Eu lembro que, ainda criança,
ao circular de carro com meus pais pelas ruas de São Paulo, vira e mexe me deparava
com o desenho de um gracioso acrobata em alguns muros e viadutos da cidade. Era
uma figurinha esbelta, às vezes negra e por vezes colorida, verdadeiro prodígio
do contorcionismo circense. Eu ficava intrigada e ao mesmo tempo encantada com
os traços ágeis e delicados daquele homenzinho que lembrava um gênio saído de
conto de fadas. E ficava me perguntando quem seria a pessoa que espalhava aquelas
figurinhas legais por ali.
|
O acrobata que me encantou décadas atrás... - Foto: Simone Catto |
|
E aqui a ágil figurinha exibe suas habilidades em um muro qualquer, em registro fotográfico do próprio artista.
Foto: Simone Catto |
|
Aqui meus amigos se divertem na calçada! - Foto: Simone Catto |
Creio que não muito
tempo depois, não me lembro exatamente quando, vim a descobrir que aquele
personagem misterioso que habitava os becos da cidade e atiçava minha
imaginação infantil era um estêncil de Alex
Vallauri (1949, Etiópia-1987, Brasil), precursor da arte de rua no Brasil.
Qual não foi minha alegria, portanto, ao receber a notícia de que depois de
tanto tempo meu amiguinho acrobata estaria enfeitando as paredes no MAM?
|
Foto: Simone Catto |
|
Foto: Simone Catto |
Sim, o MAM Ibirapuera está exibindo a mostra 'Alex Vallauri: São Paulo e Nova York como suporte', uma
retrospectiva da obra do artista que espalhou sua alegria de viver em grafites
por vários bairros centrais de São Paulo nas décadas de 70 e 80. Com curadoria
de João Spinelli, a mostra reúne gravuras, serigrafias e registros fotográficos
dos estêncis de Vallauri, que além do acrobata inclui muitos outros ícones que
marcaram época, como a famosa bota negra feminina de saltos altíssimos e viés
fetichista.
Desenhista, gravador, pintor, designer e cenógrafo, Alex Vallauri graduou-se em comunicação visual pela FAAP em 1971 e, pouco depois, tornou-se professor de desenho na mesma instituição. Vallauri produziu uma arte absolutamente despretensiosa em uma época na qual nem se falava em arte de rua no Brasil. Tudo o que ele desejava era se comunicar e criava pelo prazer de criar, por pura fruição estética. Humor, ironia e, muitas vezes, crítica social, se integraram em signos facilmente identificados nas ruas de São Paulo, compartilhados com uma multidão anônima que passava diariamente por aqueles locais.
|
A elegância dos traços do artista é inconfundível - Foto: Simone Catto |
|
O fetiche corria solto! - Sem título - grafite e pintura sobre cartão (década de 80) Foto: Simone Catto |
|
'A Rainha do Frango Assado', pin-up brega e lúdica - Foto: Simone Catto |
Depois de flertar com o expressionismo
numa fase inicial da carreira, Alex Vallauri enveredou abertamente pela pop art
e foi em 1978 que deu início à sua produção mais emblemática, a de grafiteiro. No
começo, idealizava grafites para serem estampados sozinhos, como é o caso da
bota preta e do pião, entre outros. Depois, não tardou para que pin-ups e personagens das
histórias em quadrinhos, como o mágico Mandrake, começassem a povoar os muros de
Sampa ao lado de outros ícones da cultura pop.
|
Os signos facilmente identificáveis do artista - Foto: Simone Catto |
|
A 'Mulher Pantereta', uma das pin-ups de Vallauri, saboreia uma margarita enquanto leva uma prosa com o barman.
(década de 80) - Foto: Simone Catto |
|
Da cartola desse Mandrake saía uma festa! - Foto: Simone Catto |
Por vezes, o próprio
público complementava a obra, acrescentando outras imagens ou textos ao lado
dos grafites do artista. Foi por essa época, também, que o gosto pelo kitsch ganhou
referências bem-humoradas em obras como a instalação 'A Festa na Casa da Rainha
do Frango Assado', concebida para a 18ª Bienal de São Paulo em 1985 e
parcialmente remontada na exposição do MAM.
|
'Festa na casa da Rainha do Frango Assado', instalação na 18a. Bienal de São Paulo (1985) parcialmente reproduzida no MAM - Foto: Simone Catto |
Assim
como os artistas da pop art pretenderam democratizar o acesso de suas obras às
massas, Vallauri intencionalmente fez o mesmo com suas criações pelas ruas da
cidade. O que muita gente talvez não saiba é que, após estrear sua arte em São
Paulo, o artista fez uma bem-sucedida incursão por Nova York no início dos anos
80, obtendo grande reconhecimento por lá. Sua bota preta virou ícone e até
cartão postal da cidade-fetiche, e seus grafites coloridos invadiram paredes e
viadutos de bairros como o Soho, Greenwich Village e Broadway. Depois de devidamente
fotografadas pelo próprio artista, essas obras foram transformadas em uma
edição limitada de fotocópias coloridas,
assinadas e datadas pelo autor e agora apresentadas na exposição.
|
As bruxinhas de Vallauri nos muros de New York - Foto: Simone Catto |
|
Meu acrobata fez sucesso nos States também! - Foto: Simone Catto |
Alex
Vallauri pesquisava e produzia sem parar, porém não conquistou sucesso
material. Conquistou, contudo, um lugar no imaginário de milhões de paulistanos
que tiveram o prazer de se deparar, por acaso, com algum de seus divertidos e
inconfundíveis ícones pelas ruas da cidade. Pena que ele tenha deixado tão
precocemente este mundo.
|
Foto: Simone Catto |
Se
você teve a alegria de conhecer pessoalmente algum grafite de Alex Vallauri lá
pelos idos dos anos 70 e 80, vale a pena visitar a mostra do MAM para matar a
saudade. Tudo bem que nada se compara à experiência ao vivo e in loco nas ruas de Sampa, mas rever os
ícones pop do artista com toda certeza trará boas lembranças a você. Mas se
você nunca viu nada de Alex Vallauri, esta aí uma boa oportunidade para
conhecer os grafites que devem ter divertido seus pais – e talvez até seus avós
– ao circularem pelas ruas da cidade quando tinham a sua idade.
ALEX VALLAURI: SÃO PAULO E NOVA YORK
COMO SUPORTE
MAM Ibirapuera - Av. Pedro Álvares
Cabral, s/ nº, portão 3 - Parque Ibirapuera. Tel.: 5085-1300. De terça a domingo, das 10h às 17h30. Ingresso: R$ 6 (grátis p/ menores de
dez, maiores de 65 anos e domingo. Até 23/6.
Nenhum comentário:
Postar um comentário