Fazia pouco mais de um
ano que eu havia visitado a nova sede do Museu de Arte Contemporânea da USP, no
Ibirapuera, instalada no prédio onde antes era o Detran. Na ocasião, lamentei,
em um post deste blog, a demora do museu em transferir seu imenso acervo
para o novo prédio, já que apenas o térreo e o mezanino estavam funcionando.
Comentei, também, sobre a ausência de um estacionamento e de um café para os
visitantes, já que um museu daquele porte merecia no mínimo uma cafeteria, a
exemplo do que vemos em museus do primeiro mundo.
Felizmente, em uma nova
visita no fim de semana, minha impressão foi bem diferente. Fiquei muito
contente em verificar que os oito andares da construção destinados a exposições
já estão ocupados por mostras de alto nível e que o museu oferece
estacionamento aos visitantes. Só notei duas ausências: 1) do café para aquela
pausa necessária entre uma exposição e outra e... 2) de gente. Sim, contavam-se nos dedos os visitantes do museu! Não dá para
entender como um espaço tão gigantesco e com um acervo tão importante possa atrair
tão pouca gente num fim de semana. Será por falta de divulgação? Falta de
cultura da população? Ou as duas coisas juntas? Quando visitamos museus de arte
moderna em Paris, Londres ou Nova York, por exemplo, invariavelmente nos depararmos
com filas e salões lotados, de forma que por vezes nem conseguimos apreciar as
obras direito. Ao passo que numa megalópole como São Paulo vemos um museu da
envergadura do MAC com os salões vazios... triste, triste!
Seja como for, não tive
dúvidas: tomei o elevador até o oitavo andar e, lentamente, fui descendo as
escadas para visitar as exposições que me interessavam, uma a uma. Vi pelo
menos umas quatro, mas neste post, especificamente, vou falar de duas: 'O artista como autor/o artista como editor'
e 'Para Além do Ponto e da
Linha: Arte Moderna e Contemporânea no Acervo do MAC USP'. Escolhi
essas duas exposições para abordar em primeiro lugar porque notei que elas têm
dois pontos em comum: ambas têm curadoria de Tadeu Chiarelli, diretor do museu, e em ambas ele
procura estabelecer uma dialética entre as obras expostas, em uma tentativa de confrontar
diferentes princípios para a criação.
Na exposição 'O Artista como Autor/o Artista
como Editor', no sexto andar, Chiarelli contrapõe, de um lado, obras que
poderíamos chamar de "autorais", isto é, de artistas que reivindicam uma
autoria única sobre elas "por meio de gestos e estruturas formais que
ratifiquem sua individualidade". Neste caso, estariam inseridas obras de Max
Ernst, Miró, Iberê Camargo e Léger, entre outras presentes no recorte da
exposição.
Max Ernst - 'Quadro para Jovens' (1943) - óleo s/ tela |
Joan Miró - 'Personagem atirando pedro num pássaro' (1926) - guache s/ papelão |
Iberê Camargo - 'Expansão' (1964) - óleo s/ tela |
Fernand Léger - 'Composição' (1936) - guache s/ papel |
De outro lado, encontram-se
obras de artistas que atuariam mais como editores de formas e imagens pré-existentes,
ressignificando seu sentido original, seja pela escolha arbitrária de uma ou
outra imagem, seja pela articulação de várias outras imagens. Aqui se
enquadrariam obras de Nelson Leirner, Waltércio Caldas, Robert Rauschenberg e Alfredo Nicolaiewsky, entre outras.
No entanto, devo
dizer que considero um pouco temerária essa polarização, porque, em
determinados casos, é difícil definirmos até que ponto um artista nos apresenta
uma linguagem absolutamente autoral e particular, ou utilizou, em sua obra,
elementos pré-existentes que adquiriram nova significação em sua criação. O que
ocorre é que, em alguns casos, essa "ressignificação" encontra-se evidente, não
deixando margem a dúvidas. É o caso das duas obras abaixo: a primeira, de Nelson
Leirner, tomou emprestada uma pintura que evoca uma construção renascentista
italiana. E na outra, Alfredo Nicolaiewsky claramente se apropriou de fragmentos
de Mondrian e, ao que parece, também de Auguste Rodin, só para citar os mais
evidentes.
Nelson Leirner - 'Pintura I' (1964) - tinta automotiva s/ papel |
Porém, em uma
obra como a de Karel Appel, a seguir, classificada pelo curador como uma obra
de "artista/autor" e não de "artista/editor", quem garante que o artista não
tenha tomado signos alheios para "editá-los" e contextualizá-los de uma outra
forma em sua obra? Não dá para saber. Seja como for, o que importa é que a
exposição nos apresenta obras de alto nível, e esse exercício de tentar identificar
o que seria obra de "autor" ou de "editor" é no mínimo uma brincadeira
interessante.
Karel Appel - 'Cabeça Trágica' (1957) - óleo s/ tela |
Uma
forma diversa de dicotomia foi apresentada na outra exposição com curadoria de
Tadeu Chiarelli, 'Para Além do Ponto e da Linha:
Arte Moderna e Contemporânea no Acervo do MAC USP', esta no
terceiro andar. Composta de obras diversificadas de artistas modernos e
contemporâneos, brasileiros e internacionais, a exposição pretende mostrar as estratégias
mais diversas pelas quais os artistas "desenvolveram ou desenvolvem trabalhos
em que o foco é a ativação do plano bidimensional", segundo as palavras do
curador.
Explicando
melhor: a ideia, aqui, é apresentar obras que "ativam o plano" com os elementos
mínimos ditos tradicionais, como o ponto, a linha, a cor e a luz, em oposição a
obras que contestam esses limites, extrapolando as fronteiras do plano e "invadindo
o espaço", por assim dizer.
No
primeiro caso, se enquadrariam obras de Wassily Kandinsky e de Fernando Lindote, por exemplo.
Wassily Kandinsky - 'Composição Clara' (1942) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto |
Fernando Lidote - 'Brasília' (2013') - óleo s/ tela - foto: Simone Catto |
Na
outra ponta, estariam obras como as de Sérgio Romagnolo e João Louzeiro, que vão "além do ponto e da linha" e questionam os limites do plano.
Sérgio Romagnolo - 'Sem título' (1991) - plástico modelado - foto: Simone Catto |
'Zootécnico', de João Louzeiro, é
uma obra tridimensional constituída por cinco esculturas que se estruturam a
partir de planos sobrepostos, formando animais. As crianças, particularmente, adoram!
João Louzeiro - 'Zootécnico' (elefante, rinoceronte, burro, logo e rato) (2009) - espuma Foto: Simone Catto |
Ao
refletir a respeito dessa segunda exposição, portanto, cheguei à conclusão de que na
prática, ela teria condições de abrigar quaisquer obras modernas e
contemporâneas, já que todas se enquadram em qualquer das duas vertentes confrontadas.
Visite o MAC USP e diga se não concorda comigo!
Veja, também, outras resenhas de exposições do MAC USP:
-Os Volpis do MAC. Uma pequena amostra da sensibilidade versátil do mestre.
-'O agora, o antes: uma síntese do acervo do MAC USP'... e a pergunta que não quer calar.
-'Classicismo, Realismo, Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras'. Um tesouro a descobrir.
-Os Volpis do MAC. Uma pequena amostra da sensibilidade versátil do mestre.
-'O agora, o antes: uma síntese do acervo do MAC USP'... e a pergunta que não quer calar.
-'Classicismo, Realismo, Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras'. Um tesouro a descobrir.
O endereço do MAC USP é Av. Pedro Álvares Cabral, 1301. Tel.: 5573-9932 - www.mac.usp.br.
Abre às terças-feiras das 10h às 21h, e de quarta a domingo das
10h às 18h. Entrada franca. Passe por lá!
Olá Simone! a AAMAC - Associação de Amigos do MAC USP - agradece seu post sobre sua visita ao MAC! Temos algumas respostas: existe um projeto para o café do MAC, que ainda está em fase de início de licitação. Esperamos em breve poder dar mais notícias sobre isto. Sobre o número de visitantes: você vai se surpreender se for novamente, pois de abril para cá, tivemos um boom no número de visitantes, e contamos com 15 mil deles somente no primeiro domingo de julho. A exposição Transarquitetônica, de Henrique Oliveira, vale uma nova visita caso você ainda não tenha ido. Caso queira, visite nosso site: www.aamac.org.br e nossa página: facebook.com/aamac.usp.
ResponderExcluirAbraços!
Olá! Obrigada pelo retorno! Em primeiro lugar, fico muito feliz que o público do MAC tenha aumentado, pois o museu merece! Faz um tempo que não apareço, realmente preciso retornar para conferir as exposições atuais. Vou acessar, sem dúvida, o site e a página de vocês no Facebook, para acompanhar o que está acontecendo. Espero poder degustar um café por lá em breve! Grande abraço!
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