domingo, 2 de julho de 2017

Como 100 milhões de euros em pinturas roubadas podem ter ido parar num lixão.

Fontes: Artsy e The New York Times | Tradução e adaptação: Simone Catto

O Palais de Tokyo, que abriga o Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris

De vez em quando, a gente depara com um roubo de arte digno de uma história de Sherlock Holmes. Em 2010, cinco obras de arte – avaliadas em 100 milhões de euros e por muitos consideradas de valor inestimável – foram roubadas do Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris. O ladrão conseguiu burlar sistemas de segurança e escapou das vistas de guardas sonolentos. Pinturas de Picasso, Léger, Braque, Matisse e Modigliani foram cuidadosamente retiradas de suas molduras e desapareceram na noite. À época, o prefeito da cidade, Bertrand Delanoë, descreveu o caso como "um intolerável ataque à herança cultural universal de Paris." As obras, nunca mais encontradas, podem estar hoje num lixão.

O Roubo

Por volta das três horas da manhã do dia 20 de maio de 2010, o ladrão, um homem de 42 anos chamado Vjeran Tomic e apelidado de "Homem-Aranha", afrouxou os parafusos das esquadrias de uma janela do Palais de Tokyo. Além de ser o maior espaço da França para exposições de arte contemporânea, o prédio Art Déco, que fica ao lado do Rio Sena e não longe da Torre Eiffel, abriga o Musée d'Art Moderne. Foi naquele museu que Tomic, cujas acrobacias em inúmeros furtos justificam seu apelido, sabia que iria encontrar seu alvo: "Nature Morte aux Chandeliers" (Natureza-Morta com Castiçais), uma tela de 1922 do renomado pintor francês Fernand Léger. O plano inicial era roubar o Léger e entregá-lo a um antiquário chamado Jean-Michel Corvez, que lhe pagaria 40 mil euros.

Fernand Léger - 'Nature Morte aux Chandeliers' (1922), a tela encomendada
a Tomic pelo antiquário ladrão.

Cinco anos antes de Tomic arrombar o gradil trancado a cadeado atrás da janela e escalar para dentro do museu para efetuar o roubo, a instituição havia reforçado seu sistema de segurança como parte de uma reforma de 15 milhões de euros, conforme o The Wall Street Journal. Mais tarde, Tomic diria à polícia que ficara "surpreso" pelo fato de nenhum alarme haver disparado quando ele cuidadosamente tirou o Léger de sua moldura. Ocorre que, por um golpe de sorte do criminoso, o sistema de segurança do museu estava à espera de um conserto havia várias semanas. Então o gatuno, que se autointitula "amante da arte", decidiu dar uma olhadinha em volta. Percorreu várias galerias, escapando das câmeras de segurança, e pegou quatro outras pinturas antes de deixar o museu. Entre elas estavam: "Le Pigeon aux Petit Pois" (O Pombo com Ervilhas) (1911), de Pablo Picasso, avaliada em 23 milhões de euros; "La Pastorale" (A Pastoral) (1905), de Henri Matisse, de cerca de 15 milhões de euros; "L'Olivier Près de l'Estaque" (A Oliveira perto de Estaque) (1906), de  Georges Braque; e "La Femme à l'Éventail" (Mulher com Leque) (1919), de Amedeo Modigliani.

Henri Matisse - 'La Pastorale' (1905), um dos quadros roubados.

Três guardas estavam de serviço na manhã de 20 de maio de 2010. Uma hora após o nascer do sol, por volta das 7 horas, quando se preparavam para abrir o museu, eles notaram as molduras vazias e avisaram a polícia. Os homens não haviam visto e nem ouvido nada. Membros da tropa de elite de Paris para roubos armados, a Brigade de Répression du Banditisme, atenderam ao chamado. Naquele dia, os visitantes do Musée d'Art Moderne encontraram um aviso dizendo que o museu estaria fechado por "razões técnicas". O jornal The Guardian descreveu a cena do lado externo: "A mídia de todo o mundo se aglomerou em torno dos policiais que estavam de guarda" e "no início da tarde a entrada do museu havia sido isolada e foram erguidas barreiras de segurança."

À época, o impacto do roubo foi um misto de choque, ameaça e espanto. Alice Farren-Bradley, então membro do Art Loss Register ("Registro de Arte Perdida"), em Londres, classificou o caso como "um dos maiores roubos jamais ocorridos", considerando-se o valor estimado das obras, a proeminência dos artistas e a relevância do museu. O secretário de cultura da cidade à época, Christophe Girard, descreveu o impacto psicológico do roubo: "As pessoas no museu estão traumatizadas", afirmou. "São obras de arte muito importantes. É óbvio que o sistema de segurança estava superado."

Amedeo Modigliani - 'La Femme à l'Éventail' (1919)

Tim Marlow, historiador de arte e diretor artístico da Royal Academy de Londres, ficou impressionado com o "olho" de Tomic. "Aqueles são trabalhos das maiores figuras da arte do início do século XX", disse para o jornal The Telegraph. "Devo dizer que esse ladrão tem bom gosto – ele sabia o que estava roubando."

De fato, claro está que, desde o planejamento até o roubo propriamente dito, o criminoso tinha alguma noção do que estava fazendo. O que não ficou claro, naquele momento, é se ele sabia o que faria na sequência. "Você não pode fazer qualquer coisa com aquelas pinturas", explicou Pierre Cornette de Saint-Cyr, então diretor do Palais de Tokyo. A polícia internacional ficou alerta, de olho se alguma obra aparecesse. Elas nunca poderiam ser oferecidas no mercado ou mostradas a colecionadores honestos que provavelmente as reconheceriam e fariam uma denúncia. Nesses casos, os ladrões às vezes tentam obter um resgate para devolver a obra, mas isso também é difícil. Então Saint-Cyr mandou uma mensagem direta aos criminosos: "Essas cinco pinturas são invendáveis; portanto, senhores ladrões, vocês são imbecis – agora, devolvam-nas." Em vão.

Georges Braque - 'L'Olivier prês de l'Estaque' (1906)

Prisão e Processo

A polícia levou mais de um ano para descobrir os três envolvidos no roubo. Além de Tomic e o antiquário Corvez, um relojoeiro chamado Yonathan Birn também foi indiciado. O que não apareceu, contudo, foram as obras de arte. Se o relojoeiro Birn disse a verdade, as telas não existem mais, destruídas por um caminhão de lixo. "Joguei-as no lixo", contou um Birn choroso à corte três vezes ao longo do processo. "Cometi o pior erro de minha existência." Último a ser capturado, Birn afirmou ter ficado em pânico quando os outros dois criminosos foram pegos pela polícia em maio de 2011 e se desfez de todas as obras. O juiz da investigação, Peimane Ghaleh-Marzban, duvida que Birn tenha feito isso, assim como os outros réus, que declararam que ele era "inteligente demais" para simplesmente descartar obras de arte tão valiosas. O próprio Tomic quer saber onde estão as pinturas, afirmando com uma cara de pau que beira a puerilidade: "Aquelas são minhas obras de arte". Farren-Bradley, atual chefe da Rede de Segurança do Museu, disse: "Podemos apenas ter esperanças de que as declarações do Sr. Birn sobre a destruição das obras sejam mentira." Porém, ela acrescentou que em outros casos de roubo de arte, quando os bandidos julgavam "muito perigoso" manter as obras em seu poder, estas sofreram sérios danos ou foram mesmo destruídas.

Pablo Picasso - 'Le Pigeon aux Petis Pois' (1911)

O fato é que o destino das pinturas até hoje permanece um mistério. Depois que a polícia prendeu Tomic, ele relatou, no interrogatório, que havia planejado roubar apenas a obra de Léger para Corvez, o qual havia confessado já ter receptado mercadorias roubadas em ocasiões anteriores. Quando Tomic lhe mostrou as outras pinturas, contou que Corvez ficou chocado e não estava seguro se poderia vendê-las. Nervoso por ter tais preciosidades em suas mãos, Corvez mostrou-as a Birn, seu amigo, o qual afirmou que compraria o Modigliani por 80 mil euros e guardaria o restante. Quando a polícia fez as prisões, um Birn nervoso relatou que tirou o Modigliani do cofre do banco onde havia depositado a obra e a destruiu, ao lado das outras quatro. Na ocasião a polícia vasculhou a casa de Birn devido a um outro roubo, mas não encontrou as pinturas.

A polícia também diz que um smartphone prova que Tomic ou um de seus comparsas estava na área do museu na noite do crime. Após fazer uma busca no apartamento de Tomic, oficiais encontraram todo o equipamento de escalada que alguém poderia esperar encontrar no antro de um ladrão conhecido como "Homem-Aranha", incluindo luvas, cordas, arreios, calçados para escalada e ventosas. Tomic também tem 14 condenações anteriores por roubo. Embora ele tenha escapado de algumas câmeras de segurança, conseguindo até desativar uma delas, alguns vídeos do museu capturaram uma figura corpulenta fortemente disfarçada que a polícia afirma ser o criminoso.

Atualmente com 49 anos, Tomic foi acusado de roubar propriedade cultural e em fevereiro deste ano pegou oito anos de prisão. O antiquário Jean-Michel Corvez, 61, pegou sete anos, e o relojoeiro Yonathan Birn, 40, pegou seis anos por guardar as pinturas posteriormente.

Em tempo: confesso que achei as penas muito leves pelo perda que os criminosos causaram. Não duvido que, assim que for solto, o tal Vjeran Tomic volte a praticar novos roubos!

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