segunda-feira, 18 de março de 2013

'O Pensionista'. Beleza, mistério e música ao vivo na primeira obra-prima de Hitchcock.

Ontem tive uma daquelas surpresas que, vira e mexe, me deixam maravilhada quando me aventuro por certos programas em Sampa. Fui pela primeira vez ao evento Cinematographo, no MIS – Museu da Imagem e do Som, que consiste na projeção de filmes mudos sonorizados por músicos ao vivo, como na década de 20. Desta vez foi exibido o longa O Pensionista, (Inglaterra, 1927, 68 min, DVD), de Alfred Hitchcock, considerado pelo próprio mestre como sua primeira obra-prima de suspense.

Ivor Novello, o protagonista.

Ivor Novello e June, a mocinha. 

Eu tinha pelo menos três razões para ir ao MIS: primeira, adoro bom cinema. Segunda, adoro Hitchcock. E terceira, adoro música boa ao vivo. Estava formada a "Santíssima Trindade" que, somada à simpatia que venho nutrindo pelo museu desde que André Sturm deu uma "chacoalhada" na programação cultural, me levou ao MIS em pleno domingo chuvoso. Naturalmente, comprei o ingresso com antecedência, pelo Ingresso Rápido, para não correr o risco de ficar sem. Inicialmente, o museu havia programado apenas uma sessão às 16h, mas, como os ingressos se esgotaram rapidamente, foi aberta uma outra sessão às 18h – é nessa que me encaixei. Aí entra outro detalhe assombroso: a inteira custou apenas R$ 4,00, acredite se quiser. Somado à taxa de conveniência da compra, esse valor fez com que meu programa – aliás, um PROGRAMAÇO! – saísse por inacreditáveis R$ 4,75.

Como já era de se esperar, a sessão das 18h também lotou e tinha fila de espera. O público? De todas as idades, mas predominava um pessoal na faixa dos 25-35 anos. Gente que, via-se, aprecia eventos culturais de qualidade.

Mas vamos ao filme. O Pensionista ('The Lodger – A story of the London fog') já apresenta, de cara, alguns elementos que passariam a ser recorrentes na futura obra do mestre Hitchcock. A fascinação por loiras é um deles: o enredo gira em torno de uma série de assassinatos de jovens loiras cujos corpos são sempre encontrados com um bilhete assinado por "The Avenger" ("O Vingador"). O cenário é uma Londres misteriosamente bela e sedutora com sua névoa envolta em sépia. E a primeira cena do filme, sintomaticamente, é o close do grito de uma loura sendo assassinada.

Quando a notícia dos assassinatos se espalha, as loiras ficam em polvorosa.

Outro elemento característico de futuras obras de Hitchcock que se faz presente nessa obra é o personagem inocente injustamente acusado de um crime que não cometeu. O injustiçado, no caso, é um belíssimo homem de cabelos negros, reservado e refinado, que se hospeda por um mês na casa de uma simpática família que aluga quartos mobiliados. Esse homem é interpretado por Ivor Novello (1893-1951), um sucesso dos palcos londrinos de então que fez fama sobretudo como compositor e cantor. Ao me deparar com o personagem, foi inevitável associá-lo à figura do dândi 'Dorian Gray', com toda aquela aura de mistério e sex appeal. Não duvido que o ator tenha povoado a imaginação - e a libido - de muitas inglesinhas que sequer imaginavam que, segundo consta, o deus preferia a companhia dos rapazes.

O misterioso pensionista chega à casa da família.

O homem discreto e elegante desperta suspeitas.

Gentil e cavalheiro, o inquilino não demora a conquistar a simpatia da mocinha.

A família anfitriã é constituída por um casal de senhores e sua bela filha Daisy – uma jovem também loira que trabalha como manequim e é constantemente assediada por um policial apaixonado e boa-praça da Scotland Yard (Malcolm Keen, 1887-1970). Nos créditos do filme, o nome da atriz aparece apenas como "June", sem sobrenome. Tentei rastreá-la no Google, mas até o momento não encontrei nenhuma informação sobre ela.

June, a atriz sem sobrenome...

O policial não sai da casa de Daisy.

Para desalento do pobre policial, é evidente que Daisy fica hipnotizada pelos encantos do misterioso inquilino que, em determinado momento, passa a despertar suspeitas devido a seu comportamento reservado e uma série de coincidências. No entanto, transformar o belo hóspede no assassino seria uma solução um tanto óbvia, além de que a mocinha não poderia terminar o filme com o coração partido. O resultado foi um estiloso happy end.

Quem leva a melhor é o belo inquilino.


É evidente que, apesar de sua genialidade, o filme tem alguns furos, como a cena em que o inquilino foge algemado da casa da família na companhia de Daisy, ambos sentam num banco a poucos metros dali para que ele lhe conte sua triste história, e os policiais não aparecem para prendê-lo, sendo que também estavam na casa. No entanto, lapsos como esse não constituem demérito, mas apenas um sinal da ingenuidade de uma obra criada por e para pessoas de um outro tempo. O Pensionista é um belíssimo filme valorizado por um enredo atraente, atores com grande aura de magia – a começar por Ivor Novello -, uma fotografia maravilhosa e uma fantástica atmosfera de mistério.


O acompanhamento sonoro ao vivo foi um show à parte. A trilha composta por Anselmo Mancini, que estava ao piano, contou com a participação de Moisés Pantolfi (vibrafone e percussão) e Ronnie Oliveira (baixo acústico). Extremamente envolvente, a música acompanhava perfeitamente o ritmo e o teor de dramaticidade das cenas, lembrando mesmo a trilha daqueles filmes mudos que, infelizmente, não passam mais na TV. Posso dizer que me senti como se tivesse sido transportada para os anos 20!!!

Segundo o site do MIS, a trilha de Mancini teve influências de Villa-Lobos e Philip Glass, entre outros, e foi inspirada pela sonoridade de Bernard Herrmann, compositor que teve uma longa parceria com Hitchcock em seus principais filmes sonoros, tais como Um corpo que cai (1958) e Psicose (1964).

O Pensionista foi exibido no MIS apenas no domingo, mas você pode conferir, abaixo, a obra-prima na íntegra. Está certo que a trilha sonora faz falta, mas, mesmo assim, vale a pena dar uma espiada!


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