segunda-feira, 20 de maio de 2013

'Dentro da Casa'. Obsessão à francesa num filme que sabe prender a atenção.

É muito bom ver um filme que entretém com imaginação, um roteiro bem-feito e um enredo que suscita questionamentos. É exatamente essa a sensação que tive ao assistir a 'Dentro da Casa', suspense do francês François Ozon rodado no ano passado.

Tudo começa quando Claude (o expressivo garoto Ernst Umhauer), um estudante de 16 anos, começa a se aproximar do colega de classe Rapha (Bastien Ughetto) para ter a oportunidade de desfrutar do convívio de uma família que, supostamente, julga perfeita.

A mãe de Claude o abandonara quando ele era ainda criança e o garoto cuida do pai, preso a uma cadeira de rodas. Já Rapha tem uma família pequeno-burguesa: sua mãe é uma bela e entediada dona de casa que se entretém com revistas de decoração, e o pai é um sujeito boa-praça, profissional que goza de certo status profissional, porém infeliz com as humilhações que sofre na empresa em que trabalha. Vale ressaltar que a mãe de Rapha, Esther, é interpretada pela ainda belíssima Emmanuelle Seigner, imortalizada no início dos anos 90 no perturbador 'Lua de Fel', de Roman Polanski, ao lado de Kristin Scott Thomas, novamente sua colega de elenco.

Quando o professor de francês dos meninos, Germain (Fabrice Luchini), propõe uma redação à classe, Claude relata com pormenores as impressões que uma visita à casa do amigo havia lhe causado. Apesar de ter achado um tanto invasiva a forma como Claude expõe o amigo e sua família, o professor nota seu talento para a escrita e o encoraja.

A família que Claude (de pé) julga perfeita. 

Aos poucos Claude vai se aproximando mais e mais de Rapha e, com a desculpa de ajudar o amigo em suas dificuldades na matemática, começa a frequentar cada vez mais sua casa. Fica seduzido pelo estilo de vida da família, a atmosfera de conforto que jamais havia tido chance de desfrutar e, principalmente, com a bela mãe do amigo - talvez sinal de um complexo de Édipo mal resolvido. Cada visita vira uma nova redação que é sempre uma continuação da anterior ansiosamente aguardada pelo professor, que a todas lê, sempre a encorajá-lo.

Claude e o professor Germain, cada vez mais enveredado na teia literária do aluno.

À medida que Claude vai se embrenhando cada vez mais fundo no seio da família do amigo, a ponto de começar a incomodar Esther com sua presença, chega um momento em que ficção confunde-se com realidade e, em suas redações, passamos a não mais distinguir o que realmente ocorreu e o que é fruto de seus anseios e sua imaginação adolescente um tanto doentia. A obsessão do menino pela família perfeita chega a um ponto tal que acaba por enredar também o professor, gerando consequências nefastas – sobretudo para este último.

Claude e Esther, a mãe do colega interpretada por Emmanuelle Seigner.

Como contraponto ao núcleo professor-aluno, temos também o núcleo do professor e sua esposa Jeanne (Kristin Scott Thomas), que também rende cenas interessantes e muitos diálogos vivazes. Germain compartilha com ela seus pontos de vista sobre as redações do estranho aluno e, em contrapartida, ouve suas queixas sobre a galeria de arte contemporânea que administra e que está à beira da falência.

Jeanne, interpretada pela sempre soberba Kristin Scott Thomas, ao lado do marido, o prof. Germain (Fabrice Luchini).

Logo no início do filme, vemos Jeanne tentando explicar ao marido os meandros de uma divertida exposição de arte erótica na galeria que abriga, entre outras "obras", bonecas infláveis caracterizadas como grandes ditadores da história – nessa cena, o riso correu solto no cinema. Impossível não notar, aí, uma espécie de crítica aos desvarios da arte contemporânea e, principalmente, aos critérios utilizados para classificar certas de suas manifestações como arte. Em outro momento, Germain escarnece dos textos dos catálogos de exposições de arte, que dizem muito sem explicar nada. E novamente, somos obrigados a concordar! Não são poucos os curadores e redatores de catálogos que se utilizam de tantas metáforas e abstrações na tentativa de evocar imagens mentais ao leitor, que ao final o texto revela-se absolutamente vago e ininteligível: não diz nada com coisa nenhuma.

O enredo, o roteiro, os diálogos e os atores, aliados a uma direção segura, fazem de DENTRO DE CASA um filme inteligente que foge do lugar-comum e, por isso mesmo, recomendado a todos. Mas não demore a assistir, porque atualmente está em cartaz em apenas dois cinemas de Sampa, e com horários restritos: Reserva Cultural e Lumière Playarte.

Direção: François Ozon

Elenco:
Professor Germain - Fabrice Luchini
Claude - Ernst Umhauer
Jeanne - Kristin Scott Thomas
Rapha - Bastien Ughetto
Esther - Emmanuelle Seigner
Pai de Rapha - Denis Ménochet

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