quinta-feira, 23 de maio de 2013

Alex Vallauri e a arte que estampou de alegria os muros de Sampa, agora no MAM.

Eu lembro que, ainda criança, ao circular de carro com meus pais pelas ruas de São Paulo, vira e mexe me deparava com o desenho de um gracioso acrobata em alguns muros e viadutos da cidade. Era uma figurinha esbelta, às vezes negra e por vezes colorida, verdadeiro prodígio do contorcionismo circense. Eu ficava intrigada e ao mesmo tempo encantada com os traços ágeis e delicados daquele homenzinho que lembrava um gênio saído de conto de fadas. E ficava me perguntando quem seria a pessoa que espalhava aquelas figurinhas legais por ali.

O acrobata que me encantou décadas atrás... - Foto: Simone Catto

E aqui a ágil figurinha exibe suas habilidades em um muro qualquer, em registro fotográfico do próprio artista. 
Foto: Simone Catto

Aqui meus amigos se divertem na calçada! - Foto: Simone Catto

Creio que não muito tempo depois, não me lembro exatamente quando, vim a descobrir que aquele personagem misterioso que habitava os becos da cidade e atiçava minha imaginação infantil era um estêncil de Alex Vallauri (1949, Etiópia-1987, Brasil), precursor da arte de rua no Brasil. Qual não foi minha alegria, portanto, ao receber a notícia de que depois de tanto tempo meu amiguinho acrobata estaria enfeitando as paredes no MAM?

Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto
Sim, o MAM Ibirapuera está exibindo a mostra 'Alex Vallauri: São Paulo e Nova York como suporte', uma retrospectiva da obra do artista que espalhou sua alegria de viver em grafites por vários bairros centrais de São Paulo nas décadas de 70 e 80. Com curadoria de João Spinelli, a mostra reúne gravuras, serigrafias e registros fotográficos dos estêncis de Vallauri, que além do acrobata inclui muitos outros ícones que marcaram época, como a famosa bota negra feminina de saltos altíssimos e viés fetichista.

Desenhista, gravador, pintor, designer e cenógrafo, Alex Vallauri graduou-se em comunicação visual pela FAAP em 1971 e, pouco depois, tornou-se professor de desenho na mesma instituição. Vallauri produziu uma arte absolutamente despretensiosa em uma época na qual nem se falava em arte de rua no Brasil. Tudo o que ele desejava era se comunicar e criava pelo prazer de criar, por pura fruição estética. Humor, ironia e, muitas vezes, crítica social, se integraram em signos facilmente identificados nas ruas de São Paulo, compartilhados com uma multidão anônima que passava diariamente por aqueles locais.


A elegância dos traços do artista é inconfundível - Foto: Simone Catto

O fetiche corria solto! - Sem título - grafite e pintura sobre cartão (década de 80)
Foto: Simone Catto

'A Rainha do Frango Assado', pin-up brega e lúdica - Foto: Simone Catto

Depois de flertar com o expressionismo numa fase inicial da carreira, Alex Vallauri enveredou abertamente pela pop art e foi em 1978 que deu início à sua produção mais emblemática, a de grafiteiro. No começo, idealizava grafites para serem estampados sozinhos, como é o caso da bota preta e do pião, entre outros. Depois, não tardou para que pin-ups e personagens das histórias em quadrinhos, como o mágico Mandrake, começassem a povoar os muros de Sampa ao lado de outros ícones da cultura pop.

Os signos facilmente identificáveis do artista - Foto: Simone Catto

A 'Mulher Pantereta', uma das pin-ups de Vallauri, saboreia uma margarita enquanto leva uma prosa com o barman. 
(década de 80) - Foto: Simone Catto

Da cartola desse Mandrake saía uma festa! - Foto: Simone Catto

Por vezes, o próprio público complementava a obra, acrescentando outras imagens ou textos ao lado dos grafites do artista. Foi por essa época, também, que o gosto pelo kitsch ganhou referências bem-humoradas em obras como a instalação 'A Festa na Casa da Rainha do Frango Assado', concebida para a 18ª Bienal de São Paulo em 1985 e parcialmente remontada na exposição do MAM.

'Festa na casa da Rainha do Frango Assado', instalação na 18a. Bienal de São Paulo (1985) parcialmente reproduzida no MAM - Foto: Simone Catto

Assim como os artistas da pop art pretenderam democratizar o acesso de suas obras às massas, Vallauri intencionalmente fez o mesmo com suas criações pelas ruas da cidade. O que muita gente talvez não saiba é que, após estrear sua arte em São Paulo, o artista fez uma bem-sucedida incursão por Nova York no início dos anos 80, obtendo grande reconhecimento por lá. Sua bota preta virou ícone e até cartão postal da cidade-fetiche, e seus grafites coloridos invadiram paredes e viadutos de bairros como o Soho, Greenwich Village e Broadway. Depois de devidamente fotografadas pelo próprio artista, essas obras foram transformadas em uma edição limitada de fotocópias coloridas, assinadas e datadas pelo autor e agora apresentadas na exposição.

As bruxinhas de Vallauri nos muros de New York - Foto: Simone Catto

Meu acrobata fez sucesso nos States também! - Foto: Simone Catto

Alex Vallauri pesquisava e produzia sem parar, porém não conquistou sucesso material. Conquistou, contudo, um lugar no imaginário de milhões de paulistanos que tiveram o prazer de se deparar, por acaso, com algum de seus divertidos e inconfundíveis ícones pelas ruas da cidade. Pena que ele tenha deixado tão precocemente este mundo.

Foto: Simone Catto

Se você teve a alegria de conhecer pessoalmente algum grafite de Alex Vallauri lá pelos idos dos anos 70 e 80, vale a pena visitar a mostra do MAM para matar a saudade. Tudo bem que nada se compara à experiência ao vivo e in loco nas ruas de Sampa, mas rever os ícones pop do artista com toda certeza trará boas lembranças a você. Mas se você nunca viu nada de Alex Vallauri, esta aí uma boa oportunidade para conhecer os grafites que devem ter divertido seus pais – e talvez até seus avós – ao circularem pelas ruas da cidade quando tinham a sua idade.

ALEX VALLAURI: SÃO PAULO E NOVA YORK COMO SUPORTE
MAM Ibirapuera - Av. Pedro Álvares Cabral, s/ nº, portão 3 - Parque Ibirapuera. Tel.: 5085-1300. De terça a domingo, das 10h às 17h30. Ingresso: R$ 6 (grátis p/ menores de dez, maiores de 65 anos e domingo. Até 23/6.

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