, estuda, enfim – é do tipo que nos leva a concluir que a única razão pela qual tenha enveredado pelo caminho da prostituição é a facilidade de ganhar muito dinheiro, e rápido.

Anne entrevista Charlotte, uma estudante aparentemente como qualquer outra.

Paralelamente a essas duas histórias, entramos também na casa de Anne, mulher casada com dois filhos – um adolescente e outro ainda criança. O marido, executivo bem-sucedido, é visto o tempo todo no celular e não lhe dá atenção. O filho mais velho parece não estar nem aí para nada além de fumar um 'baseado'. O pequenininho é o único que demonstra algum carinho pela mãe. Vemos a jornalista desdobrando-se como profissional, dona de casa e mãe (lembrando que, na França, as mulheres não têm empregadas como aqui e são obrigadas a fazer tudo sozinhas). Anne é infeliz. Aparentemente, a única coisa que parece dar um sentido à sua vida naquele momento é o mergulho no mundo de suas entrevistadas para redigir sua matéria.


O fato é que, no decorrer do filme, ficamos o tempo todo com a sensação de que o universo e o sentimentos que permeiam essas histórias ficam só na superfície. Tanto a vida das meninas quanto a da jornalista foram subexploradas, podendo ter rendido diálogos mais ricos, nuances mais sutis, situações com um grau bem maior de complexidade. Para mim, Juliette Binoche, com sua interpretação soberba, foi desperdiçada nesse filme, que é bem fraco. De qualquer maneira, valeu a pena assistir para conferir. A quem interessar, está passando no Reserva Cultural, no Espaço Unibanco Augusta e no Lumière Playarte. 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Festival do Curry no Cantaloup. Um verdadeiro nirvana para o paladar.

Na semana passada, fui convidada a conferir o Festival do Curry no Cantaloup, um dos restaurantes mais cosmopolitas da cidade. Tive pelo menos três razões para aceitar correndo o convite. Primeira: ele veio de gente muito querida. Segunda: adoro curry. E terceira: o Cantaloup é conhecido pela qualidade de sua magnífica cozinha, que contempla o melhor da culinária de diferentes nacionalidades.

O meu prato, Lagostim com abacaxi e arroz basmati ao molho de leite de coco e curry: simplesmente dos deuses!
Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

A vista de nossa mesa - Foto: Simone Catto

O curry, na realidade, não é um tempero só: ele é um mix de várias especiarias com sabor acentuado criado na Índia por volta do século XVII, mas, após espalhar-se pelo mundo, sua composição passou a variar de país para país. O curry que conhecemos no Brasil é uma versão mais amena do indiano, que leva coentro, cominho, cúrcuma, gengibre, pimenta-do-reino, cravo, feno-grego, cardamomo, noz-moscada, tamarindo, canela, manjericão e páprica. No Festival, o Cantaloup usou as versões indiana, tailandesa e japonesa do tempero.

Como entrada, optei pelo Camarão ao curry na miniabóbora. Temperado com curry na medida exata, estava delicioso - uma verdadeira iguaria! Como prato principal, escolhi o Lagostim com abacaxi e arroz basmati ao molho de leite de coco e curry. (O arroz basmati é um grão especial que cresce aos pés do Himalaia). Estava divino. Deu para perceber, claramente, as variações de sabor do curry de um prato para outro. Aliás, um detalhe digno de nota é que, apesar do sabor naturalmente pronunciado do tempero, os pratos continuaram extremamente leves. Segredos do chef!

Minha entrada, Camarão ao curry na miniabóbora - Foto: Janaína Vieira

Uma amiga optou, como entrada, pelo Fundo de alcachofra gratinado com sabayon de curry. Ela gostou muito, mas, ao experimentar um tiquinho do camarão na miniabóbora, achou mais gostoso! rs. Os outros pratos principais escolhidos foram a Galinha d’Angola confit com mashed potato ao curry e o Carré de cordeiro com quinoa e favas verdes ao molho de curry. Todo mundo se deliciou.  

O Carré de cordeiro com quinoa e favas verdes ao molho de curry - Foto: Janaína Vieira 

Só para constar: além dos pratos mencionados, o Festival incluiu, ainda, o Rolinho de Pato ao molho de tamarindo e curry, como entrada, e o Mignon de Porco com arroz pilão, castanha de caju e ameixa ao molho de curry como prato principal. 

Dá para imaginar que pratos à base de curry são difíceis de harmonizar com vinhos, mas, como fazia frio e não iríamos dispensar um bom vinho, pedimos a ajuda do sommelier. Ele nos sugeriu o excelente alentejano Dona Maria, que não "brigou" com os pratos - muito pelo contrário, contribuiu para valorizá-los.

O vinho é bom. Anote a safra: 2008 - Foto: Simone Catto

A carta de vinhos montada pelo sócio e enófilo Daniel Sahagoff tem mais de 540 rótulos de treze países diferentes. Aliás, o Cantaloup foi o primeiro restaurante de São Paulo a ter uma adega incorporada ao salão. Hoje é muito comum vermos adegas como um elemento decorativo à vista de todos, mas, anos atrás, isso era novidade. O Cantaloup foi pioneiro e, diga-se de passagem, o efeito fica muito bonito.

Note a adega pioneira ao fundo - Foto: Fernando Moraes

E já que estamos falando no décor, o projeto arquitetônico, de Arthur Casas, é de muito bom gosto. O fato de o espaço ocupar uma antiga fábrica de pães deve explicar o pé direito altíssimo e a amplitude do salão. O lugar, sofisticado, integra materiais naturais e rústicos, tais como madeiras nobres, tijolos de demolição e estruturas de ferro aparente, valorizados por objetos de design. 

Foto: Simone Catto

Logo à entrada, vemos um belo pátio de vidro com teto retrátil que tem uma fonte e uma lareira de pedras vulcânicas para os dias frios. Mesmo assim, acho que esse ambiente fica mais agradável no verão...

A entrada com a lareira de pedras vulcânicas - Foto: Simone Catto

O Festival do Curry terminou domingo, mas o menu do CANTALOUP tem muitas outras delícias que valem a sua visita. Afinal, não é por acaso que o restaurante continue firme e forte há quinze anos, incólume em meio a esse "abre e fecha" de tantas outras casas por aí. Vá lá: Rua Manuel Guedes, 474, Itaim Bibi – Tel.: 3078-3445 - www.cantaloup.com.br.