Ivor Novello, o protagonista. |
Ivor Novello e June, a mocinha. |
Eu tinha pelo menos três razões para
ir ao MIS: primeira, adoro bom cinema. Segunda, adoro Hitchcock. E terceira, adoro
música boa ao vivo. Estava formada a "Santíssima Trindade" que, somada à
simpatia que venho nutrindo pelo museu desde que André Sturm deu uma "chacoalhada" na programação cultural, me levou ao MIS em pleno domingo
chuvoso. Naturalmente, comprei o ingresso com antecedência, pelo Ingresso
Rápido, para não correr o risco de ficar sem. Inicialmente, o museu havia
programado apenas uma sessão às 16h, mas, como os ingressos se esgotaram
rapidamente, foi aberta uma outra sessão às 18h – é nessa que me encaixei. Aí
entra outro detalhe assombroso: a inteira custou apenas R$ 4,00, acredite se
quiser. Somado à taxa de conveniência da compra, esse valor fez com que meu
programa – aliás, um PROGRAMAÇO! – saísse por inacreditáveis R$ 4,75.
Como já era de se esperar, a sessão
das 18h também lotou e tinha fila de espera. O público? De todas as idades, mas
predominava um pessoal na faixa dos 25-35 anos. Gente que, via-se, aprecia eventos
culturais de qualidade.
Mas vamos ao filme. O Pensionista ('The Lodger – A story of
the London fog') já apresenta, de cara, alguns elementos que passariam a ser
recorrentes na futura obra do mestre Hitchcock. A fascinação por loiras é um
deles: o enredo gira em torno de uma série de assassinatos de jovens loiras cujos
corpos são sempre encontrados com um bilhete assinado por "The Avenger" ("O
Vingador"). O cenário é uma Londres misteriosamente bela e sedutora com sua
névoa envolta em sépia. E a primeira cena do filme, sintomaticamente, é o close
do grito de uma loura sendo assassinada.
Quando a notícia dos assassinatos se espalha, as loiras ficam em polvorosa. |
Outro elemento característico de futuras
obras de Hitchcock que se faz presente nessa obra é o personagem inocente
injustamente acusado de um crime que não cometeu. O injustiçado, no caso, é um belíssimo
homem de cabelos negros, reservado e refinado, que se hospeda por um mês na
casa de uma simpática família que aluga quartos mobiliados. Esse homem é interpretado
por Ivor Novello (1893-1951), um sucesso
dos palcos londrinos de então que fez fama sobretudo como compositor e cantor.
Ao me deparar com o personagem, foi inevitável associá-lo à figura do dândi 'Dorian
Gray', com toda aquela aura de mistério e sex
appeal. Não duvido que o ator tenha povoado a imaginação - e a libido - de muitas
inglesinhas que sequer imaginavam que, segundo consta, o deus preferia a
companhia dos rapazes.
O misterioso pensionista chega à casa da família. |
O homem discreto e elegante desperta suspeitas. |
Gentil e cavalheiro, o inquilino não demora a conquistar a simpatia da mocinha. |
A família anfitriã é
constituída por um casal de senhores e sua bela filha Daisy – uma jovem também loira
que trabalha como manequim e é constantemente assediada por um policial apaixonado
e boa-praça da Scotland Yard (Malcolm Keen, 1887-1970). Nos créditos do filme,
o nome da atriz aparece apenas como "June", sem sobrenome. Tentei rastreá-la no
Google, mas até o momento não encontrei nenhuma informação sobre ela.
June, a atriz sem sobrenome... |
O policial não sai da casa de Daisy. |
Para desalento do pobre policial, é
evidente que Daisy fica hipnotizada pelos encantos do misterioso inquilino
que, em determinado momento, passa a despertar suspeitas devido a seu comportamento
reservado e uma série de coincidências. No entanto, transformar o belo hóspede
no assassino seria uma solução um tanto óbvia, além de que a mocinha não
poderia terminar o filme com o coração partido. O resultado foi um estiloso happy end.
Quem leva a melhor é o belo inquilino. |
É evidente que, apesar de sua
genialidade, o filme tem alguns furos, como a cena em que o inquilino foge
algemado da casa da família na companhia de Daisy, ambos sentam num banco a
poucos metros dali para que ele lhe conte sua triste história, e os policiais não
aparecem para prendê-lo, sendo que também estavam na casa. No entanto, lapsos como
esse não constituem demérito, mas apenas um sinal da ingenuidade de uma obra criada
por e para pessoas de um outro tempo. O Pensionista é um belíssimo filme valorizado
por um enredo atraente, atores com grande aura de magia – a começar por Ivor
Novello -, uma fotografia maravilhosa e uma fantástica atmosfera de mistério.
O acompanhamento sonoro ao vivo foi
um show à parte. A trilha composta por Anselmo Mancini, que estava ao piano,
contou com a participação de Moisés Pantolfi (vibrafone e percussão) e Ronnie
Oliveira (baixo acústico). Extremamente envolvente, a música acompanhava
perfeitamente o ritmo e o teor de dramaticidade das cenas, lembrando mesmo a
trilha daqueles filmes mudos que, infelizmente, não passam mais na TV. Posso
dizer que me senti como se tivesse sido transportada para os anos 20!!!
Segundo o site do MIS, a
trilha de Mancini teve influências de Villa-Lobos e Philip Glass, entre outros,
e foi inspirada pela sonoridade de Bernard Herrmann, compositor que teve uma longa
parceria com Hitchcock em seus principais filmes sonoros, tais como Um
corpo que cai (1958) e Psicose (1964).
O Pensionista foi exibido no MIS apenas no domingo, mas você pode conferir, abaixo, a obra-prima na íntegra. Está certo que a trilha sonora faz falta, mas, mesmo assim, vale a pena dar uma espiada!
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