sábado, 19 de novembro de 2011

Verona, cidade dos amores mais que possíveis.

Não tem jeito: a primeira coisa que vem à cabeça quando ouvimos falar de Verona é a lenda de Romeu e Julieta, de Shakespeare, ambientada nessa cidade da região do Veneto. É fato que, se Verona ganhou fama no mundo inteiro, foi por obra e graça do "bardo", que tão bem traduziu as paixões universais.

Portanto, eu não poderia deixar de conhecer a "Casa di Giuletta", talvez a casa mais famosa, em todo o mundo, a ter abrigado alguém que nunca existiu – no caso, Julieta. Construído no século XIII, o prédio pertenceu por um longo período à família "Dal Cappello" – daí a associação com o sobrenome “Capuletto” e o início da crença popular de que ali tenha morado a mítica heroína de Shakespeare.

Fachada da "Casa di Giulietta" - Foto: Simone Catto

O aspecto atual da casa é resultado de uma radical restauração que foi realizada entre 1936 e 1940, durante a qual foram acrescentadas uma passagem em estilo gótico e o famoso balcão interior.

Interior da casa - Foto: Simone Catto

O balcão de "Julieta" (que não era de Julieta) - Foto: Simone Catto

A estátua de Julieta no jardim, em bronze, foi esculpida por Nereo Costantini. Diz a tradição que devemos colocar a mão em seu seio, para ter sorte no amor. Resultado: o seio direito da pobre Julieta está até desbotado de tanta "pegação"!! rs... repare na foto.

A estátua de Julieta com o seio desbotado - Foto: Simone Catto

Porém, a primeira coisa que avistei ao chegar a Verona não foi o fantasma de Shakespeare (o que teria sido uma honra!) e nem de algum membro da família "Dal Cappello". O que vi primeiro foi a magnífica Arena di Verona, uma edificação impressionante da primeira metade do século I d.C. construída pelos romanos para abrigar lutas de gladiadores – entre si e com animais selvagens, o que, cá entre nós, devia ser um espetáculo medonho. (Qualquer semelhança com as touradas espanholas não são mera coincidência...)  Esses espetáculos atraíam pessoas de várias regiões, muitas vindas de longe. Escavações sob a estrutura revelaram um complexo sistema hidráulico que permitia conduzir água para o interior, possibilitando a limpeza da arena depois das sanguinárias lutas.

A Arena di Verona - Foto: acervo pessoal

Originalmente, o anfiteatro havia sido construído fora dos muros da cidade para facilitar o acesso do público que vinha de outras cidades e também para prevenir brigas e tumultos, já que o espaço comporta cerca de 30.000 pessoas. Aliás, nesse quesito os romanos não eram nada bobos – basta ver o que acontece hoje nos estádios de futebol quando hordas de trogloditas se engalfinham. A civilização não evoluiu muito, não... Só no século III, época das invasões bárbaras, a Arena foi incluída dentro dos muros da cidade para fortalecê-la.

A muralha da cidade - Foto: Simone Catto

A fachada, da qual ainda resta uma pequena porção, era toda feita de grandes blocos de pedra calcárea branca e rosa proveniente da região de Valpolicella. Na Idade Média, vários duelos, combates e torneios foram realizados ali. Depois de um terremoto, em 1117, que quase destruiu o anel exterior, a Arena foi utilizada como pedreira para a construção de outros edifícios. As primeiras restaurações foram feitas no Renascimento, para a encenação de peças teatrais.

A partir de 1913, graças à sua impressionante acústica, a construção ficou famosa pelas magníficas temporadas de ópera – aliás, a Arena de Verona é o maior teatro lírico a céu aberto do mundo. Até que enfim deram à obra uma finalidade digna de sua beleza!
 
E já que cultura nunca é demais, uma curiosidade: o nome "arena", tão popular hoje, deriva de uma alusão à área central das antigas arenas romanas, que eram cobertas de areia - "arena" significa “areia” em latim. Você sabia disso? Eu não!

A Arena integrada à cidade - Foto: Simone Catto

Um dos lugares mais bonitos que visitei em Verona, à noite, foi a Piazza delle Erbe, emoldurada por palácios e edifícios que marcaram sua história. Na época romana, ali ficava o Forum, centro da vida política e econômica da cidade. Repare na cor do céu nas fotos abaixo, é um dos azuis mais bonitos que já vi.

Vista da belíssima Piazza delle Erbe - Foto: acervo pessoal

Piazza delle Erbe com vista parcial da Torre dei Lamberti - Foto: Simone Catto

Até hoje a praça abriga um colorido mercado que vende frutas, bijuterias, lenços, souvenirs, máscaras venezianas, peças de Murano e outros badulaques. 

Vista da praça com o mercado - o céu já estava mais escuro... - Foto: acervo pessoal

Como visitei a cidade perto do Halloween, as abóboras estavam bem visíveis na barraca, à espera do freguês! 

Foto: acervo pessoal

No centro da praça está a fonte da Madonna de Verona, construída em 1368 por um homem chamado Cansignorio. Na verdade, dizem que a escultura da Madonna é do século I e que Cansignorio completou algumas partes que faltavam, sobretudo a cabeça.

Fonte da Madonna di Verona - Foto: acervo pessoal

Abaixo está o Domus Mercatorum ("Casa do Comerciante"), um belo edifício de pedra construído em 1301 por Alberto I della Scala para abrigar o centro de comércio da cidade. Após sofrer inúmeras modificações, no final do século XIX o edifício recobrou sua forma original no estilo românico.

Domus Mercatorum - Foto: Simone Catto

Outra construção que merece atenção é o belíssimo Palazzo Maffei, um edifício em estilo barroco construído em 1668. Repare nos detalhes da fachada, abaixo. A balaustrada, no topo, tem 6 estátuas de divindades da mitologia greco-romana: Hercules, Júpiter, Vênus, Mercúrio, Apolo e Minerva.

Palazzo Maffei - Foto: acervo pessoal

Apesar de termos adorado a Piazza delle Erbe, resolvemos jantar em outra praça famosa, a Piazza Bra, onde fica a Arena. De frente para ela há vários restaurantes muito gostosos, com mesas no largo calçadão, e optamos por uma pizzaria. Fomos atendidos por um casal de jovens supersimpáticos e pedimos vinho e pizza.

Restaurantes em frente à Piazza Bra - Foto: Simone Catto

Este é o vinho que pedimos...

Foto: Simone Catto

Agora repare no tamanho da pizza! Sim, na Itália as pizzas são individuais, ou seja: vieram cinco destas!!! Para quem come no máximo dois pedaços, como eu, isso foi o cúmulo da esbórnia... rsrss. Ainda bem que a massa era fina e o recheio era bom, com funghi, presunto, queijo... rs.
 
Foto: acervo pessoal

Por tudo isso, e muitas outras "cositas mas", Verona é uma cidade linda que merece alguns dias de hospedagem. Fiquei no Hotel Leopardium excelente quatro estrelas com suítes amplas e confortáveis e um delicioso bufê de café da manhã. Apesar de não estar próximo do centro para caminhadas a pé, o hotel fica a poucos minutos de carro. Recomendo!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Capturada num jardim de Mantova.

Quando saí de Firenze rumo a Verona passei por várias cidades, entre elas Bologna, Modena e Mantova. Gostaria de ter parado em todas elas, mas, infelizmente, isso não foi possível porque estava com um grupo de amigos e, neste caso, paradas fora do roteiro exigem certo planejamento.

De qualquer modo, demos uma paradinha em Mantova, cidade onde morou e trabalhou Andrea Mantegna (1431-1506), um dos gênios do Renascimento. Quando entramos na cidade fomos parar numa bela avenida chamada Via Te, conforme vim a saber depois. De repente, deparamos com um parque imenso, bem-cuidado, com um belo portal de entrada. Estacionamos o carro e lá fomos nós.

O parque que me "capturou" - Foto: acervo pessoal

Ao fundo, o portal - Foto: acervo pessoal

O parque era um convite a uma caminhada, a um passeio, a um descanso ou até mesmo à leitura. Aliás, qualquer coisa que se fizesse lá dentro seria prazerosa.  

Repare na menininha brincando no primeiro plano... um privilégio! - Foto: Simone Catto

Na foto abaixo, margeando as árvores do lado esquerdo, há um barzinho com mesas brancas de frente para o parque. Deve ser uma delícia tomar um vinho branco ali no verão!

Foto: Simone Catto

No centro do parque, havia uma construção: o Palazzo del Te. Até então, eu não sabia que palácio era aquele. Agora já sei. Atual Museu Cívico, o palácio foi construído entre 1525 e 1535 por encomenda do duque Federico II Gonzaga, senhor de Mantova, um nobre bon vivant e apaixonado por cavalos. Autêntico exemplar do estilo Maneirista, a construção é a obra mais célebre do arquiteto e pintor Giulio Romano (Roma, 1499 – Mantova, 1546), que foi aluno de Rafael e havia acabado de realizar algumas obras decorativas em villas de Roma. O palácio possui proporções insólitas: é um extenso bloco quadrado, térreo, cuja altura representa cerca de um quarto da largura, e está rodeado pelo parque que tanto me encantou.

O Palazzo del Te - Foto: acervo pessoal

Construído única e exclusivamente para o lazer do duque que sabia aproveitar a vida, o palácio forneceu ao arquiteto uma excelente oportunidade de soltar a fantasia numa profusão de detalhes decorativos e afrescos cheios de imaginação, alguns de forte apelo erótico, executados também por artistas convidados. Terminada a obra, consta que Federico II instalou no local sua amante Isabella Boschetti e promoveu grandes recepções para seus ilustres hóspedes.

A visita aos jardins do palácio, embora breve, me deu vontade de conhecer mais a cidade. Descobri, depois, que há muito para ser ver em Mantova – inclusive a casa onde o mestre Mantegna viveu e trabalhou. Mas isso é para a próxima vez. Por enquanto, saiba mais sobre o Palazzo del Te e a cultura de Mantova em www.cittadimantova.it/it/doc-a-4-1.aspx.

Um totem à entrada do parque lista as atrações da cidade. Organização é isso!
Foto: acervo pessoal

Após seguir viagem, paramos na estrada para almoçar. Aliás, esse é um capítulo à parte. Entre uma cidade e outra, existem vários vilarejos, distritos que nem estão no mapa de tão pequenos. Foi num deles, a caminho de Verona, que descobrimos a Trattoria Ruzzenente (Via Duca degli Abruzzi 5 - Villafranca di Verona), inaugurada em... 1934!

Foto: acervo pessoal

Quando chegamos, só havia homens no local. Já eram quase duas horas da tarde e o restaurante começou a esvaziar, daí concluirmos que era frequentado por trabalhadores da região. Fomos atendidos por uma senhora e uma moça que certamente era sua filha e que prontamente nos apresentou os pratos do dia. Como o nhoque que eu pedi já havia acabado, optei, então, por um fetuccine no azeite com carne moída – no que tive muita sorte, já que meu prato estava uma delícia e a amiga que ficou com o último nhoque do dia não gostou nem um pouco!!! Rs... E para acompanhar, dá-lhe tinto da casa!!

Entrada da Trattoria - Foto: Simone Catto

Simplicidade, boa comida e bom atendimento: perfeito! - Foto: Simone Catto

Diga-se, de passagem, que essas refeições caseiras fora dos grandes centros têm um ótimo custo-benefício, já que come-se muito bem por preços excelentes. E depois de todo mundo satisfeito... pé na estrada! Verona nos esperava.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Lances e relances de Firenze.

Eu diria que uma semana é muito pouco para se conhecer Firenze. São tantos os museus, monumentos e construções históricas que, para a gente sentir de verdade a atmosfera do lugar, ir além da superfície e entender as coisas com um mínimo de profundidade, é preciso ficar mais tempo. Uma vez que praticamente todos os pontos de interesse artístico e turístico da cidade estão fartamente documentados na web, não vou falar deles aqui sob risco de ficar mais repetitiva que loja de souvenir - portanto, nada de Duomo, Uffizi e David de Michelangelo! Vamos a algumas impressões pessoais.

Michelangelo e Da Vinci fizeram escola por aqui. E eu fiz questão de dar minha contribuição para o artista! Foto: Simone Catto

É impressionante a riqueza de detalhes arquitetônicos na cidade. Qualquer casa, construção ou estabelecimento comercial, mesmo os anônimos, isto é – que não estão listados nos guias turísticos -, apresentam algum elemento interessante na arquitetura, por menor que seja. São detalhes que o flâneur de olhar atento (ou nem tanto!) detecta num simples caminhar pelas ruas da cidade. Detalhes como a curiosa maçaneta abaixo. O cidadão abre a porta e, de cara, "agarra" a mulher... rs.

Foto: Simone Catto

Agora veja a esquina na próxima foto. Não me pergunte que prédio é esse, se alguém mora, trabalha ou se diverte aqui. Eu não sei. É simplesmente um edifício florentino que capturei com minha câmera. 

Foto: Simone Catto

É incrível, também, como os italianos gostam de estátuas. Todo jardim ou cantinho tem a sua, o que confere ao lugar um aspecto de calma, ao mesmo tempo nobre e aconchegante.

Note a estátua deste jardim particular que capturei em segredo.

Outra coisa. De uns tempos para cá, ouvi muitos brasileiros que lá estiveram – amigos, parentes - reclamarem da falta de polidez dos italianos para com os turistas. Bem... em nenhum momento, JURO, fui tratada com desrespeito ou falta de educação por algum cidadão da bota. Muito pelo contrário. Sempre fui tratada com gentileza e prontamente atendida quando pedia informações sobre os pratos nos restaurantes ou solicitava algum serviço no hotel. Pode ser que o fato de eu falar um pouco de italiano e abordar as pessoas com educação tenha ajudado, não sei. Pode ser, também, que os italianos vissem com simpatia o fato de eu me esforçar para me expressar na língua deles. O fato é que tive ótimas experiências lá. Ecco.

E por falar em boas experiências, aproveito para indicar o hotel onde me hospedei em Firenze, o Villa Liana (http://www.hotelliana.com/). 

Vista parcial dos fundos do hotel, com seu belo jardim - Foto: Simone Catto

E como bom jardim italiano, o do hotel também tem a sua estátua - Foto: Simone Catto  

Instalado numa mansão que já foi embaixada da Inglaterra, o hotel Villa Liana está num local excelente: perto do Centro Histórico, sem estar nele. Explico. No Centro Histórico, as construções são muito mais antigas e, portanto, bem menores. Além de tudo ser mais apertado, nem sempre a manutenção é lá essas coisas. Daí que muita gente reclama da falta de conforto, e com razão. Por isso, o grande lance é se hospedar fora do centro, mas próximo. Com dez minutos de caminhada, nós já estávamos na praça do Duomo, por exemplo.

Piazza Massimo d'Azeglio, pertinho do hotel. Passávamos por ela todos os dias para ir ao Centro Histórico. Foto: Simone Catto

O hotel Villa Liana tem estilo antigo, quartos amplos e, em sua grande maioria, confortáveis. Confesso que, quando lá cheguei, fui instalada num quarto do jardim, meio frio, e o banheiro era antigo e pequeno. Porém, na mesma noite conversei com os funcionários do hotel e, no dia seguinte, antes do café da manhã, já estava instalada num quarto no interior da casa, mais quente, com um banheiro bem maior e moderno. O staff foi muito prestativo.

O café da manhã também era farto, diferente daquilo que dizem sobre os cafés na Itália. Aliás, o salão onde ele era servido também é muito bonito, confira:

O elegante salão do café da manhã - Foto: acervo pessoal

Detalhe do teto do salão do café - adorei! 
Foto: Simone Catto  

Parte do bufê de café da manhã - repare na beleza do piso! - Foto: acervo pessoal

No dia em que chegamos a Firenze, pedi a um funcionário da recepção uma indicação de restaurante para jantarmos. Ele prontamente nos indicou o Cesarino (Via Giovan Battista Niccolini, 16/r), uma pequenina trattoria nas proximidades, com comida boa e simples, frequentado pelos próprios italianos - o que achamos ótimo. Comi uma massa com funghi porcini que estava leve e deliciosa... 

Foto: Simone Catto

E para acompanhar, o vinho da casa, com o mais
autêntico sabor toscano! - Foto: acervo pessoal


Salut! 

terça-feira, 8 de novembro de 2011

França e Itália: estradas para a civilização.

Em minha longa viagem pelas estradas francesas e italianas, não pude deixar de notar como o Brasil está distante. Não apenas em quilômetros, mas sobretudo em civilidade e desenvolvimento. Para começar, nessas estradas não se vê pobreza nem sujeira. Não há favelas nem casebres empoleirados em morros. Há moradias nas montanhas, sim. Mas são casas grandes, com jardins bem-cuidados, dá gosto de olhar. Além disso, as estradas são seguras – verdadeiros "tapetes", como dizemos por aqui - e bem sinalizadas. Não vi um buraco sequer, mas vi vários telefones de emergência. Sem falar, naturalmente, da beleza de tantas paisagens pelo caminho - não só no sul da França, mas também no trajeto para a Itália e entre as cidades que visitei naquele país: Firenze, Mantova, Verona, Padova, Treviso e VeneziaVoilà la civilization...

Nas estradas da Provence avistamos os campos de lavanda. No verão, estarão todos tingidos de violeta. Espetáculo!
Foto: acervo pessoal

A caminho de Verona, na Itália - Foto: acervo pessoal

Na estrada, uma paisagem me tocou particularmente. Ainda na França, no caminho de Moustiers Sainte-Marie para Aix-en-Provence, contornamos todo o Lago de Sainte-Croix. Com 10 km de extensão e um máximo de 3 km de largura, é um belíssimo lago artificial criado no início da década de 70 para gerar energia elétrica e que também virou atração turística – lá as pessoas podem nadar e praticar esportes náuticos. Sim, nos países desenvolvidos, quando a natureza não contribui para produzir energia, os governantes RESOLVEM o problema. Neste caso, não apenas resolveram como deixaram a paisagem da Provence ainda mais deslumbrante.

Lac de Sainte-Croix  - Foto: Simone Catto 

Se aquilo foi mesmo criado pelas mãos do homem, ele deve ter sido tocado pelas mãos de Deus para fazer algo tão lindo.

A imensidão do lago é um convite à prática de esportes náuticos - Foto: Simone Catto

Affff.... até agora tô passé composé com tanta beleza.

Foto: acervo pessoal

Da estrada dava para avistar alguns lugarejos à beira do lago, perdidos no meio do nada. Não me hospedei em nenhum deles, mas com toda certeza devem ser lugares maravilhosos para se passar as férias e descansar. Quem sabe um dia?

O lugarejo de Sainte-Croix du Verdon, às margens do lago - Foto: Simone Catto

Bouduen, outra vilinha abraçada pelo lago de Sainte-Croix - Foto: acervo pessoal

De Aix-en-Provence até Firenze foram mais de sete horas de viagem, de carro, pela estrada que margeia a costa. É claro que fizemos algumas paradas estratégicas, para descansar um pouco e almoçar.

E por falar em almoço, fiz algo que há tempos não fazia e que me dava saudades: um autêntico piquenique!!! Sim, na França e na Itália – pelo menos por onde passei - qualquer pessoa pode parar na estrada para fazer uma refeição sem ser importunada. Em alguns lugares há até mesinhas e bancos de madeira próprios para isso. Foi num desses lugares mágicos que eu e meus amigos paramos para fazer nosso lanche, em algum ponto perto dos lugarejos de Albenga e Loano, já na Itália. Era um jardim imenso, agradável, com mesas espalhadas aqui e ali. Havíamos levado pães, queijos, frios, patês, biscoitos, água e sucos, o que foi mais do que suficiente para saciar nosso apetite. Depois de nos refrescarmos no toalete à beira da estrada, seguimos viagem para Firenze. Mas isso é assunto para o próximo post.

sábado, 5 de novembro de 2011

Aix-en-Provence. Arte e cultura direto da fonte.

Uma das coisas mais incríveis do sul da França é a variedade de perfis de suas cidades. Quando cheguei a Aix-en-Provence, logo notei que se tratava de uma cidade bem maior que as outras da região. De fato, Aix possui cerca de 146.000 habitantes e, à medida que eu começava a descobri-la, ia ficando mais e mais impressionada com a riqueza de sua arte, história e arquitetura.

Não é para menos. Com mais de 2.000 anos de existência, Aix-en-Provence teve tempo mais do que suficiente para acumular um legado invejável. Some-se a isso uma sequência de boas administrações (algo que, diga-se de passagem, parece que levará pelo menos mais uns 500 anos para chegar aqui!), e pronto. Eis o segredo dessa cidade que integra o antigo e o novo na mais perfeita harmonia.

Vista da Cours Mirabeau - Foto: Simone Catto

Esquina da rue de Saporta com rue de Littera, Cidade Velha
Foto: Simone Catto

Aix-en-Provence nasceu no ano 122 a.C., quando os romanos abandonaram o planalto de Entremont para se fixarem na cidade, atraídos pela água generosa e abundante que brotava por sob suas terras. A partir daí, começou a se desenvolver como centro urbano e spa. Com a expansão do Cristianismo, Aix tornou-se diocese no século V e, posteriormente, sede do Arcebispado, tornando-se a capital da região.

Há tantas coisas interessantes para se ver na cidade, que seria insano listá-las todas aqui. Uma caminhada pela charmosa Cidade Velha revela, em cada esquina e cada ruazinha, um novo segredo e um pouco da história do lugar. Vamos a alguns deles.

A Torre do Relógio, antigo campanário da cidade e símbolo do poder comunal, foi erguida em 1510 e abriga um relógio astronômico de 1661 que possui quatro estátuas de madeira, cada uma representando uma estação do ano. A Torre do relógio é mesmo uma obra de arte e lembra algumas construções da cidade de Praga. Confira:

Torre do Relógio - Foto: Simone Catto

Hôtel de Ville (Prefeitura) foi instalado no século XIV aos pés da Torre do Relógio e sua fachada italiana foi construída entre 1655 e 1678 por Pierre Pavillon. Aposto que os funcionários da Prefeitura de Aix almoçam nos cafés da praça ou, pelo menos, dão uma parada estratégica por ali depois do expediente!

Place de la Mairie, com o Hôtel de Ville ao fundo - Foto: acervo pessoal

A fonte do Hôtel de Ville, esculpida no século XVIII por Chastel, possui quatro curiosas carrancas que cospem água, bem como uma coluna ao estilo romano no centro.  

Fonte do Hôtel de Ville - Foto: acervo pessoal

O antigo Palácio dos Arcebispos de Aix-en-Provence, localizado na atual place des Martyrs de la Résistance, mostra todo o poder político e religioso desses verdadeiros "príncipes" eclesiásticos, que faziam questão de habitar residências dignas de sua posição. Os prédios atuais foram erigidos entre 1650 e 1730, e o portal é atribuído ao escultor Toro. No primeiro andar, fica o Museu das Tapeçarias. Desde 1948, a praça do Palácio dos Arcebispos abriga as principais apresentações do Festival de Arte Lírica, realizado todo mês de julho.  

Palácio do Arcebispado - Foto: acervo pessoal

Na Place de l'Université funciona o Instituto de Estudos Políticos (IEP), que substituiu a antiga faculdade de Direito de 1409 e foi reconstruído em 1734 por Georges Vallon.

O IEP, na Place de l"Université - Foto: acervo pessoal

Local verdadeiramente mágico, a Place d’Albertas nasceu em 1745 por obra e capricho do riquíssimo marquês Jean Baptiste d’Albertas, que demoliu as casas em frente a seu palácio. Com decoração rococó, a praça é obra dos Vallon – pai e filho, que se inspiraram na moda das praças reais parisienses. A fonte no centro foi construída posteriormente, em 1912.

A Place d'Albertas, com sua fonte - Foto: Simone Catto

Quem vai a Aix não pode deixar de experimentar os calissons, deliciosos docinhos de amêndoas e frutas em formato de losango, típicos da região. Ainda na cidade velha, na rua Gaston de Saporta, há uma charmosa lojinha onde comprei os saborosos 'calissons du Roy René', batizados em homenagem ao rei mais querido da Provence. Ficam perfeitos acompanhados de um café!

Os calissons, uma tentação provençal - Foto: Simone Catto

Entrada da loja de 'calissons du Roy René' - Foto: acervo pessoal

Principal artéria de Aix-en-Provence, a Cours Mirabeau foi aberta no século XVII no lugar das antigas muralhas da cidade. As famílias mais importantes da nobreza construíram no local elegantes residências e, não raro, ostentavam seu poder com fachadas ricamente decoradas e lindos jardins.

Turistas e aixois se deliciam nos cafés da Cours Mirabeau - Foto: acervo pessoal

A Cours Mirabeau abriga diversas fontes, entre elas a Fontaine des Neuf Canons. Construída em 1691 por Laurent Vallon, ela substituiu um antigo bebedouro que servia aos rebanhos antes da construção do boulevard e tem algumas esculturas que não conseguimos enxergar devido à vegetação que tomou conta de tudo.

Fontaine des Neuf Canons - Foto: Simone Catto

Numa ponta da Cours Mirabeau está a Fontaine du Roi René, desenhada em 1819 por Pierre-Henri Revoil. A escultura do rei é obra de David d’Angers.

Mas quem foi esse rei tão querido que virou estátua e até marca de doce? Filho de Louis II de Anjou (o monarca que fundou a Universidade), René (1409-1480) também fez bonito em seu reinado, com uma administração eficiente que transformou Aix-en-Provence num centro artístico. (Aliás, estamos precisando desesperadamente de um rei René por aqui!!!)

Cours Mirabeau com a Fontaine du Roi René em 1o. plano - Foto: acervo pessoal

Contudo, a fonte mais conhecida da Cours Mirabeau e motivo de orgulho para todos os cidadãos 'aixois' é a majestosa Fontaine de la Rotonde. Construída em 1860, ela foi um verdadeiro marco local - não apenas por suas grandes dimensões, mas também por ser a primeira a ostentar uma bacia na parte superior. É adornada por três estátuas –  'Justiça', 'Agricultura' e 'Belas-Artes', simbolizando as principais atividades da cidade.

Place e Fontaine de la Rotonde - Foto: acervo pessoal

É fácil descobrir por que Aix tem tantas fontes. Não por acaso, seu próprio nome, 'Aix', vem da palavra latina 'aquae' - 'água'. Quando a cidade nasceu, em 122 a.C., o general romano Calus Sextius soube tirar proveito das abundantes fontes de água quente e fria da região para construir um conjunto termal. No império romano, foram construídos quatro aquedutos e diversas fontes, que desapareceram quando os bárbaros destruíram quase toda a cidade a partir do ano 480 d.C.

Na Idade Média, as fontes eram muito raras em Aix porque seus habitantes acreditavam que a água corrente trazia doenças.

Foi somente no século XV que Louis II, pai do amado rei René, permitiu a construção de fontes. Em 1412, sua esposa, a rainha Yolande, autorizou a cidade de Aix a desviar as famosas águas de Pinchinats, um bairro localizado a nordeste da cidade conhecido pela abundância de recursos hídricos naturais e que há séculos fornece água pura e fresquinha para seus habitantes.

O aumento considerável da população no século XVII estimulou o cardeal Mazarin a desenvolver a cidade. As fontes, então, adquiriram uma dimensão estética e passaram a embelezar ainda mais Aix-en-Provence.

Além de suas águas, fontes, história e beleza, há outro fator que tornou Aix famosa: lá nasceu Paul Cézanne (1839-1906), considerado por muitos o verdadeiro pai da pintura moderna. Cézanne passou sua juventude em Aix, bem como seus últimos vinte anos de vida.

Paul Cézanne, fotografado em 1904 por Émile Bernard em seu ateliê de Les Lauves, diante de um dos quadros da série 'Banhistas'

Do roteiro percorrido pelo artista, tive a oportunidade de visitar seu estúdio no chemin des Lauves, onde ele passou a trabalhar de 1902 até seus últimos dias e realizou obras importantes, tais como 'As Grandes Banhistas' (1900-1906), e várias pinturas da montanha Sainte-Victoire. O ateliê, que fica no alto da tranquila Av. Paul Cézanne, está exatamente como o artista o deixou ao falecer.

Interno do ateliê 'Les Lauves'

Vista externa do ateliê - Foto: Simone Catto

Uma noite jantei no Bistrot Romain - antigo 'Café Oriental' -, na Cours Mirabeau, também frequentado pelo mestre. Nos quinze minutos de espera por uma mesa, saboreamos, nas mesas da calçada, um delicioso champanhe rosé gentilmente oferecido pela casa. E as gentilezas não pararam por aí: já na mesa, antes de pedirmos as bebidas, o garçom nos ofereceu, como cortesia, taças do espumante frutado da casa. 

Abaixo está uma foto do Café Deux Garçons, na mesma avenida, outro ponto de encontro entre Cézanne e amigos fieis como o escritor Émile Zola.

Café Deux Garçons, na Cours Mirabeau - Foto: acervo pessoal

E para dar conta de tantas atrações, é preciso ficar bem instalado. Hospedei-me no apart hotel Adagio Aix-en-Provence Centre (www.accorhotels.com/pt-br/hotel-6796-adagio-aix-en-provence-centre/index.shtml) e o recomendo a todos. A localização, na 3-5 rue des Chartreux, é excelente, a poucos minutos a pé da Place de la Rotonde, da Cours Mirabeau e também da Cidade Velha. Tanto os quartos quanto os banheiros são amplos, bem modernos e confortáveis. E se o hóspede não estiver a fim de sair para comer, uma pequena copa equipada permite fazer refeições no próprio quarto. Além disso, o staff é solícito e gentil. Não tem erro!

É por essas e outras que Aix-en-Provence merece pelo menos uma semana para a gente conhecê-la melhor. Eu pretendo voltar, e muito em breve! Para mais informações, acesse o Escritório de Turismo da cidade: http://www.aixenprovencetourism.com/