domingo, 28 de julho de 2013

Grupo 'Choronas'. É ouvir para sorrir.

Lembro de ter ouvido chorinhos desde que me conheço por gente. Meu avô tocava bandolim. Meu bisavô tocava bandolim. E meu tio-avô Oswaldo, de longe o mais talentoso dos três, aprendeu, sozinho, a tocar violão, bandolim e cavaquinho. Seu ouvido e sua musicalidade eram impressionantes. Sem nunca ter pisado em um conservatório, o homem abriu sua escola de música e sustentou a família com ela. Talentaaaaaço! Diz a história que o choro surgiu no Rio de Janeiro, lá pelos idos de 1880, como um contraponto popular à música dos salões aristocráticos. Rachmaninoff, meu adorado 'Rach' e último dos românticos, ainda era uma criança naquela época. É lógico que, em meus (bons!) tempos de pianista, não poderia deixar de aprender alguns chorinhos também. O choro passou, o piano também (será que voltará?), mas ficou o teclado - não o do piano, mas aquele de onde extraio as letras de meu ganha-pão. Na memória ficaram, também, as reuniões e festinhas lá em casa, sempre tão alegres, e na casa de meu tio-avô, onde todos se juntavam para tocar Pixinguinha, Ernesto Nazaré, Jacó do Bandolim, Noel Rosa, Waldir Azevedo, Francisco Mignone... deste último, meu avô sempre pedia para eu tocar ao piano a linda e nostálgica 'Valsa da Esquina', para me acompanhar ao bandolim. Saudade! O fato é que todas essas grandes figuras habitaram meus ouvidos durante boa parte de minha vida.

As 'Choronas' Paola Picherzky, Ana Claudia Cesar, Miriam Capua e Gabriela Machado - foto: Gal Oppido

É por tudo isso que, ao assistir a uma bela apresentação do grupo 'Choronas' no Centro Cultural Authos Pagano, não pude deixar de me emocionar - sobretudo ao ouvir 'Flor Amorosa' e 'Lamento', das quais meu avô e meu tio tanto gostavam. Por alguns minutos pude reviver todos aqueles momentos felizes com tantas pessoas queridas e música boa. Há tempos não ouvia chorinhos ao vivo e foi uma deliciosa experiência ouvir alguns naquele show intimista das talentosas meninas 'Choronas'. O show foi seguido de uma sessão de autógrafos do livro 'O cavaquinho encantado de Waldir Azevedo', de autoria de Ana Claudia Cesar, que toca cavaquinho no grupo e explica a importância do instrumento para a construção da identidade do chorinho. Afinal, foi pelos dedos ágeis do genial compositor Waldir Azevedo que o cavaquinho tornou-se mais valorizado, passando de acompanhamento para instrumento solista. Para quem não sabe, Waldir Azevedo é autor do famoso 'Brasileirinho', um chorinho que já era popular e ficou mais ainda após valorizar as performances da ginasta Daiane dos Santos, que ganharam ainda mais ginga, graça e, é claro, aplausos. É de Waldir, também, obras-primas como 'Brejeiro', 'Pedacinho de Céu' e 'Delicado'.

Agora vamos às meninas. Fundado em 1994, o grupo 'Choronas' ficou conhecido por seu trabalho de pesquisa, resgate e excelentes interpretações de um repertório de choros, baião, maxixe e samba que já encantou plateias no Brasil e exterior. É formado por Ana Claudia Cesar, no cavaquinho, Gabriela Machado, na flauta, Paola Picherzky, no violão de sete cordas, e Miriam Capua, na percussão.

Gabriela, Paola, Ana Claudia e Miriam arrasando nos chorinhos no Centro Cultural Authos Pagano. 
Foto: Gal Oppido

O livro lançado há pouco.
Instrumentista tarimbada, Ana Claudia nos presenteou com belos e emocionantes acordes de cavaquinho lá no show. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie, Ana possui uma longa experiência como docente e inclusive elaborou o curso de formação em Cavaquinho da Universidade Livre de Música – Tom Jobim, entre muitas outras iniciativas voltadas para o ensino e a valorização desse lindo instrumento.
  
A flautista Gabriela, brilhante, é bacharel em flauta pela UNESP e já recebeu vários prêmios. Não é para menos: a menina manda muito bem! Gabriela já integrou orquestras, gravou CDs e acompanhou artistas do naipe de Antônio Menezes, Altamiro Carrilho, Paulo Moura, Yamandu Costa, Zizi Possi e Nelson Freire, entre muitos outros. Além de integrar as 'Choronas', também faz parte da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.

A 'hermana' Paola, natural da Argentina, pelo jeito se encantou com o jeitinho brasileiro de tocar e adotou o violão de sete cordas para expressar sua sensibilidade nos choros. Mestre em música também pela minha querida UNESP e professora experiente, Paola ministra aulas de violão erudito em várias faculdades de música, gravou alguns CDs e já tocou ao lado de músicos como Roberto Sion, Paulo Belinatti e Izaías e seus Chorões, entre outros. No show, Paola dividiu o violão com Rosana Bergamasco, que fez uma bela participação especial.

A percussionista Miriam arrasou no pandeiro. Ela toca, o pandeiro obedece e ainda pede mais! Tarimbadíssima, Miriam tem uma longa carreira como instrumentista e há mais de 20 anos ministra aulas de percussão em escolas e faculdades. Eclética, faz bonito em orquestras e bandas populares – seja nos palcos, na TV ou na rua. Sim, porque até em escola de samba a moça já tocou! Miriam também se apresentou ao lado de grandes artistas e... ufa! Jornalista graduada pela USP, colaborou com revistas especializadas e ainda ajudou a criar a revista eletrônica do Conservatório Souza Lima, aliás um dos lugares que marcaram minha infância.

Bem, essas são as 'CHORONAS' que me fizeram sorrir e, certamente, fazem o mesmo com muitas outras pessoas. Música de qualidade é sempre bem-vinda e o chorinho, um ritmo tão alegre e brejeiro quanto o povo brasileiro (juro que a rima não foi intencional!! rs), não pode sumir. O que é bom deve ser não apenas preservado, mas sobretudo propagado aos quatro cantos, para que mais gente tenha parâmetros para refinar os ouvidos – a começar pelos ouvidos brasileiros, tão maltratados ultimamente. Fique de olho no próximo show! Para saber mais e acompanhar a agenda do grupo, acesse www.choronas.com.br.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

'Augustine': uma luz sobre o dr. Charcot e a histeria na Paris do século XIX.

A psiquiatria pode nos revelar um mundo fascinante. A mente humana sempre pode nos surpreender e, na tentativa de decifrar seus mistérios, alguns cientistas, médicos e pesquisadores se destacaram ao longo da história. O francês Jean-Martin Charcot, mais conhecido como dr. Charcot, foi um deles. Neurologista do hospital parisiense Pitié-Salpêtrière, Charcot foi um brilhante pesquisador de doenças mentais e um dos maiores professores de medicina da França na segunda metade do século XIX. Freud foi seu aluno e estagiou no hospital, assim como outros médicos eminentes, e foi lá que teve seus primeiros insights sobre a existência do inconsciente, as causas da histeria e o poder da cura psicanalítica.

Dirigido por Alice Wincour, o filme ‘Augustine’, embora seja uma ficção, nos transmite uma boa ideia da atmosfera da época e de como trabalhava o dr. Charcot para aliviar o sofrimento psíquico de suas pacientes. Sim, digo "suas" pacientes, porque a histeria era - e até hoje é - uma patologia tipicamente feminina.

Vincent Lindon e Stéphanie Sokolinski, que interpretaram o Dr. Charcot e Augustine no filme de Alice Wincour.

A personagem principal, Augustine (Stéphanie Sokolinski), é uma copeira de 19 anos que trabalha em uma rica residência burguesa e, eventualmente, sofre ataques que não têm explicação aparente. O ano é 1885. A jovem é levada então para o hospital Pitié-Salpêtrière e começa a ser tratada pelo notório dr. Charcot (Vincent Lindon) com métodos revolucionários para a época, entre eles a hipnose. 

Uma das tentativas de dr. Charcot para tratar a histeria de Augustine.

A cada ataque, uma parte do corpo de Augustine se paralisa. No primeiro, a jovem não consegue abrir um dos olhos. E num segundo, já sob tratamento, não consegue mover o braço esquerdo.

Posteriormente, Freud descobriu que a histeria tem origem em instintos sexuais fortemente reprimidos e isso de certa forma transparece nos ataques da garota, mas à época Charcot não conseguiu chegar a essa conclusão. Em suas aulas, por meio de hipnose, o médico consegue induzir ataques em Augustine para demonstrar os sintomas aos alunos. Ao final do filme, aparentemente consegue curá-la, mas as causas da patologia, a raiz da questão, permanecem uma incógnita.

Diante de uma plateia de médicos, o dr. Charcot induz um ataque histérico em Augustine por meio de uma sessão de hipnose.

Pintura de Pierre-Aristide André Brouillet (1857-1914) mostra uma aula do dr. Charcot no hospital Pitié-Salpêtrière.

O aspecto previsível do filme é a atração sexual mútua que se desenvolve entre médico e paciente e, embora ambos cheguem às vias de fato, esse episódio não gera maiores consequências. Charcot é casado com a bela e refinada Constance, interpretada com elegância por Chiara Mastroianni, e o ambiente burguês em torno do médico é muito bem retratado, assim como a atmosfera opressora dos hospitais psiquiátricos franceses do século XIX. A formalidade e a sobriedade permeiam todo o roteiro desse filme que, se não chega a figurar entre os melhores, ainda assim lança uma luz esclarecedora sobre essa figura tão importante para o desenvolvimento da psiquiatria que foi o dr. Charcot. Vale a pena assistir!

A belíssima Chiara Mastroianni não nega o parentesco: herdou os melhores traços dos pais Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve.

Mas é bom correr, porque 'Augustine' está passando apenas no Reserva Cultural, de segunda a quinta-feira. Mais informações: www.reservacultural.com.br

sábado, 20 de julho de 2013

Exposição 'Maria Martins: metamorfoses'. O resgate de um talento injustiçado no Brasil.

Maria Martins na década de 40
Nas poucas vezes que li ou tive contato com alguma informação sobre a artista plástica Maria Martins (1894-1973), sempre soube que ela era escultora. E escultura é mesmo a forma de expressão que se destaca na produção dessa artista que o Brasil desconhece, mas que conquistou merecido êxito no exterior. Basta dizer que Maria, como gostava de assinar suas obras, expôs em Nova York ao lado de Mondrian e tornou-se próxima de figuras como André Breton, Fernand Léger, Yves Tanguy, Max Ernst e Marcel Duchamp, entre muitos, sendo que com Duchamp manteve um tórrido romance extraconjugal. Interessou?

Então você não pode perder a exposição 'Maria Martins: metamorfoses', no MAM-SP, que exibe mais de 80 peças e tem curadoria de Veronica Stigger, uma estudiosa da artista. Das obras expostas, mais de trinta são esculturas, a maioria em bronze, as quais Verônica classificou em cinco módulos: Trópicos, Lianas, Deusas e Monstros, Cantos e Esqueletos. Esses módulos não seguem uma ordem cronológica, mas reúnem trabalhos que possuem compatibilidade formal. Além das esculturas, a mostra exibe pinturas, gravuras, livros, artigos, cerâmicas e escritos de Maria, além de artigos na mídia e até uma joia criada por ela. É inegável, contudo, que são suas esculturas que possuem a maior força expressiva e apelo visual.

'O Canto do Mar' (1952) - bronze polido - Foto: Simone Catto

O fato é que o prestígio de Maria Martins no exterior só vem crescendo e ela ocupa, hoje, um importante espaço na história da arte moderna. Basta citar que, no ano passado, ganhou uma sala especial na Documenta de Kassel, principal mostra de arte contemporânea do mundo, realizada a cada cinco anos na Alemanha. Essa sala exibia uma das versões de 'O Impossível' (1944), a mais célebre obra da autora - uma das versões foi adquirida pelo Museu de Arte Moderna de Nova York – MoMA em 1946 e outra pode ser apreciada agora, no MAM. O título dessa belíssima obra refere-se ao encontro de dois seres híbridos, um homem e uma mulher com formas de animais ancestrais e cabeças pontiagudas, que estão frente a frente sugerindo a existência de um desejo profundo, mas também de uma dose de agressividade que impede sua união.

'Impossível' (1946) - bronze - Foto: Simone Catto

Chegou a hora de conhecermos um pouco essa mulher interessante que, além de artista plástica, foi embaixatriz, poeta, jornalista e escritora. Em primeiro lugar, Maria Martins não se enquadra em nenhum movimento de arte, embora possua forte viés surrealista. Com uma obra que se destaca mais pela qualidade do que pela quantidade, a artista criou esculturas de formas sinuosas inspiradas em mitos ancestrais, que remetem tanto à cultura da Amazônia quanto aos conflitos humanos. Com forte impacto visual, suas formas estão carregadas de erotismo e violência mesclados a elementos imagéticos de docilidade e lirismo.

Maria Martins em seu ateliê de Paris cercada das obras 'O Impossível' (esq.) e 'Saudade'.

Nascida Maria de Lourdes Alves na cidade de Campanha, MG, a artista era filha de um senador e recebeu uma educação de elite: foi alfabetizada em francês no Colégio Sion e estudou música e pintura na juventude. Aos 21 anos, casou-se no Rio de Janeiro. Mulher bem à frente de seu tempo, Maria mandou às favas o preconceito com as mulheres desquitadas e, dez anos depois, separou-se do marido e se mandou para Paris. Lá frequentou círculos intelectuais e, em 1926, casou-se com o diplomata Carlos Martins Pereira e Souza. Nesse mesmo ano, iniciou-se na escultura e passou a desenvolver uma carreira no exterior. Em 1936, aperfeiçoou-se na Bélgica com o escultor Oscar Jespers (1887-1970). Três anos depois, em 1939, Maria mudou-se com o marido para Washington D.C. e foi nos Estados Unidos que realizou a maior parte de sua produção artística, conquistando os círculos de vanguarda da época.

No ano de 1941 Maria Martins fez sua primeira exposição individual, na Corcoran Art Gallery, em Nova York. Embora fosse conhecida como uma das principais escultoras ligadas ao Surrealismo, nessa exposição a artista exibiu esculturas figurativas realistas com temas tirados de mitos e tradições brasileiras, criadas com materiais como gesso, madeira, terracota e bronze. Nesse mesmo ano, monta um ateliê em Nova York e estuda com Jacques Lipchitz (1891-1973) e Stanley Willaim Hayter (1901-1988), realizando obras em bronze.

'Le Couple' (O Casal) (1944) - bronze - Simone Catto

Vale ressaltar que, naquele período, a cidade de Nova York estava em plena efervescência cultural por acolher vários artistas europeus que fugiam da Segunda Guerra Mundial. Foi nesse clima de ebulição artística, portanto, que Maria conheceu Piet Mondrian (1872-1944) e André Breton (1896-1966), escritor francês autor do Manifesto Surrealista de 1924. Breton a apresentou a artistas europeus ligados ao Surrealismo e ao Dadaísmo, tais como Michel Tapiè (1909-1987), André Masson (1896-1987), Yves Tanguy (1900-1955), Max Ernst (1891-1976) e Marcel Duchamp (1887-1968). Este último, seu parceiro no famoso affair, utilizou o seio de Maria Martins como modelo para criar a capa do catálogo 'Surréalisme' (1947), em colaboração com Enrico Donati.

O seio de Maria Martins na capa do catálogo
de Marcel Duchamp - foto: Simone Catto
A convivência com esses artistas revelou-se uma rica e produtiva via de mão dupla: ao mesmo tempo em que atraía os vanguardistas com suas esculturas expressivas de formas orgânicas, materializando forças naturais e lendas da Amazônia, Maria Martins absorveu novos conteúdos, incorporando elementos surrealistas às suas obras. Essa influência ficou evidente em sua segunda exposição individual, em 1942, na Galeria Valentine, em Nova York, na qual apresentou formas oníricas de inspiração surreal realizadas em bronze.

No ano seguinte, Maria fez outra exposição nessa galeria, considerada um marco em sua trajetória. Mas não expôs sozinha: daquela vez, dividiu espaço com ninguém mais, ninguém menos que seu amigo Piet Mondrian. Detalhe curioso: enquanto a artista até hoje desconhecida no Brasil conseguiu vender quase todas as obras, a exposição de Mondrian – um mestre hoje reconhecido no mundo todo - foi um fracasso. Ao fim da mostra, Maria ainda comprou uma obra do amigo, a tela 'Broadway Boogie-Woogie', e doou-a ao MoMA de Nova York. Prova de que está na hora de valorizarmos nossos verdadeiros artistas, ao invés de idolatrar gente cujo único talento é faturar milhões com os incautos.  

Nessa célebre mostra de 1943, Maria representou a Amazônia em oito obras alusivas a personagens-mitos, batizados de 'Amazônia', 'Cobra Grande', 'Boiuna', 'Yara', 'Yemanjá', 'Aiokâ', 'Iacy' e 'Boto'. Alguns exemplares dessa série, como 'Amazônia' e 'Boiuna', podem ser vistos na exposição do MAM.

'Amazônia' (1942) - bronze - Foto: Simone Catto

'However!!' (1947) - bronze - Foto: Simone Catto
Na obra 'However!!' (1944), a serpente do desejo comprime e aprisiona o corpo de uma mulher. No caso de 'A Mulher perdeu sua sombra' (1946), duas serpentes saem da cabeça de um corpo feminino, talvez como referência a pensamentos libidinosos. André Breton, admirador da artista, escreveu a apresentação de sua mostra individual de 1947, na Jean Lévy Gallery, em Nova Iorque, e a convidou para importantes exposições surrealistas no pós-guerra em Paris. Com bronze, Maria passou a criar formas orgânicas cada vez mais livres de figurações realistas. As referências à natureza simbolizam a força do desejo e dos selvagens instintos do inconsciente, contrapondo-se à domesticação da civilização ocidental. Os títulos das obras, sugestivos, são característicos do movimento surrealista: 'Não te esqueças nunca que eu venho dos trópicos' (1942), 'Sem Eco' (1943).

Até que Maria, rendendo-se aos encantos da 'Cidade-Luz', muda para Paris em 1948. Seu ateliê na cidade virou, então, ponto de encontro de intelectuais e artistas como Constantin Brancusi (1876-1957), Benjamin Péret (1899-1959) e Amédée Ozenfant (1866-1966), entre outros.

Maria Martins voltou definitivamente para o Brasil em 1950. Amiga do casal Matarazzo, contribuiu ativamente para viabilizar as primeiras edições da nossa Bienal de Arte. Foi ela, inclusive, que transmitiu ao conde Ciccillo Matarazzo a boa notícia de que Picasso participaria da segunda edição. A própria Maria Martins expôs em várias Bienais e, na de 1955, inclusive recebeu o Grande Prêmio de Escultura Nacional com a obra 'A Soma dos Nossos Dias'. Apesar de tudo, os críticos brasileiros da época foram hostis: por aqui, eram o construtivismo e a linguagem abstrata que começavam a ganhar força total, e o Surrealismo não era valorizado. Injustiça.

'Não te esqueças que venho dos trópicos' (1945) - bronze - Foto: Simone Catto      

Maria Martins polindo uma obra na 1ª Bienal, em 1951 - Foto: Peter Scheier

'Sombras/Anunciação' (1952) - gesso - Foto: Simone Catto

Maria ainda ajudou a criar e consolidar os Museus de Arte Moderna de São Paulo e Rio de Janeiro, sendo que este último abrigou sua última exposição individual, em 1956. Na exposição do MAM-SP, em cada extremidade do salão há uma foto que mostra a exposição da artista no mesmo museu em 1948, quando a sede ainda ficava à rua 7 de Abril, no Centro de São Paulo.

Na década de 50, a artista criou esculturas mais abstratas, porém sem abandonar os títulos sugestivos em obras como 'O Canto do Mar' (1952) e 'A Soma dos Nossos Dias' (1954-1955). Na segunda metade da década, no entanto, Maria substitui a escultura pela literatura, publicando vários livros como jornalista e escritora.

'Calendário da Eternidade' (1952-1953) - bronze - Foto: Simone Catto

Com este longo post, espero contribuir para compensar, nem que seja um pouquinho, a falta de informações sobre Maria Martins na nossa mídia ao longo da história. Vale a pena descobrir a obra dessa excelente artista, resgatá-la do esquecimento e reparar a injustiça que o Brasil cometeu contra seu imenso talento. 

A exposição 'MARIA MARTINS: METAMORFOSES' está no MAM-SP (Sala Paulo Figueiredo) - Parque do Ibirapuera - Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 3. Tel.: 5085-1300. Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h30. O ingresso custa R$ 6,00, com entrada franca aos domingos. Até 15/9. Não perca!

quarta-feira, 17 de julho de 2013

'Modernidade - Coleção de Arte Brasileira Odorico Tavares', uma mostra no mínimo imperdível.

Quem estuda, pesquisa ou simplesmente aprecia arte não pode deixar de visitar a exposição 'Modernidade – Coleção de Arte Brasileira Odorico Tavares', no Museu Afro Brasil, que exibe mais de 200 obras de um dos mais importantes acervos privados de arte brasileira. Só para dar uma ideia de sua magnitude, basta citar que Portinari, Di Cavalcanti, Pancetti, Volpi, Djanira, Carybé, Antônio Bandeira, Manabu Mabe, Flavio-Shiró, Francisco Brennand, Aldemir Martins e Mário Cravo Júnior, entre outros, enchem nossos olhos ao lado de algumas obras de artistas internacionais que também fazem parte do acervo, como Picasso e Miró. Entendeu por que não dá para perder?

Como não era permitido fotografar as obras, fiz uma pesquisa na Internet e selecionei algumas para inserir aqui, motivo pelo qual algumas não apresentam detalhes que normalmente costumo incluir, como ano de realização e técnica utilizada. Algumas, inclusive, estavam sem título na exposição.

Emiliano Di Cavalcanti - 'Mulata' (1957)

Alfredo Volpi - 'Paisagem de Itanhaém' - sem data - óleo s/ tela

Cândido Portinari - 'Retrato de Leda Tavares' (1948) - óleo s/ tela

Com curadoria de Emanoel Araújo, a mostra comemora o centenário de nascimento do poeta, jornalista e colecionador pernambucano Odorico Tavares (1912-1980), que priorizava a arte moderna sem esquecer conterrâneos como Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres e Mestre Vitalino, bem como pintores populares da Bahia e valiosos exemplares de arte sacra.

Djanira da Motta e Silva - 'Retrato'

Mas quem foi esse homem que possuía não apenas a sensibilidade artística como os recursos necessários para financiá-la? Vamos lá.

Nascido no município de Timbaúba (PE), Odorico Tavares passou a juventude em Recife e, em 1934, ao lado de Aderbal Jurema, editou a revista literária 'Momento', aproximando-se de escritores do calibre de Manuel Bandeira, Mario de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Gilberto Amado, José Lins do Rego, Jorge Amado e Lúcio Cardoso. No mesmo amo, estreou na poesia com a obra '26 Poemas', escrita em parceria com Jurema.

Em 1942, Odorico mudou-se para Salvador por motivos políticos. Aliado à militância da esquerda e aos opositores da ditadura do Estado Novo, tornou-se amigo de figuras como Gilberto Freyre e João Cabral de Melo Neto, entre outros. E como ninguém é perfeito, até Antônio Carlos Magalhães entrou para seu rol de amizades. A partir da segunda metade da década de 40, Odorico voltou-se mais para o jornalismo, realizando históricas reportagens para a revista 'O Cruzeiro'. Tornou-se então próximo do lendário Assis Chateaubriand, o magnata dos 'Diários Associados' que lhe deu o comando do 'Diário de Notícias', de Salvador, para o qual criou um suplemento cultural de vanguarda que abrigou resenhas e críticas dos jovens Glauber Rocha e Caetano Veloso, entre outras figurinhas carimbadas.

Joan Miró - Litografia a cores (1959)

Milton Dacosta

Portinari

Ao lado de Chateaubriand, Odorico Tavares foi um grande divulgador e incentivador dos artistas nordestinos, tendo contribuído para a criação do Museu de Arte Moderna (MAM) da Bahia e dos museus regionais de Feira de Santana (BA) e Olinda (PE). Em artigos e reportagens publicados nos veículos dos 'Diários Associados', apoiou artistas do Modernismo e das gerações dos anos 40, 50 e 60, destacando, em especial, o valor estético das pinturas de Pancetti. Sua paixão pela arte levou-o a encomendar ao arquiteto Diógenes Rebouças o projeto de uma casa no morro Ipiranga, um bairro litorâneo de Salvador, apenas para abrigar sua magnífica coleção.

Pancetti - 'Retrato de Odorico Tavares'

E agora, é você que tem a oportunidade de conferir esse maravilhoso acervo! Não dá para perder.

Vá lá: 'MODERNIDADE - COLEÇÃO DE ARTE BRASILEIRA ODORICO TAVARES' - Museu Afro Brasil - Parque do Ibirapuera - Av. Pedro Álvares Cabral, s/n - portão 10 (em frente à Assembleia Legislativa). Tel.: 3320-8900. Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h. Entrada franca. Até 4/8.

terça-feira, 16 de julho de 2013

'Os 39 degraus', uma montagem vários degraus abaixo da expectativa.

Quando a gente vê a quantidade de peças de teatro que são encenadas em Sampa, muitas vezes não sabe a que assistir. Normalmente procuro indicações de amigos e leio as resenhas nos guias de cultura e entretenimento de grandes veículos. Ocorre que, por mais de uma vez, fui assistir a peças consideradas boas pela crítica e, ao chegar ao teatro, não era nada daquilo – algumas, aliás, me decepcionaram redondamente.

No último feriado, fui convidada a assistir à peça 'Os 39 Degraus', definida como uma homenagem ao mestre do cinema Alfred Hitchcock, diretor do famoso suspense homônimo rodado em 1935. A peça, uma comédia, havia acabado de estrear no teatro Sérgio Cardoso e, ao saber que Danton Mello – um ator que aprecio bastante - faria parte do elenco, imaginei que seria um bom espetáculo.

O elenco da peça: Paulo Goulart Filho, Henrique Stroetter (de pé), Danton Mello e Rosanne Mulholland. 

O enredo é similar ao do filme: Richard Hannay (Danton Mello) é um almofadinha que está de férias em Londres, acolhe em seu apartamento uma mulher que se diz perseguida e que, após lhe revelar que é uma espiã, acaba assassinada no apartamento do rapaz. Acusado de assassinato, Richard foge, encontra outra mulher pelo caminho e, entre vários percalços, acaba algemado a ela por malfeitores. Perseguidos e forçados pelas algemas a fugir juntos, os dois vivem às turras o tempo todo e, no meio disso tudo, precisam descobrir o que significa o código "39 degraus", que tem a ver com a trama de espionagem. Como seria de se esperar, o casal acaba se apaixonando no decorrer da história.

Uma das cenas da fuga antes que o  casal fosse algemado. 

Aqui, o casal já está algemado no quarto de um hotel onde passam a noite.

Não que a montagem fosse ruim, mas também não chegou a me empolgar. Dei algumas risadas esporádicas, mas esperava bem mais. Achei o texto meio fraco e a peça apenas mediana. Talvez o roteiro não se preste ao formato do teatro. Muitas vezes, um enredo que resulta emocionante no cinema pode perder todo o seu apelo ao ser transposto para um palco. Apesar de tudo, inclusive de ser feriado em São Paulo, o teatro praticamente lotou naquele sábado – provavelmente, o nome de Danton Mello e a cotação positiva da peça na mídia atraiu público. Minha satisfação, no entanto, não passou do 20º degrau.

Ficha técnica parcial:

Autor: Pratick Barlow
Elenco: Danton Mello, Rosanne Mulholland, Henrique Stroetter e Paulo Goulart Filho
Direção: Alexandre Reinecke

Se você quiser conferir, 'OS 39 DEGRAUS' está em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso – R. Rui Barbosa, 153 - Bela Vista. Tel.: 3288-0136. Horários: sexta às 21h30, sábado às 21h e domingo às 20h. Ingresso: R$ 40. Até 25/8.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

'Antes da Meia-Noite'. Um filme superestimado em que sobra palavra e falta roteiro.

Até agora estou me perguntando por que o filme 'Antes da Meia Noite', de Richard Linklater, está tão bem cotado no Guia da Folha e na Veja São Paulo. Há tempos não assistia a um filme tão chato. A verborragia que transborda dos diálogos não é o problema. O problema é quando sobra verbo e falta ritmo, como é o caso. Tudo bem que alguns diálogos até são interessantes e adoro diálogos inteligentes – minha preferência por filmes franceses, corroborada por vários posts deste blog, não me deixa mentir. Mas 'Antes da Meia Noite' tem um enredo cansativo e a gente sempre fica na expectativa de um desenrolar que não acontece.

Li, nas resenhas da mídia, que o filme é a última parte (assim espero!) de uma trilogia do diretor constituída pelos títulos 'Antes do amanhecer', de 1995, e 'Antes do Pôr do Sol', de 2004. Não assisti a nenhum dos dois, mas sei que todos retratam as agruras do casal Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy). Parece que, no primeiro filme, o casal se apaixonou em Viena e, no segundo, se encontrou brevemente em Paris. Nesta terceira parte, eles estão casados, têm cerca de 40 anos, são pais de lindas menininhas gêmeas e residem na França, onde levam uma vida confortável. Jesse é um escritor de sucesso e Celine tem um emprego estável em uma empresa francófona. A família está de férias na Grécia e tudo parece bem.

As menininhas gêmeas que interpretam as filhas do casal são adoráveis.

Na primeira cena do filme, Jesse está no aeroporto de uma cidade grega acompanhando o embarque do filho adolescente, fruto de seu primeiro casamento, que vai retornar a Chicago, onde vive com a mãe. O menino também havia passado as férias na Grécia com o pai, a esposa dele e as meias-irmãzinhas.

O casal Celine (Julie Delpy) e Jesse (Ethan Hawke).

A situação começa a azedar quando Jesse expressa seu descontentamento por morar longe do filho, comentando estar ausente em uma fase que o garoto mais precisaria de seus cuidados de pai. Celine entende o comentário do marido como uma pressão para que se mude com ele para os Estados Unidos, a fim de ficar mais perto do filho, e abra mão de seus planos profissionais.


Quando parecia que o enredo ia ficar interessante, começaram as cenas intermináveis, como aquela em que o casal está almoçando em uma bela varanda na propriedade dos anfitriões gregos, ao lado de outros amigos, e presenciamos um diálogo sem fim. Chega um momento em que sentimos uma espécie de "claustrofobia visual" e ansiamos desesperadamente por cenas com as belas paisagens da Grécia, esperando por uma reviravolta "daquelas" no roteiro. Em vão. A coisa empaca, não vai para a frente.



Até que, nesse mesmo almoço, depois de muito blá-blá-blá, o casal ganha de presente uma noite em um hotel da região, com direito a vinho, massagem e tudo. Os anfitriões quiseram ser gentis e proporcionar uma noite romântica aos hóspedes, mas aquilo que era para ser como um revival da lua-de-mel transformou-se num inesperado azedume conjugal. A mulher, aliás uma tremenda chata cujo maior prazer consistia em espezinhar e criar picuinhas com o marido, envolveu o coitado num acalorado bate-boca que, num crescendo cada vez maior, virou uma briga feia. O homem, aliás, merecia ir direto da Grécia para o céu pela paciência com aquela criatura irritante de natureza beligerante. Foi assim que a suíte do hotel virou um campo de batalha, a mulher disse ao homem que não mais o amava, saiu batendo porta e foi sentar-se sozinha no terraço. O santo marido foi atrás e, com todo o jeitinho, fez com que fizessem as pazes. Bem... eu, no lugar dele, teria é dado graças a Deus por me ver livre de mulher tão chata! Conclusão: ao final do filme, não sabia se estava com mais raiva do roteirista ou da mulher.

Enfim... para quem quiser arriscar, 'ANTES DA MEIA-NOITE' está em cartaz atualmente no Cine Livraria Cultura, com várias sessões, e no Reserva Cultural, apenas às 21h30.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Tanabata Matsuri, o 'Festival das Estrelas' que tinha mais gente que estrela no céu.

Devo dizer que me orgulho de morar na cidade que abriga a maior comunidade japonesa do mundo fora do Japão. Isto porque tenho grande identificação com os japoneses e um profundo respeito pela cultura de seu país, seu comportamento discreto e seus cérebros privilegiados. Por isso, fiquei bem animada com a possibilidade de ir, pela primeira vez, à tradicional festa 'Tanabata Matsuri', conhecida como 'Festival das Estrelas', que teve sua 35ª edição no último fim de semana na Rua Galvão Bueno e imediações da estação do metrô Liberdade. Realizado pela ACAL – Associação Cultural e Assistencial da Liberdade, o 'Tanabata Matsuri' tem acesso gratuito.

A Rua Galvão Bueno fica toda enfeitada... - Foto: Simone Catto

A festividade, que é celebrada há mais de 1.300 anos na cidade de Sendai e também em países como Coreia do Sul e China, remete à bela lenda japonesa da princesa Orihime e seu amado Kengyu, que viviam um romance proibido e, como castigo, foram transformados em estrelas e só podiam se encontrar no sétimo dia do sétimo mês do ano.

Foto: Simone Catto

Em determinado momento, cruzei com essa graciosa personagem, que me explicou que
no Japão muitas meninas se caracterizam, assim, como bonecas - Foto: Simone Catto 

Bem, lá fui eu para a festa. Após deixar o carro em um estacionamento da Galvão Bueno que cobrava R$ 10,00 (achei o preço bem razoável), fui caminhando pela rua, que ficava mais e mais apinhada de gente à medida que eu ia me aproximando do local. Até que, em determinado momento, simplesmente parei. Ficou quase impossível sair do lugar. Sobre o viaduto, flanqueado por duas fileiras de barracas, havia uma multidão que mais parecia uma colônia de formigas enlouquecidas. Nem a 25 de Março na época do Natal deve ser como aquilo. Como diria aquele apresentador de TV global... LOUCURA, LOUCURA, LOUCURA!!!

Essa multidão mais próxima ao palco era refresco perto daquela que estava na área das barracas! - Foto: Simone Catto

É sério, a gente não saía do lugar. Para dar um passo – ou meio, no caso – à frente, uma tartaruga faria mais rápido. Mal dava para avistar o que as barracas vendiam, e muito menos se aproximar delas! Notei, no entanto, que a maioria oferecia comidas - a festa tradicionalmente tem várias comidas típicas, mas delas não consegui sentir nem o cheiro. Vi inclusive uns coitados almoçando em pé, colados às barracas, equilibrando heroicamente seus pratos na mão. Como conseguiam levantar o braço para levar yakissoba à boca sem dar um sopapo no cidadão ao lado, permanece, para mim, um mistério insolúvel.

Até que, finalmente, consegui vencer o viaduto e me aproximar do palco que abrigou shows de danças folclóricas, karaokê e outros, entre eles apresentações de taikô, o tradicional instrumento de percussão japonês. A multidão estava um pouco menor e consegui assistir a duas apresentações folclóricas: uma com meninas adolescentes e outra com delicadas senhoras de camisetas coloridas.

A apresentação folclórica das meninas... - Foto: Simone Catto

... e aqui, as mamães e vovós delas! - Foto: Simone Catto

Outra tradição da festa é a distribuição dos 'tanzaku' ("tiras do desejo"), papeizinhos coloridos nos quais os visitantes escrevem um pedido e depois os penduram em árvores. Ao final do evento, esses papéis são queimados com os bambus, pois diz a lenda que a fumaça gerada leva os pedidos às estrelas para que possam ser ouvidos e realizados. Achei linda a tradição e adoraria ter feito um pedido, mas quem disse que consegui me aproximar da barraca que distribuía os papeizinhos? Bem... resta-me usar saltos mais altos para tentar alcançar as estrelas!

Os 'tanzaku' também enfeitaram a festa! - Foto: Simone Catto

Se pretendo ir ao próximo 'Tanabata Matsuri'? Não, não pretendo. Há gente demais e não dá para aproveitar. Quem sabe no Japão?

Até a próxima e... 'sayonara'!