segunda-feira, 31 de março de 2014

Quem tem medo do MAC USP?

Fazia pouco mais de um ano que eu havia visitado a nova sede do Museu de Arte Contemporânea da USP, no Ibirapuera, instalada no prédio onde antes era o Detran. Na ocasião, lamentei, em um post deste blog, a demora do museu em transferir seu imenso acervo para o novo prédio, já que apenas o térreo e o mezanino estavam funcionando. Comentei, também, sobre a ausência de um estacionamento e de um café para os visitantes, já que um museu daquele porte merecia no mínimo uma cafeteria, a exemplo do que vemos em museus do primeiro mundo. 

Felizmente, em uma nova visita no fim de semana, minha impressão foi bem diferente. Fiquei muito contente em verificar que os oito andares da construção destinados a exposições já estão ocupados por mostras de alto nível e que o museu oferece estacionamento aos visitantes. Só notei duas ausências: 1) do café para aquela pausa necessária entre uma exposição e outra e... 2) de gente. Sim, contavam-se nos dedos os visitantes do museu! Não dá para entender como um espaço tão gigantesco e com um acervo tão importante possa atrair tão pouca gente num fim de semana. Será por falta de divulgação? Falta de cultura da população? Ou as duas coisas juntas? Quando visitamos museus de arte moderna em Paris, Londres ou Nova York, por exemplo, invariavelmente nos depararmos com filas e salões lotados, de forma que por vezes nem conseguimos apreciar as obras direito. Ao passo que numa megalópole como São Paulo vemos um museu da envergadura do MAC com os salões vazios... triste, triste!

Seja como for, não tive dúvidas: tomei o elevador até o oitavo andar e, lentamente, fui descendo as escadas para visitar as exposições que me interessavam, uma a uma. Vi pelo menos umas quatro, mas neste post, especificamente, vou falar de duas: 'O artista como autor/o artista como editor' e 'Para Além do Ponto e da Linha: Arte Moderna e Contemporânea no Acervo do MAC USP'. Escolhi essas duas exposições para abordar em primeiro lugar porque notei que elas têm dois pontos em comum: ambas têm curadoria de Tadeu Chiarelli, diretor do museu, e em ambas ele procura estabelecer uma dialética entre as obras expostas, em uma tentativa de confrontar diferentes princípios para a criação.

Na exposição 'O Artista como Autor/o Artista como Editor', no sexto andar, Chiarelli contrapõe, de um lado, obras que poderíamos chamar de "autorais", isto é, de artistas que reivindicam uma autoria única sobre elas "por meio de gestos e estruturas formais que ratifiquem sua individualidade". Neste caso, estariam inseridas obras de Max Ernst, Miró, Iberê Camargo e Léger, entre outras presentes no recorte da exposição.

Max Ernst - 'Quadro para Jovens' (1943) - óleo s/ tela

Joan Miró - 'Personagem atirando pedro num pássaro' (1926) - guache s/ papelão

Iberê Camargo - 'Expansão' (1964) - óleo s/ tela

Fernand Léger - 'Composição' (1936) - guache s/ papel

De outro lado, encontram-se obras de artistas que atuariam mais como editores de formas e imagens pré-existentes, ressignificando seu sentido original, seja pela escolha arbitrária de uma ou outra imagem, seja pela articulação de várias outras imagens. Aqui se enquadrariam obras de Nelson Leirner, Waltércio Caldas, Robert Rauschenberg e Alfredo Nicolaiewsky, entre outras.

No entanto, devo dizer que considero um pouco temerária essa polarização, porque, em determinados casos, é difícil definirmos até que ponto um artista nos apresenta uma linguagem absolutamente autoral e particular, ou utilizou, em sua obra, elementos pré-existentes que adquiriram nova significação em sua criação. O que ocorre é que, em alguns casos, essa "ressignificação" encontra-se evidente, não deixando margem a dúvidas. É o caso das duas obras abaixo: a primeira, de Nelson Leirner, tomou emprestada uma pintura que evoca uma construção renascentista italiana. E na outra, Alfredo Nicolaiewsky claramente se apropriou de fragmentos de Mondrian e, ao que parece, também de Auguste Rodin, só para citar os mais evidentes.

Nelson Leirner - 'Pintura I' (1964) - tinta automotiva s/ papel
   
Alfredo Nicolaiewsky - 'Este é mais cerebral' (1995/6) - técnica mista

Porém, em uma obra como a de Karel Appel, a seguir, classificada pelo curador como uma obra de "artista/autor" e não de "artista/editor", quem garante que o artista não tenha tomado signos alheios para "editá-los" e contextualizá-los de uma outra forma em sua obra? Não dá para saber. Seja como for, o que importa é que a exposição nos apresenta obras de alto nível, e esse exercício de tentar identificar o que seria obra de "autor" ou de "editor" é no mínimo uma brincadeira interessante.

Karel Appel - 'Cabeça Trágica' (1957) - óleo s/ tela

Uma forma diversa de dicotomia foi apresentada na outra exposição com curadoria de Tadeu Chiarelli, 'Para Além do Ponto e da Linha: Arte Moderna e Contemporânea no Acervo do MAC USP', esta no terceiro andar. Composta de obras diversificadas de artistas modernos e contemporâneos, brasileiros e internacionais, a exposição pretende mostrar as estratégias mais diversas pelas quais os artistas "desenvolveram ou desenvolvem trabalhos em que o foco é a ativação do plano bidimensional", segundo as palavras do curador.

Explicando melhor: a ideia, aqui, é apresentar obras que "ativam o plano" com os elementos mínimos ditos tradicionais, como o ponto, a linha, a cor e a luz, em oposição a obras que contestam esses limites, extrapolando as fronteiras do plano e "invadindo o espaço", por assim dizer.

No primeiro caso, se enquadrariam obras de Wassily Kandinsky e de Fernando Lindote, por exemplo.

Wassily Kandinsky - 'Composição Clara' (1942) - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Fernando Lidote - 'Brasília' (2013') - óleo s/ tela - foto: Simone Catto

Na outra ponta, estariam obras como as de Sérgio Romagnolo e João Louzeiro, que vão "além do ponto e da linha" e questionam os limites do plano.

Sérgio Romagnolo - 'Sem título' (1991) - plástico modelado - foto: Simone Catto

'Zootécnico', de João Louzeiro, é uma obra tridimensional constituída por cinco esculturas que se estruturam a partir de planos sobrepostos, formando animais. As crianças, particularmente, adoram!

João Louzeiro - 'Zootécnico' (elefante, rinoceronte, burro, logo e rato) (2009) - espuma
Foto: Simone Catto

Ao refletir a respeito dessa segunda exposição, portanto, cheguei à conclusão de que na prática, ela teria condições de abrigar quaisquer obras modernas e contemporâneas, já que todas se enquadram em qualquer das duas vertentes confrontadas. Visite o MAC USP e diga se não concorda comigo!

O endereço do MAC USP é Av. Pedro Álvares Cabral, 1301. Tel.: 5573-9932 - www.mac.usp.br. Abre às terças-feiras das 10h às 21h, e de quarta a domingo das 10h às 18h. Entrada franca. Passe por lá!

2 comentários:

  1. Olá Simone! a AAMAC - Associação de Amigos do MAC USP - agradece seu post sobre sua visita ao MAC! Temos algumas respostas: existe um projeto para o café do MAC, que ainda está em fase de início de licitação. Esperamos em breve poder dar mais notícias sobre isto. Sobre o número de visitantes: você vai se surpreender se for novamente, pois de abril para cá, tivemos um boom no número de visitantes, e contamos com 15 mil deles somente no primeiro domingo de julho. A exposição Transarquitetônica, de Henrique Oliveira, vale uma nova visita caso você ainda não tenha ido. Caso queira, visite nosso site: www.aamac.org.br e nossa página: facebook.com/aamac.usp.
    Abraços!

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    1. Olá! Obrigada pelo retorno! Em primeiro lugar, fico muito feliz que o público do MAC tenha aumentado, pois o museu merece! Faz um tempo que não apareço, realmente preciso retornar para conferir as exposições atuais. Vou acessar, sem dúvida, o site e a página de vocês no Facebook, para acompanhar o que está acontecendo. Espero poder degustar um café por lá em breve! Grande abraço!

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