quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Um passeio pelos jardins de Monet com Renato Brolezzi.

Sábado passado assisti, no MASP, a mais uma aula de História da Arte do Prof. Renato Brolezzi, da Unicamp. Mais uma vez o Grande Auditório ficou lotado e quase não consegui lugar para sentar. Não é para menos. As aulas do Prof. Brolezzi são um verdadeiro show, tamanha sua erudição, seu senso de humor e sua capacidade de transmitir conhecimento de uma forma absolutamente envolvente.

A cada aula, uma obra do acervo do MASP é analisada e relacionada com outras obras do mesmo artista e também de outros mestres. A obra abordada na última aula foi 'Canoa sobre o Epte' (c. 1890), de Claude Monet (1840-1926) – possivelmente, ao lado de Renoir, um dos pintores impressionistas mais amados do mundo.

C. Monet - "Canoa sobre o Epte" (c. 1890) - MASP

Monet pintou essa tela quando já estava instalado em sua belíssima propriedade em Giverny, cercado do exuberante jardim que criou como se fosse uma obra de arte. Mas quem são as moças que passeiam de barco nesse cenário idílico? Para chegarmos a essa resposta, precisamos voltar um pouco no tempo.

Tudo começou com um homem chamado Ernest Hoschedé, negociante de telas apaixonado por pintura e casado com Alice, filha de um rico fundidor belga. Espécie de mecenas dos impressionistas, Hoschedé começou a adquirir telas de Monet na década de 1870 e inclusive comprou a obra que batizou o movimento impressionista: 'Impréssion, soleil levant' (1872), exposta em 1874 na primeira exposição impressionista e achincalhada pelos críticos de então.

C. Monet - "Impréssion, Soleil Levant" (1872) - Musée Marmottan Claude Monet

Pouco depois, em 1876, Hoschedé encomendou a Monet quatro painéis para seu castelo de Rottenbourg, em Montgeron, um município perto de Paris. O pintor instalou-se no local e também fez vários retratos da família de seu anfitrião, além de paisagens da região. Sua esposa Camille havia ficado em Argenteuil e na ocasião Monet teve um envolvimento amoroso com Alice Hoschedé, retornando a Paris no início de 1877.

Já em Paris, o artista iniciou a série de telas da Estação Sainte-Lazare (1876-7), cujo motivo principal é a locomotiva, símbolo da Revolução Industrial. Na terceira exposição impressionista, em 1877, Monet expôs oito dessas telas. A essa época, ainda passava por dificuldades financeiras e era frequentemente socorrido por amigos, entre os quais Édouard Manet. Foi nessa época, também, que nasceu seu segundo filho, Michel. O primeiro, Jean, havia nascido em 1867, quando Monet e Camille ainda não eram casados. Na ocasião, devido às condições sociais, o artista escondeu a existência desse filho e vivia atormentado por isso.

C. Monet - "A Estação Sainte-Lazare" (1877)  - Musée d'Orsay

Em 1878, Ernest Hoschedé estava arruinado economicamente e Monet acolheu, então, toda a família do amigo em sua residência em Vétheuil, um subúrbio próximo a Paris, para onde se mudaram o casal Hoschedé e seus seis filhos: dois meninos e quatro meninas. Imagino que Monet deva ter sido uma pessoa generosa por acolher família tão grande estando ele próprio em dificuldades financeiras, mas é fácil compreender esse gesto se lembrarmos que Hoschedé, além de comprador de suas obras, sempre foi um grande amigo e incentivador. Em 1879, Monet sofreu um doloroso baque: sua esposa Camille morreu tuberculosa, deixando-o em profunda depressão. Ernest Hoschedé foi para a Bélgica a fim de fugir dos credores e, em 1891, também morreria de um colapso nervoso.

Desde jovem Monet havia levado uma vida errante, morando em várias cidades e passando temporadas em diversos lugarejos, a fim de capturar diferentes paisagens para imortalizá-las em suas telas. "Sigo a natureza sem poder captá-la", disse certa vez. Essa ânsia de "aprisionar" as variações da natureza em sua obra era, não raro, fonte de grande angústia para o artista, que nunca se considerava satisfeito.

Em 1883, Monet muda-se para Giverny com seus dois filhos, Alice Hoschedé e os filhos desta. Essa nova mudança, porém, não o impede de viajar para outros locais para pintar suas paisagens. A essa altura, já era um pintor conhecido e tinha uma legião de seguidores.

Em 1890, Monet finalmente conseguiu comprar a casa que habitava em Giverny, lá construindo seu novo ateliê e o jardim de seus sonhos. O marchand e colecionador japonês Hayashi, com quem o pintor trocava quadros por estampas, o presenteou com espécies de plantas raras de seu país. Monet escolhia pessoalmente as flores e as arranjava em seu jardim de modo a criar um belo efeito de harmonia cromática. Um lugar maravilhoso que tive o privilégio de conhecer em uma de minhas viagens à França. Sua casa também era encantadora, com fachada rosa e esquadrias verdes nas janelas. Lembro-me particularmente da enorme sala de almoço amarela, onde ele, Alice e toda a criançada deviam se reunir alegremente em torno da mesa.

A encantadora casa de Monet em Giverny: uma de minhas mais belas memórias da França! - Foto: acervo pessoal

A alegre sala de almoço - Foto: Ariane Cauderlier

Voltando à obra tema da aula, relembramos que foi nesse mesmo ano, 1890, que Monet pintou 'Canoa sobre o Epte'. A tela mostra duas das meninas Hoschedé, Blanche (1865-1947) e Suzanne (1868-1899), remando no Rio Epte, em Giverny. As meninas não estão centralizadas no quadro, e esse deslocamento de foco, inspirado nos enquadramentos das estampas japonesas e da fotografia, que havia sido patenteada poucos mais de 50 anos antes, foi uma das inovações das pinturas impressionistas. 

Em 1891, Monet pintou outros quadros com as meninas Hoschedé e, em 1892, pintou 'Blanche pintando Suzanne'. Sim, a jovem Suzanne também tinha certo talento para a pintura e ainda teve o privilégio de aperfeiçoá-lo com ninguém mais, ninguém menos que... Claude Monet!

C. Monet - "En norvégienne: cena representando Germaine, Suzanne e Blanche Hoschedé" (1887)

C. Monet - "No bosque de Giverny - Blanche Hoschedé Monet pintando Suzanne Hoschedé lendo" 

Na pintura 'Mulher com sombrinha olhando para a esquerda', quem posou foi Suzanne Hochedé. Em 1892, Monet finalmente oficializou sua união com a mãe das meninas.

C. Monet - "Mulher com sombrinha olhando para a esquerda" (1886)
Musée d'Orsay

A partir de 1890, o artista passou a dedicar ainda mais tempo à jardinagem – em especial a seu "jardim aquático", para cuja construção foi necessário desviar um braço do Rio Epte. Entusiasmado pelas ninfeias (nenúfares), decidiu, então, construir sobre o lago uma "ponte japonesa", inspirado pelas ilustrações de Hokusai. Monet pintou mais de 86 versões da ponte japonesa em Giverny.

Um pedaço da ponte japonesa em meio ao exuberante jardim de Giverny... paisagem de sonho! - Foto: acervo pessoal

C. Monet - "O Lago das Ninfeias" (1899) - Musée d'Orsay

C. Monet - "O jardim do artista em Giverny" (1900) - Musée d'Orsay

A década de 90 também foi caracterizada pela pintura de séries, nas quais o artista retratava as mesmas paisagens ou motivos sob diferentes ângulos, luzes, dias e horários, outra prática dos artistas japoneses que admirava, como Hokusai e Hiroshige. É dessa época as séries dos montes de feno e dos álamos, bem como das catedrais de Rouen. Em 1893, Monet alugou um quarto com vista para essa catedral e produziu 28 telas a partir de três ângulos de visão.

C. Monet - "A catedral de Rouen. O portal e a torre Saint-Romain,
sol a pino "
(1893) - Musée d'Orsay

C. Monet - "A catedral de Rouen. O portal, tempo nublado" (1892)
Musée d'Orsay 

Na aula, o Prof. Brolezzi também relacionou algumas obras de Monet que sofreram nítida influência de Manet, com seus contrastes de preto e branco. Mas isso é assunto para outro post! 

Programe-se: a próxima aula do Prof. Renato Brolezzi no MASP será dia 10/11 e ele abordará Toulouse-Lautrec. Consulte o calendário de aulas em http://masp.art.br/masp2010/servicoeducativo_curso_introdutorio_2012.php

2 comentários:

  1. SIMPLESMENTE MARAVILHOSO SEU ARTIGO SIMONE !!! Me emocionei...sou fa de Monet, desde a minha descoberta pela arte, graças a minha querida mae, e sinceramente este artigo sobre suas obras tao completo , eh como se estivesse viajando, me senti percorrendo as salas do Museu D'Orsay ....MERCI !!! Bisous de la Provence

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    1. Merci, querida Petria! Sou absolutamente apaixonada por Monet e fico muito feliz em ver que compartilhamos o mesmo gosto pelo mestre. Aliás, diga-se de passagem, você está muito mais perto dele do que eu... o Orsay está a um pulinho, aproveite! rs... Bisous du Brésil!

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