sexta-feira, 6 de setembro de 2013

'Flores Raras'. Assista ao filme, leia o livro e descubra duas mulheres extraordinárias.

Faz mais de dez anos que li um livro intitulado 'Flores Raras e Banalíssimas' e que muito me marcou então. De autoria de Carmen L. Oliveira, ele narra uma história de amor transgressora situada em um período nostálgico da história do Brasil: as décadas de 50 e 60, tendo como pano de fundo a concepção e construção do parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, a bossa-nova, a queda do governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, e o advento do Golpe Militar. As protagonistas dessa louca história de amor são Lota de Macedo Soares, rica, visionária, arrojada e realizadora, e Elizabeth Bishop, poetisa norte-americana que figura no panteão dos melhores da língua inglesa.  

Há muito não ouvia falar dessas duas mulheres extraordinárias até saber da estreia do filme ‘Flores Raras’, de Bruno Barreto, ao qual tive a oportunidade de assistir em um fim de semana no excelente Cine Livraria Cultura.

Miranda Otto e Glória Pires, soberbas como Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares.

Baseado no livro mas não totalmente fiel a ele, o filme mostra como Lota, mulher culta, determinada, frequentadora das altas rodas e espécie de arquiteta autodidata, recebe em sua casa encravada na mata de Samambaia, em Petrópolis - RJ, a tímida forasteira Bishop (a bela Miranda Otto), que estava meio perdida na vida e no alcoolismo, em busca de outros ares para recobrar a inspiração de escrever. Lota, interpretada pela excelente Glória Pires, tem uma relação homossexual estável com outra americana, Mary (Tracy Middendorf), mas acaba se apaixonando por Bishop, é correspondida, e aquela que deveria permanecer no Brasil apenas dois dias acaba ficando 16 anos.

Mary (Tracy Middendorf), a ex-amante, e Lota.

Elizabeth chega trazendo sua timidez na bagagem, mas a perdeu rapidinho.

Durante alguns anos, o casal vive um relacionamento idílico numa paisagem de sonho: a exuberante casa 
de Lota na mata de Samambaia, em Petrópolis. 

As duas vivem felizes durante algum tempo e Bishop produz alguns de seus melhores poemas durante esse interlúdio idílico. Porém, a avidez de Lota em concretizar seu ambicioso projeto arquitetônico para o parque à beira-mar do Aterro do Flamengo acaba consumindo todo seu tempo e energia, relegando Bishop a um segundo plano. A escritora recai então no alcoolismo, e as duas começam a se afastar até Elizabeth aceitar uma oferta para dar aulas em uma universidade americana. A partir daí, Lota mergulha em uma espiral decrescente até o desfecho trágico.



Um dos aspectos que chamam atenção, no filme, é o clima liberal que reina no lar do casal. Bem relacionada, Lota recebe amigos para jantar, frequenta recepções ao lado de Elizabeth e a relação homoafetiva das duas parece ser encarada com naturalidade em uma época supostamente muito mais moralista e intolerante. Detalhe: a casa onde as duas vivem no filme não é a residência onde o casal realmente viveu na mata de Samambaia, mas uma casa projetada por Oscar Niemeyer que fica no Rio Grande do Sul. 

É curioso como, em determinado momento no início do filme, para apaziguar Mary, a parceira traída, Lota lhe propõe adotar uma criança, sonho há muito acalentado pela outra. E assim se faz. As três mulheres, mais a criança, passam eventualmente a conviver sob o mesmo teto, apesar do ciúme de uma ou de outra – principalmente de Mary em relação à americana. É crível imaginar que a aceitação desse casal heterodoxo tenha se dado, à época, graças ao prestígio social e dinheiro de suas protagonistas.

Lota e Elizabeth recebem em Samambaia diversas personalidades, entre as quais o governador 
da Guanabara, Carlos Lacerda, interpretado por Marcelo Airoldi.

Aqui vemos a criança adotada por Mary, uma menininha cercada de carinho pelas mulheres.

Só sei que saí do cinema com uma sensação extremamente prazerosa por, passada mais de uma década, compartilhar novamente da intimidade, das realizações e também dos percalços daquele casal tão improvável quanto fascinante. Enfim, trata-se de um belo filme que merece ser visto por retratar uma época interessante de nosso país e, principalmente, por resgatar e desvelar o relacionamento amoroso entre duas personagens tão excepcionais. Veja o filme, mas, sobretudo, não deixe de ler o livro. É daqueles que a gente começa e não consegue largar mais!  

FLORES RARAS não está mais em cartaz no Cine Livraria Cultura, mas está em outras boas salas, como Reserva Cultural e Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca e Augusta. Vale a pena assistir!

Ficha técnica parcial:

Diretor: Bruno Barreto
Elenco: Glória Pires, Miranda Otto, Tracy Middendorf, Marcelo Airoldi e outros
Direção de Produção: Claudia Novaes
Direção de Arte: José Joaquim Salles
Diretor de Fotografia: Mauro Pinheiro
Figurino: Marcelo Pies

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