Quando falamos em artistas como Monet ou Renoir, imediatamente
os associamos ao Impressionismo, evidentemente. E quando pensamos em Portinari,
no caso do Brasil, no ato pensamos no Modernismo. O fato é que alguns artistas
são imediatamente associados a uma única escola ou estilo por terem produzido,
ao longo da vida, obras que estivessem, em sua maior parte, vinculadas a ele.
Já quando falamos de Alfredo
Volpi (1896-1988), no entanto, não podemos fazer o mesmo. Embora a maioria
das pessoas evoque de imediato as famosas "bandeirinhas" estilizadas do mestre, a verdade é
que Volpi foi um artista plural. Ao longo da vida, trabalhou da forma que mais lhe
convinha, transitando do figurativo para o abstrato e deixando-se levar pelos instintos
e pelo coração, sem se preocupar em agradar este ou aquele ou se enquadrar em determinada
escola. Volpi era Volpi, e pronto. Esse aspecto fica patente na exposição 'Os Volpis
do MAC', que, embora exiba apenas 18 obras do artista pinçadas de seu
acervo, é suficiente para mostrar seu imenso talento e versatilidade.
A produção inicial de Volpi, na década de 20, era figurativa,
com destaque para os retratos e paisagens. Devido a sua grande sensibilidade
para a luz e sutileza no uso das cores, o artista chegou a ser comparado aos
impressionistas. Outras obras dessa época, no entanto, evocam composições do
romantismo. Em meados dos anos 1930, Volpi se aproxima do Grupo Santa Helena. Em 1937, conhece o pintor Ernesto
de Fiori, recém-chegado da Itália, e começa a considerar, cada vez mais, a possibilidade de que os
elementos plásticos de uma pintura pudessem ser mais importantes que seu tema e sua
narrativa. Em 1939, Volpi inicia a série de marinhas e paisagens realizadas em
Itanhaém, litoral de São Paulo. É dessa época, também, as paisagens de Mogi das
Cruzes que vemos a seguir.
'Mogi das Cruzes' (1939) - óleo s/ tela - foto: MAC USP |
'Mogi das Cruzes' (1940) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto |
No início da década de 40, Volpi se encanta com a arte colonial,
passando a trabalhar com temas populares e religiosos. Ao mesmo tempo, sua obra
passa por uma rigorosa simplificação formal, adquirindo traços mais simples e
menos elementos. A têmpera passa a ser mais utilizada na passagem da década de
40 para 50, conferindo à sua pintura uma textura menos densa e mais fluidez.
'Reunião à Mesa' (1943) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto |
'São Francisco' (1945) - óleo s/ tela - foto: MAC USP |
'Casas de Itanhaém' (1948) - têmpera s/ tela - foto: MAC USP |
A partir da década de 1950, as composições do mestre caminham mais
e mais para a abstração. Passam por um processo de depuração, tornando-se mais
esquemáticas e abstratas. As obras que mostram fachadas e casarios ganham a
companhia das pinturas das famosas e festivas bandeirinhas de festa junina. Porém,
embora tenha mantido contato com artistas concretistas e tenha sido inclusive convidado
a participar, em 1956 e 1957, das Exposições Nacionais de Arte Concreta, Volpi
não se prendeu ao rigor formal do movimento.
'Casas na Praia' (1952) - têmpera s/ tela - foto: MAC USP |
'Fachada' (1955) - têmpera s/ tela - foto: Simone Catto |
Ao analisarmos toda a produção ao longo da vida do artista, podemos
dizer que o ritmo de Volpi é atemporal e que sua arte nunca deu "saltos", isto é: embora
extremamente diversificada, sua produção sofreu transformações de forma gradativa
que surgiram de seu diálogo com a pintura, com incorporações graduais. Citando
o crítico Lorenzo Mammi, "o modernismo de Volpi é um modernismo da memória,
afetivo e artesanal, de marcha lenta e voz mansa". Volpi queria apenas criar, e
a única coisa que se manteve inalterada foi a excepcional qualidade de sua
produção.
Veja esse depoimento do artista em 1957:
"A
questão é que sempre pintei as minhas pinturas que ‘saem’, nunca fui atrás de
corrente alguma. Os concretistas me convidaram, fui expor com eles... mas nunca
pensei em seguir alguém ou qualquer corrente (...) Sempre pintei o que senti, a
minha pintura aos poucos foi se transformando, começa com a natureza, depois
aos poucos vai saindo fora, às vezes continua, eu nunca penso no que estou
fazendo. Penso só no problema da linha, da forma, da cor. Nada mais... Meus
quadros têm uma construção, o problema é só de pintura, não representam nada.
Isso vem aos poucos, é uma coisa lenta, é um problema, toda a vida foi assim."
'Bandeirinhas' (1958) - têmpera s/ tela - foto: MAC USP |
O mais incrível é que, apesar de toda a diversidade de sua obra,
Volpi saiu apenas uma vez do Brasil, e por um breve período, quando visitou a
Itália na década de 50. Podemos afirmar, portanto, que suas referências saíram majoritariamente
de sua sensibilidade e percepção do mundo que o circundava – fosse em São
Paulo, em Mogi das Cruzes, em Itanhaém ou onde estivesse.
Não dá para não citar, também, sua maestria no manejo das cores,
independentemente da época de sua vida. O que ocorre é que, com a progressão de
sua obra, suas pinceladas adquirem tonalidades cada vez mais vibrantes e
contrastantes.
A atualidade da obra de Volpi está, também, em sua inesgotável capacidade
de se "rearranjar" constantemente. A partir de uma forma, por exemplo, ele descobria outras novas para utilizar na pintura seguinte, em um desdobramento perpétuo. O
mesmo podemos dizer de sua exploração da cor. Volpi usava a cor para construir
um espaço e muitas vezes pintava o mesmo assunto apenas intercambiando as cores,
gerando uma obra totalmente diferente da anterior. O que era cor em uma pintura
virava vazio em outra com o mesmo tema, e assim por diante. Segundo Aracy
Amaral, Volpi era "moderno sem correr atrás de moda".
Embora a exposição
do MAC USP apresente uma pequena amostra do mestre, os trabalhos de VOLPI são
sempre um deleite para os sentidos. Vá lá! O MAC USP está na Av. Pedro Álvares Cabral, 1301 –
Ibirapuera. Tel.: 5573-9932 - www.mac.usp.br. Abre às terças-feiras
das 10h às 21h, e de quarta a domingo das 10h
às 18h. Entrada franca.
Veja, também, outras resenhas de exposições do MAC USP:
-Quem tem medo do MAC USP?
-'O agora, o antes: uma síntese do acervo do MAC USP'... e a pergunta que não quer calar.
-'Classicismo, Realismo, Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras'. Um tesouro a descobrir.
Veja, também, outras resenhas de exposições do MAC USP:
-Quem tem medo do MAC USP?
-'O agora, o antes: uma síntese do acervo do MAC USP'... e a pergunta que não quer calar.
-'Classicismo, Realismo, Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras'. Um tesouro a descobrir.
Bela iniciativa, parabéns.
ResponderExcluirsds.,
Raphael Alves do Amaral
Obrigada e feliz Ano Novo, Raphael!
Excluir