sexta-feira, 8 de março de 2013

'A Caverna dos Sonhos Esquecidos'. Um fascinante encontro em 3D com nossos espíritos mais ancestrais.

Se um amigo te convidasse a assistir, no cinema, a um documentário sobre cavernas pré-históricas, qual seria sua resposta? A maioria das pessoas, creio, declinaria educadamente e daria uma desculpa para sair correndo. Porque vamos falar claro: cavernas pré-históricas não são exatamente o tipo de assunto que costuma despertar grandes interesses nas pessoas comuns, certo?

Bem, era o que eu pensava, até assistir, no CineSesc, a 'A Caverna dos Sonhos Esquecidos', documentário dirigido em 2010 por Werner Herzog. Estive lá num domingo, e qual não foi minha surpresa, quando, já acomodada em minha cadeira, vi a sala encher e encher cada vez mais, até ficar quase completamente lotada? Detalhe: a sala do CineSesc tem 300 lugares. Definitivamente, não é nenhum "ovinho". Tudo bem que o perfil das pessoas com o hábito de frequentar o CineSesc e, notadamente, o público desse filme, não podem ser descritos como "grande massa". Percebe-se que é gente que possui um mínimo de formação e se interessa por cultura. Mesmo assim, me surpreendi com a quantidade de espectadores no cinema.

Mas do que trata 'A Caverna dos Sonhos Esquecidos', afinal? O filme mostra o interior e a paisagem do entorno da caverna de Chauvet-Pont-d'Arc, no sul da França, onde estão as pinturas rupestres mais antigas de que se tem notícia: foram produzidas há cerca de 32 mil anos. Vale ressaltar que elas têm o dobro da idade das pinturas descobertas na gruta de Lascaux, a caverna pré-histórica mais conhecida do mundo e também localizada no sul da França. Isso, por si só, já seria suficiente para atrair ao cinema um público de arqueólogos, cientistas, geólogos, paleontólogos, historiadores de arte, estudantes, fãs de Herzog e curiosos de qualquer espécie.

A riqueza do traço dos cavalos é impressionante! - Foto: © Jean-Marie Chauvet  
  
Diferentes pessoas fizeram os desenhos na caverna - Foto: © Jean Clottes

As técnicas e os pigmentos utilizados também são 
diferentes entre si - Foto: © Carole Fritz / Gilles Tosello
Há algo, porém, que deixou o documentário infinitamente mais interessante: ele foi todo produzido em 3D. Sim, o espectador literalmente caminha pela caverna de cerca de 400 metros de extensão e vê, como se essas visões estivessem a um palmo de seu nariz, maravilhosas pinturas de animais como ursos, bisões, cavalos, mamutes, rinocerontes e outros. São mais de 400 pinturas representando 14 espécies animais. Muitas mostram animais em movimento ou em situação de luta, e várias estão em alto-relevo, como esculturas incrustadas nas rochas – é o caso de um cavalo que está inserido num nicho – o que denota uma preocupação, por parte de seus autores, em imprimir maior realismo às imagens. Há também alguns desenhos de animais sobrepostos e, ao analisar um deles com o método 'Carbono 14', os cientistas descobriram, curiosamente, que os dois desenhos – um sobre o outro - foram criados com um intervalo de 5 mil anos entre si (!). Segundo Herzog, essas pinturas são como "um testemunho do nascimento do espirito humano". Não duvido!


Esse painel integra várias espécies de animais - Foto: © Norbert Aujoulat

Detalhe do cavalo ao centro do painel - Foto: © Norbert Aujoulat

Desenhos de animais sobrepostos: alguns têm milênios de diferença entre si! - Foto: © Jean Clottes

Tudo isso sem falar das pegadas de pessoas e animais que estão lá até hoje, das belíssimas formações minerais, fantásticas estalagmites e estalactites que pendem do teto, esculpidas há milênios pelo tempo e pela água. Verdadeiras obras de arte e testemunhos de uma era em que as forças da natureza ainda se impunham ao homem, despertando um misto de respeito e temor.

O misterioso interior da caverna - Foto: site oficial da caverna (rodapé)

Uma curiosidade: alguns dos homens pré-históricos que frequentaram a caverna deixaram pelas paredes várias marcas de suas mãos espalmadas, como se fossem carimbos. Ao seguir o rastro dessas mãos, os cientistas descobriram que um desses "artistas" tinha o dedo mindinho torto. A mão "carimbada" com o mindinho torto aparece aqui e ali, em diferentes pontos da caverna, de modo que os cientistas puderam mapear a "atividade artística" desse vovô pré-histórico tão peculiar.

O "carimbo" de uma mão em negativo - Foto: © Jean-Marie Chauvet

No entanto, descobriu-se que o homem não habitou a caverna de Chauvet, apenas a frequentou para encontros ou a prática de rituais. Isso é explicado pelo fato de não ter sido encontrado, em seu interior, nenhum crânio humano, mas apenas de animais - sobretudo ursos -, que possivelmente buscavam abrigo na caverna durante o inverno. 

Essa cruz é um verdadeiro enigma, já que seu autor viveu cerca de 30 mil 
anos antes da era cristã! - Foto: © Dominique Baffier / Valérie Feruglio

O crânio do urso foi colocado propositalmente sobre a pedra, o que sugere a prática de 
um ritual - Foto: © Jean Clottes

Há ossos de animais por toda a caverna - Foto: © Carole Fritz / Gilles Tosello

Toda essa riqueza pictórica e geológica só ficou preservada porque há cerca de 20 mil anos um deslizamento de rochas bloqueou a entrada da caverna, que só seria descoberta em 1994 e não está aberta ao público. Apenas uma seleta nata de cientistas, arqueólogos e espeleologistas tem permissão para entrar em Chauvet exclusivamente para fins de estudo, porque se descobriu que a respiração das pessoas cria, com o tempo, certos fungos que podem comprometer as pinturas. Isso já estava acontecendo com a gruta de Lascaux, o que motivou seu fechamento anos atrás e a construção de uma réplica exata para visitação dos turistas. Compreensivelmente, o grupo de cientistas autorizados a entrar em Chauvet não pode sequer tocar em nada dentro da caverna.

O que sobrou da entrada da caverna, soterrada 
há 20 mil anos e acessível apenas aos cientistas.
Foto: site oficial da caverna (rodapé) 
Em determinado momento do filme, são mencionadas marcas dos pés de uma criança de oito anos, ao lado das pegadas de um lobo, como se eles tivessem estado ali há pouco tempo. Isso se deve ao excelente estado de preservação da caverna, o que mais do que justifica as rígidas restrições de acesso. Teria o lobo protegido ou aprisionado a criança na caverna para devorá-la depois? Esse questionamento não foi só meu, mas suspeito que nunca saberemos a resposta!
 
A equipe de filmagem de Werner Herzog, por sua vez, só obteve autorização para filmar na caverna após longas negociações com o governo francês. Mesmo assim, a equipe só pôde incluir mais três técnicos, além do diretor, e teve permissão para filmar somente durante seis dias, no máximo quatro horas por dia. Todos, tanto a exígua equipe de filmagem quanto os poucos cientistas que a guiaram, podiam se locomover apenas sobre uma estreita passarela metálica de 60 centímetros de largura.

Apesar de tantas restrições, o talento do diretor e da equipe, aliados aos efeitos 3D, à magnitude do local e ao tema ao mesmo tempo atraente e intrigante, contribuíram para criar um filme verdadeiramente fascinante. Aliás, devo acrescentar que a linguagem 3D se presta maravilhosamente a um documentário como esse, por trazer até nós, com uma nitidez e veracidade impressionantes, toda a riqueza da topografia e dos detalhes das pinturas da caverna.  

Aqui vemos a estreita passarela sobre a qual a equipe de filmagem foi obrigada a circular - Foto: © Valérie Feruglio

O site da Globo.com tem uma entrevista muito interessante com o diretor Werner Herzog, vale a pena conferir! E se você quiser saber mais, acesse aqui o site oficial da caverna.

Mas nem é preciso dizer que o melhor, mesmo, é assistir ao filme em 3D no CineSesc! Afinal, trata-se de uma oportunidade única para conhecer a caverna de Chauvet por dentro, já que ela nunca será aberta ao público. Mas corra, porque atualmente o documentário tem sessões apenas às 15h e 19h10. O CineSesc fica à Rua Augusta, 2075. Tel.: 3087-0500. Não perca!

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