domingo, 31 de março de 2013

French Cancan, de Jean Renoir. Tributo ao Impressionismo numa explosão de alegria.

Posso estar enganada, mas possuo uma memória remota, mas muito remota mesmo, de já ter assistido a French Cancan (1954 – 35 mm - 102') na televisão, quando criança. E se não estiver errada, certamente foi na companhia de minha querida e saudosa vovó, ao lado da qual me aconchegava no sofá da saleta de TV para assistir aos clássicos exibidos em emissoras como Globo, Band (então 'Bandeirantes') e Record. Sim, àquela época havia bons filmes na TV aberta, e não o lixo que nos é impingido hoje.

Só sei que, ao saber que French Cancan, de Jean Renoir (1894-1979), seria exibido na Cinemateca como parte da programação da Festa Internacional da Francofonia, promovida pela Aliança Francesa, não quis perder por nada. Para quem não sabe, o diretor Jean Renoir é filho de Pierre-Auguste Renoir, um dos mais fabulosos mestres do impressionismo francês. E o que Jean fez, neste que é um de seus últimos filmes, foi prestar um belíssimo tributo ao pai e aos colegas pintores que, ao lado deste, sofreram por anos a fio o escárnio do establishment das academias de arte para triunfar ao final.

O alegre número de cancan exibido ao final, com fabulosas bailarinas.

Françoise Arnoul, no papel da mocinha Nini. Além de atriz, uma bailarina de primeira.

French Cancan nos remete a uma alegre e exuberante sequência de quadros animados de Toulouse-Lautrec, como se tantas de suas imagens de cabarés com dançarinas, burgueses de cartola, cortesãs, damas elegantes, artistas, bêbados e outros tipos tão encantadores quanto decadentes tivessem ganhado um sopro de vida e começado a desfilar diante de nossos olhos.

Uma versão do cartaz do filme, livremente inspirada em Toulouse-Lautrec.

Nini (Françoise Arnoul), ao centro, e o namorado Paulo (Franco Pastorino), antes de virar estrela no Moulin Rouge.

O colorido do filme grita diante de nós, capturando nosso olhar do início ao fim ao tingir de alegria os vícios de uma classe que mergulhava nos prazeres mundanos para esquecer sabe-se lá o quê. Não por acaso, French Cancan é uma das obras mais encantadores e populares de Jean Renoir.

No Moulin Rouge, as dançarinas literalmente "invadem" o salão.

Os burgueses se deliciam nos cabarés.

Henri de Toulouse-Lautrec - 'No Moulin Rouge' (1892), uma das obras que, possivelmente, inspiraram Jean Renoir.

Curiosamente, Edith Piaf faz uma breve participação, interpretando uma canção no papel da cantora Eugénie Buffet, que teve grande sucesso no final do século XIX.

E não é que a pequena "Pardal" também fez uma participação? Grande Piaf!

O enredo é singelo, assim como as atuações dos atores que, não raro, resvalam para uma interpretação francamente naïve. Essa suposta "ingenuidade" com que o diretor retrata a decadência moral do fim do século XIX, porém, é perfeitamente adequada ao estilo e caráter do filme. Afinal, a tudo se perdoa nas pinturas de Lautrec, bem como nesta obra-prima de Jean Renoir. Tanto num quanto noutro, o lirismo e a beleza absurda com que os vícios, a imoralidade e a decadência são retratados transcendem anos-luz a qualquer julgamento moral.

As alegres dançarinas, com Nini ao centro.
  
O cancan, toujours...

E a famosa versão de Lautrec para o 'Baile no Moulin Rouge' (1890).

O filme é inspirado na biografia de Charles Zidler, um dos fundadores do cabaré Moulin Rouge. Jean Gabin interpreta o elegante Henri Danglard, dono de um cabaré decadente em Montmartre que tem como atração principal a fogosa dançarina do ventre Lola (María Félix), que também é sua amante. 

Danglard (Jean Gabin), o dono do cabaré, e a amante Lola (María Félix).

Um dia, ao visitar outro cabaré com Lola e seus amigos, Danglard vê a jovem lavadeira Nini dançar e se encanta com a vivacidade e graça da mocinha, convidando-a para compor um novo número que irá revitalizar o cancan, uma dança que todos já julgavam ultrapassada. Nini e as outras dançarinas são então treinadas por uma velha dançarina de cancan, Mme. Prunelle, para se apresentarem no Moulin Rouge, o novo cabaré construído por Danglard para salvá-lo da ruína. Para desespero de Paulo, o jovem e belo namorado padeiro, Nini torna-se amante de Danglard, sem saber que o homem seduz cada nova estrela que promove em seus shows. Apesar do coração partido de Nini, dos ciúmes de Lola e das intrigas dos inimigos, Danglard naturalmente triunfa com o Moulin Rouge e o filme tem um grand finale que culmina numa explosão de alegria, um belíssimo e memorável número de cancan.


Assista aqui ao número final de cancan, sem dúvida o mais belo que já vi! Aliás, toda vez que assisto tenho vontade de pular pra dentro dessa festa!



Ficha técnica parcial:

Henri Danglard - Jean Gabin
Nini - Françoise Arnoul
Lola “La Belle Abbaisse” – María Félix
Paulo – Franco Pastorino
Mimi Prunelle - Pâquerette
Edith Piaf – Eugénie Buffet

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