Há
livros que a gente lê porque têm uma temática que para nós é absolutamente apaixonante.
Outros nós lemos porque consideramos edificantes, isto é, temos certeza de que
vão nos acrescentar algum aprendizado. Há livros, porém, que não são nem uma
coisa nem outra: lemos por mera curiosidade e, depois, ficamos com uma sensação de vazio. Esse foi o caso de Eu,
Christiane F., a vida apesar de tudo, relato autobiográfico de Christiane
V. Felscherinow escrito em dobradinha com a jornalista Sonya Vukovic.
Para
quem não sabe ou nasceu após a década de 70, o livro é continuação de um best-seller de 1979 que estourou nas livrarias do mundo
todo: Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída. Na ocasião, a obra chocou os leitores ao retratar, sem meios-tons ou meias-palavras,
exatamente aquilo que o título diz: a rotina e o universo de uma adolescente alemã de
13 anos afundada no vício da heroína e sendo obrigada a se prostituir para
adquirir a droga. A jovem Christiane deu seu depoimento aos jornalistas Kai
Hermann e Horst Rieck e, posteriormente, o livro foi até adotado em escolas da
Alemanha para alertar as crianças quanto aos perigos das drogas.
Nesta
continuação, trinta e cinco anos depois, Christiane tem 51 anos e ficamos sabendo
que seu calvário não terminou, definitivamente, com o fim de sua primeira
autobiografia. Todos teriam preferido imaginar que aquela garota, ainda uma
criança, tivesse feito um tratamento sério de desintoxicação, achado um rumo na
vida, estudado, casado, sido feliz, enfim, que tivesse se tornado uma mulher
liberta de uma infância sombria. Afinal, ela ainda era tão jovem! Porém, não
foi o que aconteceu: a sombra do vício sempre perseguiu Christiane. Por vezes
ela seguia tratamentos de desintoxicação e até conseguia permanecer "limpa" - como
se diz por aí – por algum tempo, mas logo acabava consumindo novamente alguma
droga. Se não fosse a heroína, era o LSD, a bebida, os comprimidos... sempre
uma espécie de fuga que a mergulhasse em torpor, porque simplesmente não
conseguia suportar sua existência.
Christiane hoje, aos 51 anos, em foto de Marcel Mettelsiefen. |
O
mais funesto disso tudo é que, não importa aonde Christiane fosse, sempre acabava
atraindo, em torno de si, pessoas conectadas com as drogas de alguma maneira, em
uma espécie de sintonia macabra. Se mudasse de cidade ou até de país, logo
estava em contato com os junkies ou
traficantes locais. É o que ocorreu quando morou na Grécia e apaixonou-se por
uma espécie de hippie que, obviamente, também consumia drogas, e viveu com ele
uma história de amor que durou algum tempo.
Em
1986, Christiane chegou a ficar um ano encarcerada em um presídio feminino. Fiquei chocada em constatar que até na Alemanha, um país dito "desenvolvido", as
prisões são violentas e prisioneiras podem se matar sem que as carcereiras ou o
Estado tomem qualquer tipo de atitude. Pelo menos é o que ela relata sobre
sua prisão na década de 80 – não sei como estão as coisas por lá hoje.
Um
filho, Phillip, fez com que Christiane recobrasse a sanidade por algum tempo. Ela tentou ser, para ele, tudo o que seus pais não haviam sido para
ela. Ambos eram pessoas egoístas, ausentes, desprovidas de afeto e
incapazes de dirigir gestos de carinho às duas filhas. Por isso, ela cercou
Phillip de amor e cuidados, agia de forma responsável com a educação e os
horários do menino, fazia-lhe companhia, brincava com ele, enfim, fazia tudo
aquilo que uma mãe prestimosa faz com gosto. Pelo menino, a quem ela sempre
amou, fez e faz qualquer sacrifício e tentou poupá-lo ao máximo dos fantasmas de sua triste trajetória. Só que Christiane não conseguia se livrar das más companhias e, certa vez, o menino chegou até a
sofrer um sequestro por um suposto "amigo". Para que o Estado não lhe tomasse o
filho, chegou a fugir desvairadamente com ele, mas, quando Phillip tinha uns 11
anos, os assistentes sociais o entregaram a um lar adotivo que também cuidava
de outras crianças em situação de risco. Christiane ficou dilacerada. Embora Phillip
tivesse sido entregue a uma família cordial com a qual ela tivesse permissão de
ter contato e inclusive contribuía financeiramente para auxiliar no sustento
do filho, a dor dessa separação foi-lhe insuportável. Quando Phillip foi embora, Christiane mergulhou novamente na espiral descendente de descontrole das drogas.
Uma foto de Christiane jovem no Sunset Boulevard, para a divulgação de filme baseado em sua vida. |
Um
outro aspecto aterrador é que, até nos últimos tempos, o Estado alemão tem vigiado
Christiane de muito perto. Várias vezes, ao sair e retornar para casa, ela percebe
que outras pessoas estiveram em seu apartamento. É assustador. Mas o pior, sem
dúvida, são as sequelas terríveis na saúde por causa da verdadeira montanha-russa
a que submeteu seu maltratado organismo desde muito nova. Há décadas seu fígado
está inflamado, ela sofre de hepatite C, transpira o tempo todo, tem os braços
cobertos de feridas e é acometida de muitos outros males. Pode-se dizer que
Christiane é uma sobrevivente, e nem ela mesma consegue entender como conseguiu
estar viva até agora.
O
único aspecto positivo de sua vida, hoje, é que Christiane tem uma ótima
relação com o filho adolescente, um menino aplicado e bem-ajustado que gosta de
computadores e tem amigos. Interessa-se por sua vida, encoraja-o a estudar e conhecer
o mundo, mas não sabe se ainda estará por aqui quando isso acontecer, pois pressente
que seu fim está próximo.
Diante
de tudo isso, só posso dizer que, no saldo final, Eu, Christiane F., a vida apesar
de tudo é um livro um bocado barra-pesada que não acrescentou nada de bom à
minha experiência. Só fez com que eu lamentasse, e muito, a infelicidade dessa mulher
e de tantas outras pessoas prisioneiras das drogas, independentemente de país ou classe social.
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