Normalmente, as peças apresentadas no Teatro do Sesi (no prédio da
Fiesp) costumam ser boas, com elencos de peso, belos cenários, produções ricas
e autores interessantes. Ainda por cima, a entrada é sempre franca, o que deve
ser possível graças ao financiamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - sim, a Fiesp. Com 'A Madrinha Embriagada', comédia
musical atualmente em cartaz por lá, não é diferente. OK, quem costuma ler meus
posts sobre teatro sabe que não sou chegada a musicais. Mas justamente por
conhecer a qualidade dos espetáculos apresentados no Teatro do Sesi, fui conferir.
Para começar, a direção é de Miguel Falabella, que também criou, a convite de Cleto Baccic, diretor-geral de produção
do espetáculo, a versão em português deste musical de língua inglesa cujo
título original é 'The Drowsy Chaperone'. Por si só, o nome de Falabella já representaria,
pelo menos para mim, um aval de qualidade. Eu não estava errada. Na montagem brasileira, a narrativa
foi deslocada dos Estados Unidos para o Brasil, mais precisamente para a São
Paulo dos anos 20, marcada por toda a efervescência cultural que veio no rastro
da Semana de Arte Moderna de 22.
Foto: Caio Galucci (programa oficial do espetáculo) |
A belíssima cenografia de Renato Theobaldo e Beto Rolnik mostra
a decoração rebuscada das mansões burguesas da época e também apresenta soluções
criativas para a mudança de ambientes. Não por acaso, a todo momento vemos
referências a Tarsila do Amaral, um dos ícones da Semana de Arte Moderna. Os
músicos, que no dia de minha visita estavam sob regência da maestrina Laura
Visconti, ficam em um mezanino na lateral do palco, separados da
cena e da plateia por uma espécie de voil
transparente.
Os figurinos são um espetáculo para os olhos. Luxuosos e primorosos,
foram fruto de uma pesquisa de Fause Haten sobre os modelos usados por aqui
pelos ricos e elegantes da década de 20 e que chegaram ao Brasil com certo
atraso em relação à Europa. Basta dizer que a peça usa 180 peças de figurino,
40 perucas e 65 pares de sapatos (!).
Foto: www.estadao.com.br |
O espetáculo é uma metalinguagem, com uma história dentro da
história. Em uma delas, um simpático narrador (Ivan Parente) fica o tempo todo
relatando o enredo de um antigo musical, da poltrona de casa, no canto esquerdo
do palco. O rapaz, cheio de nostalgia por uma época que não viveu, vai ouvindo um
velho disco de vinil e, conforme seu relato, as cenas do musical são mostradas
no restante do palco, como se ele estivesse a imaginar tudo aquilo. E assim
temos a outra história.
Ivan Parente, o homem da poltrona com o antigo disco de vinil. Foto: Caio Gallucci (catálogo oficial do espetáculo) |
O musical que encantou o rapaz fala sobre uma famosa atriz, Jane
Valadão (Sara Sarres), que decide abandonar os palcos para se casar com o rico,
bonitão e bom moço Roberto Marcos (Frederico Reuter). O dono do teatro onde
Jane se apresenta, Sr. Iglesias (Saulo Vasconcelos), tenta a todo custo impedir
o casamento da atriz para que ela não abandone a carreira e, assim, ele não perca
sua mina de ouro. A madrinha da noiva (Paula Capovilla) que dá nome à peça está
sempre de pileque e acaba, sem querer, caindo nos braços de um amante latino
argentino, Aldolpho, um tipo caricato e engraçado interpretado pelo próprio
Cleto Baccic.
Aldolpho, o amante latino interpretado por Cleto Baccic e a madrinha (Stella Miranda). Foto: Caio Gallucci (programa oficial do espetáculo) |
O curioso é que o narrador da poltrona nos conta que, em 1928, o
musical ao qual assistimos teria sido criado por um homem chamado "João
Canarinho" e supostamente estreado no luxuoso Teatro São Pedro, em São Paulo,
por atores brasileiros aos quais são atribuídos nomes, vidas e destinos também fictícios.
Algumas das biografias criadas para esses atores são fantasiosas e
mirabolantes, bem ao estilo da mística em torno da vida real de tantos astros e
estrelas. O personagem Aldolpho, por exemplo, teria sido interpretado, em 1928,
por um suposto "Rolando Bartelli", descrito como um típico latin lover argentino e canastrão que arrancava suspiros das
moçoilas.
Temos, portanto, três planos temporais diferentes que se
entrelaçam na peça: primeiro, o tempo do narrador da poltrona. Segundo, o tempo
dos personagens do musical que ele narra e ao qual assistimos. E terceiro, o
tempo dos atores fictícios que teriam encenado o musical em 1928.
Criado unicamente para divertir e entreter com toda aquela
parafernália visual, o espetáculo tem uma trilha festiva e uma narrativa pueril
encoberta pelo talento de um elenco tarimbado e também pela engenhosidade do
roteiro, da direção e da produção, que compensam qualquer lacuna que porventura
pudesse existir. Consta que, durante a produção da peça, 2.600 currículos foram
avaliados e cerca de 500 atores participaram das audições. Um dos momentos
altos é um belíssimo número de sapateado pela dupla Frederico Reuter e Fernando Rocha,
que deu um verdadeiro show. Só esse número já valeu o espetáculo!
Ficha técnica parcial:
Direção e Versão: Miguel Falabella
Direção Musical: Carlos Bauzys
Coreografia: Kátia Barros
Figurinos: Fause Haten
Cenografia: Beto Rolnik e Renato Theobaldo
Texto: Bob Martin e Don Mc Kellar
Músicas e letras: Lisa Lambert e Greg Morrison
Músicas e letras: Lisa Lambert e Greg Morrison
Elenco: Ivan Parente, Sara Sarres, Frederico
Reuter, Stella Miranda, Cleto Baccic, Saulo Vasconcelos, Kiara Sasso, Fernando
Rocha e outros.
Se
você gosta de teatro, vale a pena tentar um ingresso para 'A MADRINHA
EMBRIAGADA'. Em cartaz no Centro Cultural Fiesp Ruth Cardoso - Teatro Sesi São
Paulo - Av. Paulista, 1.313. Tel.: 3146-7406. Quarta a sexta-feira: 21h /
sábado: 16h e 21h / domingo: 19h. Entrada franca.
Dica:
a bilheteria abre às 13h, mas só é possível retirar ingressos para espetáculos do
mesmo dia. Cada pessoa tem direito a até dois ingressos. Se preferir, você pode
fazer uma reserva online no site do Sesi-SP. Para setembro as reservas online
já estão esgotadas, mas para outubro poderão ser feitas a partir de 20/9, às
8h. Bom espetáculo!
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