quinta-feira, 29 de maio de 2014

'Pierre-Auguste Renoir, meu pai'. Um olhar atento e amoroso sobre o mestre.

“Renoir era uma máquina maravilhosa de absorver a vida. Via tudo, compreendia tudo, e se apropriava”. – Jean Renoir

Um homem que amava a humanidade, os seres vivos e a natureza sob todas as formas. Um talento nato. Um bom coração. Uma alma iluminada cuja generosidade foge à compreensão do bruto mundo em que vivemos. Um homem que nasceu para amar e pintar. Esse é o Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) com quem tomamos contato na biografia 'Pierre-Auguste Renoir, meu pai', escrita por seu filho Jean Renoir (1894-1979), ator e cineasta consagrado que criou obras-primas como 'A Grande Ilusão' e 'French Cancan', esta última uma homenagem ao pai e a outros artistas que lhe eram contemporâneos, retratando o alegre universo dos cabarés e cafés-concerto.

Jean Renoir quando jovem.

Por isso, ‘Pierre-Auguste Renoir, meu pai’ não é uma biografia como as outras. Nota-se, em primeiro lugar, a admiração que Jean Renoir devotava ao pai, mas dá para perceber que esse sentimento de amor filial não obscureceu e nem impediu, em absoluto, a autenticidade ou veracidade dos fatos apresentados. Muito pelo contrário. Jean relata com a riqueza de detalhes de uma testemunha ocular atenta tudo aquilo sentiu e viveu de muito perto e também fatos que o próprio Renoir lhe contou. É assim que ficamos conhecendo os antecedentes do artista e penetramos em seu dia a dia desde a mais tenra infância no seio da família até a relação calorosa que mantinha com parentes, agregados e séquitos de amigos e admiradores, artistas ou não. Ficamos sabendo que o pintor nasceu em um lar amoroso, que o pai era um alfaiate respeitado, a mãe uma mulher disciplinada que o considerava o filho predileto e que os irmãos eram talentosos, cada qual em sua vocação e seu métier. Esse afeto aliado a disciplina foi igualmente transmitido aos três filhos que o artista teve com a jovem Aline Charigot (1859-1915): Pierre (1885-1952), Jean e Claude (1901-1969), nascidos quando Renoir já contava mais de 40 anos.

Renoir, já no fim da vida, e a esposa Aline Charigot em sua residência em Cagnes-sur-Mer, 'Les Colettes'.

O retrato do pequeno Jean Renoir (1901) em uma das inúmeras pinturas do pai.
Renoir não gostava que cortassem seu lindo cabelo, fazendo com que o garoto
ficasse parecendo uma menina.  

Aqui, uma terna representação de Aline e o irmão mais velho de Jean, Pierre,
em pintura de Renoir realizada em 1887. Jean ainda não era nascido.

O curioso é que, após um estranhamento inicial que a figura excessivamente magra do artista provocava, as pessoas acabavam ficando absolutamente cativadas por sua inteligência e generosidade, como se conseguissem captar, de alguma maneira, o amor que ele nutria pela vida e pela humanidade. Renoir ficou amigo de praticamente todos os pintores impressionistas, tendo inclusive dividido um ateliê com Claude Monet na época das vacas magras. Sobre Monet, aliás, Jean nos relata um detalhe pitoresco: ele podia não ter o que comer, mas sempre se vestia com esmero e elegância, encomendando roupas aos melhores alfaiates. Se eles eram pagos ou não, isso era outra história. Informações curiosas e divertidas como essa pipocam em abundância ao longo da obra, tornando a leitura, além de instrutiva, leve e agradável. 

A família Renoir: Aline com o pequeno Claude no colo, Jean, Pierre e o pintor, já idoso. 

A carreira de Renoir, assim como a dos demais impressionistas, demorou a engrenar, já que ninguém, nem público nem crítica, estava habituado a suas inovações. No entanto, o fascinante é que, desde criança, tudo o que Renoir resolvesse rabiscar produzia belos traços e ele nunca deixou de desenhar ou pintar um dia sequer. Teve a sorte, inclusive, de ser encorajado pela família, que teve a sensibilidade de reconhecer o talento do garoto. Esse dom inato foi burilado ainda mais no Ateliê Gleyre, em Paris, onde o artista teve a oportunidade de conhecer vários colegas que, a seu lado, iriam revolucionar os cânones da arte com o Impressionismo. Além de Monet, Renoir foi muito amigo do jovem Bazille, infelizmente falecido precocemente, Sisley, Pissarro, Manet, Berthe Morisot e Cézanne. Vale ressaltar, aliás, que os filhos de Cézanne tornaram-se amigos íntimos dos filhos de Renoir e, segundo consta, seus descendentes mantinham essa aliança pelo menos até o ano da primeira edição do livro na França, 1962. Mais tarde, o apoio que Renoir havia recebido da família para seguir sua arte teve continuidade com a família que ele próprio construiu com Aline Charigot. Frequentemente, eram seus próprios filhos que posavam como modelos para as pinturas, sobretudo os mais novos, Jean e Claude.

Nesta pintura, 'A criança e os brinquedos' (1895-6), Renoir retrata Jean e a babá Gabrielle, muito querida
da família.

Claude Renoir, o caçulinha apelidado de 'Coco' (1903-4)', também era uma criança encantadora.

Um aspecto que impressiona, no decorrer da leitura, é a quantidade de viagens que Renoir empreendeu, sobretudo se considerarmos o transtorno e a dificuldade de locomoção à época, final do século XIX. Mas Renoir não se fazia de rogado. Vira e mexe, pegava pincéis e paleta e partia para temporadas nas casas de amigos residentes em outras cidades, com o objetivo de pintar paisagens diferentes da Paris onde vivia desde os 4 anos. Foi assim que foi parar na casa de Cézanne em Aix-en-Provence, em Mézy com Berthe Morisot e na Espanha com Gallimard. Renoir também esteve em Nice, na Normandia, na Bretanha e em Essoyes, terra da esposa e de Gabrielle Renard (1878-1959), a carinhosa babá contratada para cuidar de Jean Renoir e que acabou incorporada à família, além de ter posado inúmeras vezes para o mestre. Renoir correu para pintar o porto de La Rochelle porque Corot, artista que admirava, o fizera. Sem falar dos invernos que passou em Beaulieu e dos verões em Pont-Aven. Quando achava que Pierre, o filho mais velho, não se cansaria muito, Aline acompanhava o marido com prazer nas viagens e assim procedeu quando do nascimento dos outros filhos. O fato é que em todos esses locais, Renoir nunca estava sozinho. Quando a esposa com as crianças e a babá Gabrielle estavam impedidas de viajar, sempre tinha a companhia de um ou mais amigos pintores, além daqueles que iam visitá-lo onde estivesse: marchands como Paul Durand-Ruel e Ambroise Vollard, com os quais mantinha uma relação verdadeiramente fraternal, o pintor Albert André, amigo dos mais fiéis, Lestringuez, Lhote, Georges Rivière, funcionário do Ministério das Finanças, e muitos outros.

Gabrielle lendo (1906)

Mesmo com as mãos deformadas pelo reumatismo, no fim da vida,
Renoir nunca deixou de pintar.

Jean e Gabrielle em foto de 1950.
Na realidade, um verdadeiro séquito de admiradores acorria à casa de Renoir, que vivia cheia, e muitos tinham o privilégio de compartilhar da mesa da família nas noites de sábado, quando Aline servia sua famosa bouillabaisse ou um pot-au-feu que ficou na história. Entre os convivas, estavam mentes brilhantes como Mallarmé, Zola, Alphonse Daudet, Odilon Redon, Monet, Verlaine, Rimbaud, Edmond Renoir, irmão do artista, e muitos outros, incluindo burgueses ilustrados e outros convivas. 

O livro, lançado no Brasil pela editora Paz e Terra em 1988, infelizmente está esgotado nas livrarias e tive a sorte de adquiri-lo em um sebo alguns anos atrás. Sei que existe uma versão em português vendida na FNAC de Portugal, mas uma obra de tão alta qualidade mereceria ser relançada por aqui! Além de ser uma leitura deliciosa e um mergulho profundo na vida e obra de uma figura tão fascinante como Renoir, também conhecemos detalhes dos personagens que gravitavam em seu redor e ainda temos uma aula de arte, história e costumes da França do século XIX. Portanto, se você for um(a) apaixonado(a) por arte como eu, vale a pena ficar de olho nos sebos ou então encomendar uma versão estrangeira na Amazon.com.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Toulouse-Lautrec, o gênio que deu forma à 'mondanité' parisiense.

Não, ele não era um coitado. Não, ele não sentia pena de si mesmo. E não, ele não era infeliz. Muito pelo contrário: aproveitou a vida à sua maneira, era extremamente bem-humorado e viveu intensamente até a última gota de absinto ou do que mais caísse em suas mãos – ou garganta, melhor dizendo. Estou falando de um pintor que retratou a vida mundana de Paris como ninguém: Henri Marie Raymond de Toulouse-Lautrec, nascido em 1864 e falecido apenas 37 anos depois, em 1901. O artista foi tema de mais uma aula lotada do Prof. Renato Brolezzi, no MASP, que teve como ponto de partida a obra do museu 'Paul Viaud como Almirante do Século XVIII', finalizada em agosto de 1901, pouco antes da morte do pintor.

Toulouse-Lautrec - 'Paul Viaud como Almirante do Século XVIII' (1901) - óleo s/ tela - MASP

O 'Paul Viaud' retratado na pintura era um primo de Toulouse-Lautrec, trabalhava na marinha e o artista quis fazer uma paródia com o parente. Na ocasião, a condessa Adèle, mãe do pintor, havia pedido que o rapaz "tomasse conta" do filho que tinha os dois pés na esbórnia em Paris. Naturalmente, os conselhos maternos foram inúteis: Toulouse-Lautrec era um alcoólatra notório e inclusive mandou confeccionar uma bengala oca a fim de carregar bebida em seu interior e despistar as pessoas.

Vemos que, ironicamente, o navio do quadro está naufragando e o horizonte é torto, quiçá uma metáfora do próprio artista que intuía o fim próximo. Acredita-se, aliás, que esta seja sua penúltima pintura. Na tela notamos, também, grandes sugestões de horizontais e verticais e um estimulante contraste de duas cores complementares, o vermelho e o verde. Há uma harmonia no todo, uma ordem no conjunto – o oposto da vida do artista. 

Esse artista genial, com um traço inconfundível, excelente desenhista e inventor dos affiches – cartazes precursores da propaganda publicitária, nasceu de uma família abastada, em um castelo de Albi, nas proximidades de Toulouse, à época uma cidade muito rica no sudoeste da França e colonizada por ingleses na Idade Média. Consta, inclusive, que a família Toulouse-Lautrec havia lutado nas Cruzadas. Seu pai e seu avô haviam enriquecido com o mercado imobiliário e o pai, homem impetuoso, era um colecionador inveterado: juntava armas, livros e cavalos com o mesmo afã com que colecionava amantes.

Toulouse-Lautrec era um homem pequenino devido a uma má formação congênita nos ossos, agravada por dois tombos sérios que sofreu na infância, fazendo com que apenas seu tronco se desenvolvesse. Apesar dessa anomalia física, se é que podemos chamar assim, ele era um homem extrovertido, de excelente humor e muito aberto aos estímulos da modernidade.

O artista começou a pintar por volta de 1880/81 e, no início da carreira, gostava de pintar cavalos. Na obra abaixo, retratou o pai em uma diligência.

Toulouse-Lautrec - 'Conde Alphonse de Toulouse-Lautrec conduzindo sua diligência em Nice' (1881) - óleo s/ tela

Quando realizou a pintura a seguir, com modelo vivo, o artista tinha apenas 17 anos e ainda era aluno de seu primeiro professor, René Princeteau. No entanto, já podemos vislumbrar seu enorme talento e uma técnica magnífica.

Toulouse-Lautrec - torso de homem nu (c. 1881)

Foi em 1882 que Tolouse-Lautrec mudou-se para Paris. Chegou lá com sua mãe e eterno anjo da guarda, a recatada condessa Adèle, que o acompanhou para zelar pelo filho. Porém, foram morar em casas separadas e em 1884 o artista mudou-se para Montmartre, que oferecia o ambiente boêmio onde se sentia em casa. Em Paris, estudou dois anos na Escola de Belas Artes e teve aulas com grandes acadêmicos, como Fernand Cormon, que também foi professor de Van Gogh, e Léon Bonnat, entre outros.

O artista dava-se muito melhor com o universo marginal e mundano dos cabarés, bordéis e cafés-concerto do que com o mundo burguês no qual havia nascido. Na cidade-luz levava uma rotina insana, bebendo muito e dormindo pouco, e também retratando os tipos que desfilavam nas noitadas. Frequentava os cabarés das 21h às 5h, trabalhava das 5h às 12h, dormia das 12h às 16h e trabalhava novamente das 16h às 21h. Tudo entremeado com grandes goles de bebida em um estilo de vida que, naturalmente, muito contribuiu para debilitar sua saúde.

Vale ressaltar que na obra de Toulouse-Lautrec não há improvisação nem experimentalismo. Tudo era estudado e, após captar a imagem, o artista levava muito tempo para terminá-la. Apaixonado por fotografia, não hesitou em inserir recortes "fotográficos" e enquadramentos inusitados em suas obras, revelando uma influência inclusive das gravuras japonesas, que estavam na moda então. Lautrec apreciava muito o trabalho de Utamaro, mestre japonês da gravura do século XVIII. A obra abaixo mostra bem o enquadramento anticonvencional para a época, bem como a desconstrução da imagem e o dinamismo gerado pela fusão entre linha e cor.

Toulouse-Lautrec - 'Bailarinas' (1885-6) - óleo s/ gesso - Art Institute of Chicago

Os circos eram muito populares na Paris do final do século XIX. Na obra a seguir, vemos um espetáculo circense com enquadramento também fora dos padrões, maquiagens carregadas e grandes partes da tela deixadas propositalmente em branco. Uma curiosidade: ao ser inaugurado, o Moulin Rouge comprou essa pintura para decorar seu foyer.

Toulouse-Lautrec - 'No Circo Fernando' (1887-88) - óleo s/ tela -Art Institute of Chicago

Quando ainda era aluno do Ateliê Cormon em Paris, o artista foi colega do pintor Émile Bernard, que à época ainda era um adolescente e também estudante do ateliê, assim como Van Gogh. Toulouse-Lautrec fez então um retrato do amigo que, mais tarde, confidenciou ter posado trinta e três vezes para a pintura. O pintor também foi muito amigo de Van Gogh entre 1886 e 1888, e eles inclusive chegaram a trabalhar juntos.

Toulouse-Lautrec - 'Emile Bernard' (1885) - óleo s/ tela - Tate Gallery - Londres

Toulouse-Lautrec - 'Justine Dieuhl' (1891) - óleo s/ cartão - Musée d'Orsay - Paris
Justine era filha de um colecionador de Paris.

Embora muita gente o classifique dessa forma, Toulouse-Lautrec não era impressionista, mas pós-impressionista, por assim dizer. Na realidade, o artista extrapolou os princípios do impressionismo. Deformou a imagem, não estabeleceu contornos rígidos e produziu movimento, dando-nos uma impressão fugidia da cena, como se a obra estivesse inacabada. Temos uma impermanência absoluta da forma. Em outras palavras, ele não pintou superfícies passageiras da luz momentânea como os impressionistas, mas a própria estrutura da forma se dissolveu. A invenção da tinta em tubos, com a criação de novos pigmentos, contribuiu muito para a liberdade artística e para satisfazer o anseio desses primeiros pintores modernos.

Vale ressaltar, também, que o artista foi um grande explorador do crayon e, frequentemente, misturava técnicas na mesma obra, como óleo e crayon, para obter o efeito desejado. Homem eminentemente urbano, não gostava de pintar paisagens, preferindo retratar o ambiente da cidade.


Toulouse-Lautrec - 'Divã' (c.1893) - óleo c/ essência sobre cartão - MASP
Aqui, a cena de um bordel com uma profusão de vermelhos, a cor da "luxúria".

As obras abaixo estão dentre as mais conhecidas de Toulouse-Lautrec e mostram cenas de um ambiente que era praticamente sua segunda casa: o cabaré Moulin Rouge, inaugurado em 1889, onde ele passava boa parte do tempo, inclusive trabalhando, e de onde tirou vários tipos lendários que povoam suas obras, uma verdadeira fauna de bailarinos, cantores, prostitutas e boêmios de todos os matizes. O cabaré era todo envidraçado e iluminado com lampiões a gás e, vira e mexe, as pessoas, já um tanto bêbadas, batiam o nariz no vidro. Detalhe curioso: a palavra moulin, em francês, era também uma gíria para designar o órgão sexual feminino.

O maravilhoso Moulin Rouge à época de Toulouse-Lautrec, com sua alegria e iluminação feérica - foto anônima.

Na obra a seguir, vemos o próprio artista – a figura minúscula central ao fundo - e seu primo Gabriel Tapé de Céleyran no Moulin Rouge, entre outras figuras da noite. O primo, que era médico, havia sido incumbido pela zelosa condessa Adèle de cuidar do filho, mas também caiu na esbórnia e quase arruinou a carreira. Quem poderia resistir ao Moulin Rouge? Em primeiro plano, à direita, está a cantora inglesa May Milton tomada por uma máscara de luz surreal. Certa vez, um marchand do artista cortou a tela para remover essa figura da composição, pois julgava o quadro difícil de vender devido a esse detalhe "chocante". Felizmente, May Milton foi reinserida na pintura em 1914, restituindo à obra-prima sua aparência original.

Toulouse-Lautrec - 'No Moulin Rouge' (1892-95) - óleo s/ tela - Art Institute of Chicago

A seguir, mais uma cena do Moulin Rouge na primeira pintura de grandes dimensões de Toulouse-Lautrec. Dançando, no centro, vemos os lendários Valentin le Désossé e Louise Weber, conhecida como 'La Goulue' ("A Gulosa"), uma das criadoras do cancan e principal estrela da casa. Os clientes podiam adquirir postais seus no local, inclusive em poses eróticas. Quando ficou mais velha e as pessoas se cansaram de sua imagem, Louise foi demitida e casou-se com o dono de um circo, mas teve um destino trágico: seu marido foi comido pelos leões de seu próprio circo, a pobre moça tornou-se alcoólatra e morreu na indigência. Em primeiro plano, vestida de rosa, está Jane Avril, concorrente e sucessora de La Goulue.


Toulouse-Lautrec - 'Dança no Moulin Rouge' (1890) - óleo s/ tela - Philadelphia Museum of Art

Preciosidade: o mestre diante da obra anterior! - quem será que teve o privilégio de testemunhar essa cena?

A seguir, vemos La Goulue entrando no Moulin Rouge com sua empresária Môme Fromage à esquerda. Outro detalhe: a empresária já havia sido presa por manter casas de prostituição. Sim, nosso amigo, definitivamente, nasceu para o bas-fond! Aliás, quando o Moulin Rouge perdeu sua aura marginal e começou a ficar "respeitável", ele simplesmente parou de frequentá-lo.

Toulouse-Lautrec - 'La Goulue entrando no Moulin Rouge' (1892)

E nesta litografia de 1891, um legítimo cartaz de propaganda que
Toulouse-Lautrec fez para divulgar o Moulin Rouge. No centro está La Goulue,
e a silhueta em primeiro plano é de Valentin Le Désossé.

A jovem Louise Weber, La Goulue, em foto que deve ter sido de um
cartão postal.

Yvette Guilbert, outra estrela do Moulin Rouge,
sempre se apresentava com luvas negras.
Este guache sobre cartão é de 1894.

Abaixo, um cartaz de propaganda que Toulouse-Lautrec fez para o amigo Paul Sescau,  grande fotógrafo que costumava assinar com o símbolo de um elefantinho. Sescau fez várias fotos do artista.


Toulouse-Lautrec e o cartaz que criou para divulgar os serviços do amigo fotógrafo.

Outra figura mitológica dos cabarés e também amigo de Toulouse-Lautrec era o cantor popular Aristide Bruant, que sempre se vestia do mesmo jeito e homenageava, em suas canções, os camponeses e excluídos. Bruant também foi empresário, adquirindo casas de café-concerto e cabarés como o Chat Noir e o Ambassadeurs. À tarde, os cabarés eram inocentes casas de chá frequentadas por senhoras e senhoritas com perfil bem diferente daquelas que frequentavam o local à noite.


Esse é um dos cartazes mais famosos de Toulouse-Lautrec, desta vez
para divulgar o cabaré do amigo Aristide Bruant.

Podemos dizer que Toulouse-Lautrec se esgotou fisicamente para produzir sua obra e, já doente e no fim da vida, viajou a Bordeaux, onde assistiu a muitas óperas e adorou a experiência, criando uma série de obras por lá. Uma das óperas que lhe agradaram particularmente foi 'A Messalina', de um inglês chamado Isidore de Lara, e o artista pintou mais de uma cena inspirada no espetáculo.


Toulouse-Lautrec - 'A Messalina' (1900-1901) óleo s/ tela

Acredite se quiser, mas 'Rato Morto' era o nome de um restaurante de Montmartre. "Inspirador", não? (rs) Na tela abaixo, o artista retrata uma cortesã naquele restaurante cujo nome, definitivamente, não deve ter saído da cabeça de um marqueteiro.


Toulouse-Lautrec - 'No Rato Morto' (c.1899) - The Courtauld Institute of Art - Londres

A próxima pintura é talvez a derradeira e retrata o primo Gabriel em um exame de medicina – sim, o mesmo primo médico ao qual a condessa Adèle, uma mãe aflita, havia pedido tempos atrás que tomasse conta do filho. Mas foi em vão. Toulouse-Lautrec viveu e morreu por sua obra e, para ele, isso bastava para que fosse feliz em sua curta existência.


Toulouse-Lautrec - 'Um exame na escola de medicina', Paris' (1901) - óleo s/ tela

Muito mais haveria para ser dito sobre Toulouse-Lautrec, mas, como não há espaço aqui, espero pelo menos ter inspirado você a pesquisar mais sobre a vida e obra desse artista único! Até a próxima!

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Guy King na 'The Orleans': o rei do blues de Chicago canta e arrasa na guitarra.

Foto: Simone Catto
Outro dia descobri que a Bourbon Street, uma das mais famosas ruas de New Orleans, tem mais de duzentas casas de jazz. E mais: ninguém paga para entrar em nenhuma delas e couvert artístico não existe. Você só paga o que consome. Diante desse cenário, surgem as inevitáveis comparações entre a riqueza musical de certos centros urbanos desenvolvidos e a atual pobreza cultural do Brasil que atinge até mesmo metrópoles como São Paulo, pobreza essa que grita, literalmente, na música. O que tenho ouvido por aí em termos musicais é sofrível, triste mesmo. De uma mediocridade descomunal que reflete a falta de educação e cultura de um povo cujos governantes estão pouco se lixando para sua formação cultural, já que eles próprios são a mais bestial tradução das trevas da ignorância.

Diante disso, é sempre um alento descobrir casas como a 'The Orleans' que, cujo nome já indica, tem como proposta oferecer música de qualidade em um ambiente agradável onde se pode degustar boas opções de bebida e comidinhas. Estive lá apenas uma vez, mas já verifiquei que o o som é dos melhores: jazz, blues, rhythm'n'blues e afins.

Fui convidada a assistir a um show específico de um excelente bluesman que eu não conhecia, mas que já goza de grande reputação no meio jazzístico: Guy King, guitarrista, cantor e compositor nascido em Israel e residente nos Estados Unidos. Ele já havia estado aqui anteriormente e, desta vez, veio por alguns meses para descansar, fazer shows e ainda chegou a se apresentar no Programa do Jô.

Guy  King, talentosíssimo e carismático.

O homem é mesmo muito bom. Aprendeu a tocar guitarra de ouvido e, já nos Estados Unidos, tornou-se um respeitado músico e cantor, tendo participado de inúmeros festivais de jazz e conquistado vários prêmios, sendo chamado 'O Rei do Blues de Chicago'. Não é por menos. Além de ter uma bela voz, Guy realmente arrasa na guitarra e ainda por cima é jovem, bonito e extremamente simpático. Na 'The Orleans' apresentou-se com mais cinco excelentes músicos e a casa lotou de gente com bom gosto musical: casais, grupos de amigos e até mesmo homens sozinhos que estavam curtindo seu som numa boa. Chegamos cedo, pedimos um vinho e jantamos para aguardar o show, que começou após as 23h e terminou mais de uma da manhã.

Tudo blue na espera dos blues! - Foto: Simone Catto

O tinto alentejano 'Monte da Vaqueira' cumpriu seu papel: esquentou a espera
e desceu macio com um toque de frutas vermelhas - Foto: Simone Catto

Guy arrasando com a banda - Foto: Simone Catto

O repertório era composto em sua maioria de composições próprias de Guy, mas não faltaram hits como Unchain my heart, Georgia on my mind e até um simpático toque de bossa nova com Água de beber. O preço do couvert foi amigável dado o altíssimo nível do show, que aconteceu em um sábado: R$ 35,00.

O cardápio do 'The Orleans' não é muito extenso, mas tem pratos para todos os gostos, além de petiscos. Comi uma massa que estava muito boa e o outro pedido da mesa foi um filé au poivre que também agradou. A propósito, nem todos os itens que vimos no cardápio impresso constam no site. Fica portanto a sugestão para a casa atualizar também o cardápio online, para valorizar ainda mais seu serviço. Outra coisa que senti falta no site foi a carta de vinhos, já que esse perfil de público também aprecia um bom vinho, como é o meu caso. No dia de minha visita, pelo menos, vi várias mesas com garrafas de tintos. Fica a dica!

Guy King ainda se apresentará em Curitiba e Goiânia, confira sua agenda de shows aqui: www.guyking.net. Para saber a programação da 'The Orleans', acesse www.theorleans.com.br. O endereço é Rua Girassol, 398 – Vila Madalena. Tel.: 3031-1780. Dica para estacionar: embora a casa ofereça serviço de valet, vale a pena virar à esquerda na Rua Wizard e deixar o carro no estacionamento em frente ao bistrô 'Allez, Allez!'. É um estacionamento amplo, bem iluminado, mais barato (R$ 18) e você anda só meio quarteirão para chegar à casa.

Enquanto escolhe seu próximo show, veja aqui uma palhinha do Guy King que peguei na Web, interpretando uma composição chamada Born under a bad sign. Enjoy it!



quarta-feira, 7 de maio de 2014

Jardim Botânico, um refúgio para lembrar que até Sampa pode ter vida de verdade.

No turbilhão da vida que levo em São Paulo, tenho sentido com frequência cada vez maior uma necessidade imperiosa de fazer aquilo que chamo de "escapada estratégica", isto é, buscar alguma forma de estar em contato com a natureza e me reconectar a minhas origens. Como nem sempre é possível sair da cidade, vivo procurando alternativas e acabo de achar um ótimo refúgio: o Jardim Botânico de São Paulo, localizado na Zona Sul da cidade.

Nunca me esqueci de quando o visitei pela primeira vez, ainda criança, levada por meu pai e meu avô. A imagem de uma imensa escadaria em um amplo jardim permaneceu para sempre em minha memória, ao lado de uma viva lembrança de ter sentido algo de muito positivo naquele lugar. Agora, tantos anos depois, retornei àquela imensa reserva florestal e fiquei muito feliz ao constatar que ela não só está muito bem preservada como também é bem frequentada, limpa e ainda conta com um excelente restaurante com mesas ao ar livre. 

O jardim com a escadaria que me impressionou desde criança - Foto: Simone Catto

Detalhe da escada - Foto: Simone Catto

A natureza em toda a sua beleza e exuberância no Jardim dos Sentidos - Foto: Simone Catto

Para começar, o lugar não lota. Nada das hordas de famílias e crianças normalmente encontradas no Jardim Zoológico, pouco mais à frente. É outro perfil de público, outro astral e outra vibe. Além disso, não é permitido a entrada com animais, bicicletas, skates, bolas ou afins, o que já garante a santa paz e o sossego do lugar. A impressão que temos ao entrar e respirar aquele ar já é mágica.

Foto: Simone Catto

O traçado desse jardim, chamado Jardim de Lineu, lembra o dos jardins franceses - Foto: Simone Catto

Estive no Jardim Botânico na última sexta-feira do feriadão de 1º de Maio e, como foi dia útil para muita gente, o parque estava quase vazio e pude explorar o espaço com tranquilidade. São 360 mil m² de área de visitação que incluem trilhas pavimentadas e de terra batida, lagos, estufas e até um museu. 

Foto: Simone Catto

O delicioso Túnel de Bambu - Foto: Simone Catto

Lago das Ninfeias - Foto: Simone Catto

Na ocasião estava acontecendo a 115ª Exposição Nacional de Orquídeas, com lindas e exuberantes espécies de diferentes regiões do Brasil.

Belíssimo exemplar da 115a. Exposição Nacional de Orquídeas - Foto: Simone Catto

As orquídeas, uma mais linda que a outra! - Foto: Simone Catto

Único no Estado a preservar uma reserva de Mata Atlântica, nosso Jardim Botânico tem uma paisagem exuberante que inclui uma enorme variedade de plantas e árvores, como palmeiras, sequoias, quaresmeiras, manacás, ipês e bicos-de-papagaio, entre outras, até espécies ameaçadas de extinção, como pau-brasil, imbuia e pinheiro-do-paraná (araucária). Palmitos, cipós e exóticas bromélias também fazem parte da luxuriante paisagem. Na Trilha da Nascente, podemos avistar macacos, tucanos e preguiças até a nascente do córrego Pirarungaua e ver a água límpida brotar da terra. Há até um lago circundado por bugios, aqueles macacos barulhentos de cara pouco amigável (rs). É realmente um deleite passear por lá, faz bem para corpo e alma!

Um belo panorama da mata com o Portão Histórico e o Lago das Ninfeias em primeiro plano - Foto: Simone Catto

O belíssimo Portão Histórico do final do século XIX - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

O lugar é cheio de refúgios agradáveis... - Foto: Simone Catto

Nessa minha visita optei por almoçar no delicioso restaurante do lugar, que oferece um variado e saboroso bufê por quilo a preços justos e ainda tem mesas debaixo de um caramanchão, onde podemos saborear nossa refeição apreciando uma bela vista do parque.

Dá gosto almoçar aí! - Foto: Simone Catto

Aqui e acolá, em cantinhos privilegiados da floresta, vi mesas de madeira para piquenique – sim, piquenique pode! – e algumas estavam ocupadas por pequenos grupos que comiam e conversavam civilizadamente. Ao contrário do que ocorre em tantas cidades europeias, em São Paulo, infelizmente, é praticamente impossível encontrar lugares como esse para a gente fazer um piquenique sossegada. Lembro que, quando criança, fiz vários e inesquecíveis piqueniques no Pico do Jaraguá com minha família. Nunca mais voltei lá, mas tenho certeza de que hoje isso deve equivaler a um suicídio! Por isso, tive uma grata surpresa ao constatar que no Jardim Botânico ainda podemos fazer um piquenique. Quem sabe na próxima vez?

Um doa agradáveis recantos para piquenique - delícia! - Foto: Simone Catto

Ah, sim: também vi muitos japoneses no parque. Alguns estavam em grupos, sentados no chão e brincando com a prole, alegres e fofas criancinhas. Outros tiravam fotos com poderosas câmeras fotográficas e tripés. Sim, os japoneses apreciam a natureza e sabem o que é bom!

Foto: Simone Catto

Mas vamos explicar um pouco como tudo começou. No final do século XIX, o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, como era então denominada a região, era uma vasta mata nativa ocupada por sítios e chácaras. Após uma desapropriação do governo para preservar os recursos hídricos e as nascentes do Riacho do Ipiranga, a área passou a chamar-se Parque do Estado e até 1928 serviu para a captação de águas que abasteciam o bairro do Ipiranga. Para nossa alegria, naquele mesmo ano, o naturalista Frederico Carlos Hoehne foi convidado a implantar um Jardim Botânico no local, e em 1938 ele foi oficializado.

Foto: Simone Catto

Se você é como eu e os japoneses e também gosta de paz, de caminhar e do contato com a natureza, o Jardim Botânico é um passeio imperdível. E, acredite, fica pertinho da “civilização”! Endereço: Av. Miguel Stéfano, 3687 - Água Funda. Tel.: 5067-6000 - www.jardimbotanico.sp.gov.br. Abre de terça a domingo e feriados, das 9h às 17h, e ainda por cima o ingresso tem preço justo: R$ 5,00 a inteira e R$ 2,50 a meia. O estacionamento também cobra um valor razoável: R$ 8,00. Corra pra lá!