quinta-feira, 31 de março de 2016

Muito além das mulatas: Di Cavalcanti e a paixão por nossa gente.

Já publiquei, aqui no blog, duas matérias sobre a exposição 'Di Cavalcanti – Conquistador de Lirismos', que está atualmente na Galeria Almeida e Dale, em São Paulo. Em uma delas, falo um pouco sobre a vida do artista e mostro algumas obras. E na outra, abordo exclusivamente um tema que lhe era muito caro: as mulheres. Elas sempre receberam, por parte de Di, um olhar ora ingênuo, ora libidinoso, mas sempre terno.

E agora, por fim, vou mostrar outra faceta de Di Cavalcanti (1897-1976): sua paixão pelo Brasil e, principalmente, por sua gente. Aqui estão obras que mostram pessoas simples do povo, pescadores, trabalhadores nas docas, homens nas ruas, nos bordéis, nos botecos e também nas festas e em momentos de descanso. A curadora Denise Mattar selecionou trabalhos do período de 1925 a 1949, lembrando que o ano de 1925 marcou o retorno do artista de sua primeira viagem à Europa, quando ele teve contato com as vanguardas e conheceu artistas como Picasso, Léger, Matisse, Lhote, Eric Satie e Jean Cocteau, entre outros. Portanto, é um exercício interessante analisar, nas obras a seguir, em que medida essa experiência internacional interferiu em sua técnica e seu estilo.

Obs.: algumas fotos saíram amareladas porque não é permitido tirar fotos com flash dentro da galeria e a luz artificial prejudicou algumas imagens.

A luminosidade, a temática relacionada ao lazer e, principalmente, algumas cores utilizadas por Di Cavalcanti na obra abaixo, notadamente os tons rosados, me lembraram um pouco aquela que é a mais conhecida obra do impressionista-pontilhista Georges Seurat (1859-1891): 'Domingo na Ilha da Grande Jatte' (1884-1886), que está no Art Institute of Chicago, EUA. Teria Di se inspirado em Seurat? Compare as duas obras: 

Di Cavalcanti - 'Descanso na Praia' (década de 1920) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Divulgação

Georges Seurat - 'Domingo na Ilha da Grande Jatte' (1884-1886) - óleo s/ tela - Foto: Art Institute of Chicago - EUA

A próxima obra, também da década de 20, mostra a alegria e a festa do povo numa época em que o Carnaval do Rio de Janeiro, cidade natal do artista, era uma diversão ingênua e saudável.

Di Cavalcanti - 'Bloco Carnavalesco' (década de 1920) - aquarela s/ papel - Coleção Particular - RJ
Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Mangue' (1929) - grafite e aquarela s/ papel
Coleção Particular - Foto: Divulgação

Di Cavalcanti - 'Natureza Morta' (1933) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'O Luar' (1936) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP -  Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Arlequim' (década de 1930) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'A Sesta' (1938) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Armazém Sol' (1942) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Na obra a seguir, note a figura sinistra de negro à esquerda: seria uma mau presságio para estragar uma cena aparentemente feliz? No centro do quadro há duas moças que parecem estar dançando, um homem dorme tranquilamente e a mulher à direita também parece estar num momento de descanso.

Di Cavalcanti - 'Ancoradouro' (1943) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'A Praia' (1944) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Clique aqui para saber mais sobre a vida do artista e a exposição na Galeria Almeida e Dale, e aqui para conhecer algumas das mulheres retratadas nas obras da mostra.

Não perca! Como as obras pertencem a coleções particulares, essa é uma oportunidade única para você conhecê-las.

A exposição ‘DI CAVALCANTI – CONQUISTADOR DE LIRISMOS’ estará na Galeria Almeida e Dale até o dia 28 de maio. Endereço: Rua Caconde, 152 – Jardins – São Paulo. Tel.: (11) 3887-7130 – www.galeriaalmeidaedale.com.br. Abre de segunda a sexta, das 10h às 18h, e sábado das 10h às 14h. Entrada franca.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Esta pode ser a primeira foto conhecida de Van Gogh na idade adulta.

Fonte: Sarah Cascone - Artnet News - 4/3/2016 | Tradução e adaptação: Simone Catto

34 homens posando na Academia Julian, em Paris (1888) - Foto: Edmond Bénard
Cortesia do Instituto Nacional de História da Arte em Paris

O historiador de arte italiano Antonio de Robertis afirma ter identificado Vincent Van Gogh numa fotografia tirada na Academia Julian, em Paris, no início de 1888. Van Gogh mudou-se para Arles em fevereiro daquele ano, mas morou os dois anos anteriores em Paris com seu irmão Theo. A ocasião em que a foto foi tirada é incerta, já que nem todos os homens que posaram eram artistas, e não está claro como alguns deles poderiam ter se conhecido.

Van Gogh - Autorretrato (1887) - óleo s/ tela - Imagem: Wikipedia

Não é a primeira vez que pessoas afirmam ter encontrado fotos de Van Gogh. No último verão, um outro retrato de um grupo de pessoas que incluía Paul Gauguin e Émile Bernard, entre outros, encalhou em um leilão de arte. Uma outra suposta foto do artista quando criança se encontra entre obras não documentadas de Van Gogh e um arquivo que uma mulher grega afirma terem sido capturados por seu pai durante um ataque da resistência grega a um trem nazista, na Segunda Guerra Mundial.

Segundo De Robertis, os homens na fotografia incluem os artistas Édouard Vuillard e Pierre Bonnard, bem como Andries Bonger, amigo e cunhado de Theo Van Gogh. "Nós encontramos aquela que é a única foto existente de Van Gogh adulto", De Robertis contou a uma revista italiana de arte, conforme o jornal The Independent. "Até agora, vimos apenas fotos dele com treze anos de idade e depois outra de quando ele tinha dezenove".

De Robertis estima que a foto tenha sido tirada nas duas primeiras semanas de fevereiro de 1888, pouco depois que Vuillard e Bonnard se matricularam na Academia Julian e pouco antes de Van Gogh se mudar para Arles.

Foto que possivelmente retrata Vincent Van Gogh e amigos (1887). Vincent seria o terceiro da esquerda para a direita.
Autor: Jule Antoine - Cortesia Romantic Agony

terça-feira, 29 de março de 2016

As mulheres de Di Cavalcanti estão à sua espera na Galeria Almeida e Dale.

Se você ainda não visitou a exposição 'Di Cavalcanti – Conquistador de Lirismos', na Galeria Almeida e Dale, não perca! Estão em exibição mais de 50 obras do mestre pertencentes a coleções particulares, entre as quais se destacam os retratos de muitas mulheres que desfilaram em seu ateliê, em sua cama ou sua vida, apresentadas em diferentes momentos e situações. Com curadoria de Denise Mattar e consultoria de Elisabeth Di Cavalcanti, filha do artista, a mostra compreende o período entre 1925, ano do retorno de sua primeira viagem à Europa, e 1949, antes que ele viajasse ao México e conhecesse os grandes muralistas daquele país. Clique aqui para ver o post anterior sobre a mostra

O recorte abordado na exposição marca o processo de amadurecimento da obra de Di Cavalcanti (1897-1976) após seu contato, em Paris, com grandes nomes da vanguarda europeia, como Picasso, Léger, Matisse, Jean Cocteau e muitos outros.

As mulheres são onipresentes e Di lança sobre elas um olhar tão generoso quanto a sensualidade que elas exalam, mostrando-as em poses lânguidas, indolentes, ora sérias, ora provocantes, nuas ou vestidas. Além das famosas mulatas que fizeram a fama do artista, temos loiras e morenas, ricas e pobres, prostitutas e damas da sociedade. Muitas mulheres Di conheceu em suas incursões nas noites e no submundo carioca, tendo a oportunidade de se aproximar de toda uma fauna de boêmios e também de trabalhadores, suburbanos, gente simples que retratou magistralmente em suas pinturas.

Vamos às mulheres de Di, então! Algumas fotos saíram amareladas porque, como não é permitido tirar fotos com flash dentro da galeria, a luz artificial amarela atrapalhou um pouco as imagens. As obras estão em ordem cronológica, para que você possa acompanhar a evolução da técnica e comparar as características do estilo em cada década. 

Di Cavalcanti - 'Meninas Cariocas' (1926) - óleo s/ cartão - Coleção Particular - SP
Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Banhistas na Praia' (década de 1930) - óleo s/ cartão - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Retrato de Noêmia' (1936) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP
Obs.: Noêmia foi uma das esposas do artista. Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Menina de Circo' (1937) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Divulgação

Di Cavalcanti - 'Três Mulheres' (1938) - óleo s/ tela - Coleção Particular - RJ - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Dengosa' (1938) - óleo s/ tela - Coleção Particular - CE - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Mulher Tricotando' (década de 1940) - óleo s/ tela
Coleção Funcação Edson Queiroz - CE- Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Nascimento de Vênus' (1940) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto
 
Di Cavalcanti - 'Bordel' (década de 1940) - pastel e guache s/ papel - Coleção Particular - SP - Foto: Casimiro Terencio

Di Cavalcanti - 'Pensativa' (década de 1940) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP
Foto: Simone Catto
 
Di Cavalcanti - 'Mulheres' (década de 1940) - óleo s/ tela - Coleção Particular - RJ
Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Mulheres Protestando' (1941) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Retrato de Mulher' (década de 1940) - óleo s/ tela - Coleção Particular - CE
Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Mulheres Tocando Atabaque' (1942) - óleo s/ tela - Coleção Fundação Edson Queiroz - CE - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Nu Deitado' (1943) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto
 
Di Cavalcanti - 'Retrato de Jurema Finamore' (1945) - óleo s/ tela
Coleção Particular - SP - Foto: Simone Catto

Para saber mais sobre a exposição e a obra de Di Cavalcanti, clique aqui e aqui! 

Vale lembrar que, por pertencerem a coleções particulares, essas obras estão longe dos olhos do público. Portanto, a exposição na Galeria Almeida e Dale oferece uma oportunidade única para você conhecê-las!

Anote: exposição 'DI CAVALCANTI – CONQUISTADOR DE LIRISMOS' - Galeria Almeida e Dale - Rua Caconde, 152 – Jardins – São Paulo. Tel.: (11) 3887-7130 – www.galeriaalmeidaedale.com.br. Abre de segunda a sexta, das 10h às 18h, e sábado das 10h às 14h. Entrada franca. Até 28/5.

Di Cavalcanti na Galeria Almeida e Dale: retrato imperdível da alma brasileira.

Alguns meses após visitar uma ótima exposição de Portinari na Galeria Almeida e Dale, chegou a vez do mestre Di Cavalcanti (1897-1976), que está com uma bela mostra no local. Estive lá numa manhã de sábado e, assim como ocorreu em minha visita anterior, estranhei encontrar pouquíssimos visitantes em se tratando de uma exposição tão significativa e ainda por cima com entrada franca. A Galeria Almeida e Dale, aliás, tem uma generosa tradição de promover exposições de alto nível nas quais o público pode apreciar, gratuitamente, obras dos mais renomados artistas, em sua maioria do período modernista brasileiro.

A galeria Almeida e Dale naquela manhã de sábado... cadê os visitantes? - Foto: Simone Catto

Com curadoria de Denise Mattar, a exposição Di Cavalcanti – Conquistador de Lirismos contou com a consultoria de Elisabeth Di Cavalcanti, filha do artista, e reúne 54 obras do período compreendido entre 1925 e 1949. Há cerca de treze anos Elisabeth vem desenvolvendo uma extensa pesquisa sobre o pai e está criando o Instituto Di Cavalcanti, que terá, como primeira iniciativa, o lançamento de um livro sobre o artista no dia 8 de abril, durante a SP-Arte. Com mais de 200 imagens de obras, esse livro virá em boa hora, já que existem poucas publicações sobre o mestre e, além disso, a maioria é antiga e já está esgotada nas livrarias.

Um outro detalhe que explica a importância da exposição é que as obras são todas provenientes de coleções particulares de São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador, de modo que o público dificilmente teria a oportunidade de apreciá-las em outro contexto. Não dá para perder!

Além de ser um dos mais importantes representantes do modernismo brasileiro, Di Cavalcanti foi um artista singular por muitas razões. Uma delas é que ele foi o único que manteve uma ativa produção do início ao fim do período modernista e não parou de criar até sua morte, em 1976. Além disso, ao contrário de seus colegas modernistas, ele precisava trabalhar para se sustentar, o que de certa forma o aproximou da vida real, dos tipos comuns e das mulheres que retratava em suas obras.

Di Cavalcanti - 'Abigail' (1940) - óleo s/ tela - Coleção Particular - RJ - Foto: Divulgação

Autodidata, ilustrador, desenhista, caricaturista e pintor, Di foi o pintor que melhor captou as nuances, o caráter e o lirismo do povo brasileiro. Nascido Emiliano de Albuquerque e Mello em 6 de setembro de 1897, no Rio de Janeiro, passou a infância no bairro de São Cristóvão. Embora sua família não fosse rica, o artista teve muita sorte: sua tia Maria Henriqueta foi casada com o abolicionista José do Patrocínio, o que o levou  a conviver, desde criança, com a música e a literatura. Seu pai faleceu em 1914 e, aos 17 anos, ele se viu obrigado a ganhar seu sustento, trabalhando como caricaturista e ilustrador para a imprensa. Graças a seu talento, logo conseguiu se inserir nos círculos intelectuais vinculados aos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro.


Foto: Simone Catto
Di Cavalcanti decidiu tornar-se artista em 1918, estudando pintura no ateliê de George Fischer Elpons, onde tomou contato com os movimentos europeus. Consta que o famoso cronista João do Rio apresentou o jovem ao submundo carioca, com seus boêmios, bêbados e prostitutas. Mal sabia João do Rio que estava prestando um serviço de valor inestimável à arte brasileira!

Após ajudar a convencer Anita Malfatti a realizar uma exposição em 1917 que seria considerada a gênese da Semana de Arte Moderna de 1922, o próprio Di se tornaria um dos principais articuladores e participantes do evento que abalou a arte de São Paulo e do Brasil. Produziu o catálogo e o programa da Semana, organizou a participação de Villa-Lobos e convidou vários artistas, sendo que ele mesmo participou com doze obras.

Ilustração de 1922 - Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Pierrôs' (década de 1920) - guache e nanquim s/ papel - Coleção Particular - RJ
Foto: Simone Catto

O período abordado na exposição da Almeida e Dale marca o amadurecimento de Di Cavalcanti após retornar de sua primeira viagem à Europa, em 1925, tendo vivido dois anos em Paris como jornalista. Lá ele frequentou a Academia Ranson, visitou museus e exposições e ficou vivamente impressionado com o expressionismo alemão. Além disso, conheceu gente do porte de Picasso, Léger, Matisse, Eric Satie, Jean Cocteau e outros intelectuais franceses, além de viajar à Itália para estudar de perto obras de Ticiano, Michelangelo e Leonardo Da Vinci. Esse contato com a vanguarda europeia e com os velhos mestres seria determinante para sua obra, e o artista retornou ao Brasil sabendo exatamente qual caminho trilhar.

Di Cavalcanti - 'Josephine Baker' (década de 1920) - guache s/ cartão - Coleção Particular - SP
Foto: Simone Catto

Na década de 30, Di Cavalcanti teve problemas políticos: em São Paulo, foi preso como getulista, e no Rio, como comunista. Era mais ou menos como no dito popular: "Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come!" Mas Di não poderia ter encontrado solução melhor: em 1936, conseguiu fugir para Paris, onde permaneceu por outros quatro anos, trabalhando para a Radio Diffusion Française. Iria voltar em 1940 devido à Segunda Guerra Mundial, deixando em Paris 27 pinturas a óleo e treze desenhos.

Di Cavalcanti - 'Vênus' (1938) - óleo s/ tela - Coleção Particular - Foto: Simone Catto

Nesse período, que se estende por toda a década de 1940, o lirismo e a sensualidade se revelaram com toda a pujança na obra do artista. Suas pinturas mostram os tipos suburbanos, os homens comuns retratados nas favelas, nos botecos, nas docas, nos bordéis e nas festas populares, e as mulheres – muitas, de todas as cores, perfis e classes sociais: mulatas, negras, brancas, ricas e pobres, morenas e loiras, retratadas num clima lírico, sensual, langoroso. Di contrapunha o lirismo à sensualidade, o real ao fantástico, a razão à emoção, compondo um universo artístico que ele mesmo classificava como "realismo mágico".

Di Cavalcanti - 'Gafieira' (década de 1940) - óleo s/ tela - Coleção Particular - SP - Foto: Divulgação

Conforme escreveu o grande crítico de arte Mário Pedrosa no Jornal do Brasil, em 6 de setembro de 1957, "Di foi o primeiro a trazer para a pintura a gente dos morros, a gente dos subúrbios, onde nasceu o samba. Sendo o mais brasileiro dos artistas, foi o primeiro a sentir que entre o interior, a roça, o sertão e a avenida, o 'centro civilizado', havia uma zona de mediação - o subúrbio. No subúrbio vive o verdadeiro autóctone da grande cidade. Já não é caipira, mas ainda não é cosmopolita. O que lá se passa é autêntico, de origem e de sensibilidade."

Abaixo, temos duas versões de pinturas sobre o mesmo tema, a "seresta", porém o caráter de cada uma é bem divergente: na primeira, da década de 20, a conotação é puramente sexual. E na segunda, temos um Di Cavalcanti menos "safadinho" (rs), por assim dizer, e mais romântico.

Di Cavalcanti - 'Seresta' (década de 1920) - pastel s/ papel - Coleção Particular - SP
Foto: Simone Catto

Di Cavalcanti - 'Seresta' (década de 1930) - óleo s/ tela -  Coleção Fundação Edson Queiroz - CE
Foto: Simone Catto

Note que a posição da assinatura do artista tem um charme à parte:


Foto: Simone Catto

Em 1949, Di Cavalcanti viajou ao México, teve contato com pintores e muralistas como Diego Rivera (1886-1957) e, a partir de 1950, essa influência também se refletiu na criação de painéis e murais que atendiam ao anseio da arrojada arquitetura moderna brasileira. Formas ondulantes, estampados e estilizações, compondo uma estética colorida e vibrante, marcam sua obra nesse período.

A riqueza temática de elementos brasileiros que saem da paleta de Di Cavalcanti é imensa: temos uma verdadeira festa que reúne trabalhadores, marinheiros, jogadores, músicos, cafetões, naturezas-mortas, casarios, paisagens, mas... é inegável que são elas, as mulheres, a grande paixão do artista que tem o poder de capturar nosso olhar para sua obra e transmitir essa paixão para nós.

A exposição é tão rica que não dá mesmo para esgotá-la em um post.

Clique aqui para conhecer algumas mulheres de Di Cavalcanti que estão na Galeria Almeida e Dale, e aqui para ver outras obras do artista retratando nossa gente.

Se você gosta de arte, essa exposição é imperdível. 'DI CAVALCANTI – CONQUISTADOR DE LIRISMOS' estará na Galeria Almeida e Dale até o dia 28 de maio. Endereço: Rua Caconde, 152 – Jardins - São Paulo. Tel.: (11) 3887-7130 – www.galeriaalmeidaedale.com.br. Abre de segunda a sexta, das 10h às 18h, e sábado das 10h às 14h. Entrada franca.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Gregório Gruber transforma locais de 'passar' em paisagens de 'estar'.

Uma cidade não é só aquilo que vemos. Ela é um conjunto de símbolos e também das sensações que suscita em nós. Existe um artista que sabe, como ninguém, traduzir em suas telas a São Paulo que habita o inconsciente de muitos paulistanos por nascimento ou por opção.

Estou falando de Gregório Gruber, desenhista, pintor, gravador, escultor, fotógrafo e, ufa!... cenógrafo. O fato é que, embora domine – e com a mais absoluta mestria - uma série de técnicas, o artista ficou conhecido mesmo pelas pinturas e pastéis que retratam paisagens da cidade de São Paulo. Mas não a São Paulo do caos, da poluição visual, do trânsito e das multidões. A São Paulo de Gregório é deserta, serena, uma cidade meio onírica. É a paisagem que visualizamos quando acordamos no meio da madrugada para beber um copo de água e abrimos a janela do apartamento para dar uma espiadinha. Vemos tudo quieto, tranquilo, em silêncio. Quando muito, avistamos uma luzinha acesa no apartamento do outro lado da rua e pensamos: “Quem está acordado a essa hora?”... e então voltamos para a cama para retomar o sonho de onde paramos. Um sonho que poderia muito bem ter como cenário uma pintura de Gregório Gruber.

Costumo dizer que ele transforma "lugares de passar" em "lugares de estar". Viadutos e avenidas de São Paulo, locais onde a vida pisa no acelerador, tornam-se paisagens de acolhimento. São Paulo um dia foi assim. Até a década de 30, era uma cidade para ser vista de perto, pelas pessoas que caminhavam nas calçadas e podiam observar os detalhes da arquitetura urbana. As transformações da cidade a partir daí, sobretudo na década de 60, época da infância do artista, alteraram a natureza de suas experiências e a forma como ele percebia a metrópole. Surgiram autopistas de grande velocidade como o elevado Costa e Silva - o amado-odiado "Minhocão" - e o habitante de São Paulo tornou-se um passageiro em permanente movimento, passando a enxergar uma rápida sucessão de fachadas que perderam espessura sob o impacto da velocidade.

Nas telas de Gregório, as fachadas adquirem relevo e densidade, contrapondo-se à volatilidade da arquitetura urbana. Seus viadutos e avenidas, que originalmente seriam lugares de passagem, tornam-se lugares onde o olhar pode se deter e repousar. Sempre digo que a velocidade aprisiona e a desaceleração liberta. Porque ao desacelerarmos, damos à nossa mente o tempo necessário para a apreensão e a percepção da realidade visível e, principalmente, daquela que é invisível. É por isso que essas passagens urbanas plácidas, apaziguadoras, assemelham-se às paisagens que observamos através de uma janela na madrugada, libertando nosso pensamento para voar em outras paragens.

As obras abaixo ilustram muito bem essa percepção de passagens que substituem a velocidade pelo acolhimento do olhar. Na primeira, uma pintura sobre juta, as nuvens da madrugada se dissipam e os primeiros raios de sol iluminam a avenida ainda deserta. As demais são carvões e gravuras nas quais o artista transforma diferentes - e algumas icônicas – vias da cidade em paisagens plácidas que convidam à contemplação.

Gregório Gruber - 'Passagem' (2008) - pintura s/ juta - 70 cm X 100 cm

E aqui o nosso "Minhocão", o feio mais amado de São Paulo, ganha outra dimensão e uma perspectiva mais humana...

Gregório Gruber - desenho a carvão (2007) - 70 cm X 100 cm

Gregório Gruber - desenho a carvão (2007) - 70 cm X 100 cm

Gregório Gruber - gravura (2004) - 57 cm X 78 cm

Gregório Gruber - desenho a carvão (2007) - 70 cm X 100 cm

Gregório Gruber - desenho a carvão (2007) - 70 cm X 100 cm

Gregório Gruber -  gravura (2004) - 57 cm X 78 cm
  
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quinta-feira, 17 de março de 2016

Mondrian e o Movimento De Stijl: a festa da modernidade no CCBB.

A exposição Mondrian e o Movimento De Stijl, atualmente no Centro Cultural Banco do Brasil - SP, mostra como o holandês Piet Mondrian (1872-1944) influenciou gerações de pintores, designers e publicitários após se engajar no movimento que é considerado a mais importante contribuição da Holanda para a cultura do século XX. No post anterior falei sobre a fase figurativa do artista, que constituiu a maior parte de sua obra, e agora abordo sua fase mais conhecida, a abstrata, onde se insere sua atuação no movimento De Stijl ('O Estilo').

O CCCB entrou no clima de cima a baixo! - Foto: Simone Catto

Foi no ano de 1912 que Mondrian começou a nomear seus trabalhos como "Composições", um título típico de arte abstrata, porque se sentia menos comprometido com o tema do que com a impressão geral que a obra exerceria no espectador. Naquele ano o artista residia em Paris, onde permaneceria até 1914. No período parisiense assimilou o vocabulário cubista e, pouco a pouco, foi rumando cada vez mais à abstração.

Piet Mondrian - 'Composição em oval com planos de cores 2' (1914) - óleo s/ tela
Foto: Simone Catto

Entre 1914 e 1919, o artista residiu na Holanda e buscou inspiração na imensidão do mar. Foi nesse intervalo, no ano de 1917, que cunhou pela primeira vez o termo neoplasticismo. A essa altura, sua arte havia se tornado abstrata em quase toda a sua totalidade, e as linhas horizontais e verticais, bem como os planos coloridos, tornaram-se mais frequentes em suas composições.

Piet Mondrian - 'Autorretrato' (1918) - óleo s/ tela
Imagem: Gemeentemuseum, Den Hagg, Holanda

O ano de 1917 iria marcar para sempre a carreira de Mondrian. É a data da criação, na Holanda, da revista De Stijl ('O Estilo'), cujo impacto foi tão grande que acabou batizando um movimento artístico. Com periodicidade mensal, a revista foi fundada por Theo van Doesburg (1883-1931), escritor, crítico de arte, poeta e artista que tinha a intenção de reunir o que havia de mais moderno em termos de arte, arquitetura, design, música e literatura.

Theo se associou a outros arquitetos, designers e artistas, entre eles Mondrian, para lutar contra o chamado "individualismo", isto é, coletivizar a arte e integrá-la ao dia a dia das pessoas. O movimento De Stijl tencionava transformar a vida em arte e, para isso, abandonou a descrição realista e adotou a abstração radical, numa tentativa de criar uma linguagem universal. A ideia era abolir a distinção entre a arquitetura e a pintura, entre a publicidade e o design. Os projetos arquitetônicos, por sua vez, se transformariam em esculturas, ou melhor, em objetos no espaço. A destruição seria mais importante que a construção, e a abstração mais importante que a utilidade. E assim, num mundo dinâmico, em movimento perpétuo, a arte dominaria a vida.

A cadeira vermelha e azul do designer Gerrit Rietveld (1888-1964), um ícone do modernismo, é por si só um objeto de arte e tornou-se uma das peças mais emblemáticas do movimento De Stij.

Gerrit Rietveld - Cadeira vermelha azul (1923) - madeira de bétula pintada
Foto: Simone Catto

Segundo os princípios do De Stijl, o artista deveria escolher a forma mais simples e usar apenas linhas retas (horizontais ou verticais) e cores contrastantes para “expressar plasticamente” o espiritual e o puro. Pretendia-se, assim, uma arte que geraria clareza no caos da modernidade.

Vilmos Huszár (1884-1960) - 'Composição' (1923) - aquarela e guache - Foto: Simone Catto

Na arquitetura, os espaços seriam fluidos: uma casa não deveria mais trancar-se ao mundo exterior, e sim abraçá-lo e se integrar a ele.

Theo van Doesburg / Cornelius van Esteering (1897-1988) - maquete de casa particular (1923) - Foto: Simone Catto

O último número da revista foi publicado em 1932 pela esposa de Theo von Doesburg, Nelly, e dedicado a seu marido e fundador da publicação, que havia falecido prematuramente um ano antes, de ataque cardíaco.

Dentro do contexto do De Stijl, Mondrian tinha como objetivo criar uma arte universal e fundamentou suas ideias na teosofia, movimento espiritual que rejeita o materialismo em busca de uma sabedoria interior alcançada pelo desenvolvimento da mente. Entre 1917 e 1918, antes de retornar a Paris em 1919, realizou experiências com pinturas sem linhas, planos retangulares de cores com tamanhos diferentes e também com seu oposto: pinturas nas quais a cor e a composição se reduziam a um mínimo e o que predominava, ao contrário, era a linha. Esses experimentos estavam inseridos na busca de um equilíbrio e uma harmonia que se estendessem a todo o espaço, como um modelo para as relações harmoniosas que ele idealizava na vida das pessoas.

Piet Mondrian - 'Composição com grade 8: composição xadrez com cores escuras' (1919)
Imagem: Gemeentemuseum, Den Hagg,Holanda

Piet Mondrian - 'Composição com grande plano vermelho, amarelo, preto, cinza e azul' (1921)
 óleo s/ tela - Foto: Simone Catto

A partir de 1930, Mondrian já era amplamente conhecido dos grupos vanguardistas e aparecia com frequência nos periódicos sobre arte abstrata. No ano de 1932, começou a multiplicar as linhas, criando maior dinamismo visual. E um ano depois, em 1933, pintou a primeira de suas obras com linhas coloridas: a Composição Lozenge, com quatro linhas amarelas. Essa peça não está presente na exposição, mas você pode vê-la abaixo.

Piet Mondrian - 'Composição Losenge com quatro linhas amarelas' (1933) - óleo s/ tela
Imagem: Gemeentemuseum, Den Hagg,Holanda

O próprio estúdio do artista em Paris era a prova viva de que se podia viver dentro de uma pintura.

Estúdio de Mondrian em Paris, 1933 - Foto: Simone Catto

A partir de 1940, Mondrian passou a residir em Nova York e a festejar os ritmos de jazz e os sons da metrópole, o que conferiu vida nova a seu estilo com obras como Victory Boogie Woogie, que permaneceu inacabada devido a sua morte, aos 72 anos, de pneumonia. Essa obra-prima repleta de cores primárias e vivacidade também não está exposta no CCBB porque, por ser extremamente delicada, dificilmente sai de seu país natal. Porém, é importante mostrá-la aqui!

Piet Mondrian - 'Victory Boogie Woogie' (1944) - óleo, fitas, papel, carvão vegetal e lápis s/ tela
Imagem: Gemeentemuseum, Den Hagg, Holanda

Após conhecer as obras abstratas que fizeram a fama de Mondrian, clique aqui para ver as obras figurativas do mestre, produzidas na primeira fase de sua carreira, também expostas no CCBB!

Foto: Simone Catto

Se você ainda não visitou a exposição MONDRIAN E O MOVIMENTO DE STIJL, não perca! O Centro Cultural Banco do Brasil fica à Rua Álvares Penteado, 112 – Centro, pertinho da estação São Bento do metrô. Tel.: (11) 3113-3651. Abre de quartas a segundas, das 9h às 21h, e você pode agendar sua visita pelo site www.culturabancodobrasil.com.br/portal/sao-paulo. Até 4 de abril.