domingo, 6 de março de 2016

Fortunato Depero: o artista multimídia de cem anos atrás.

Na história ocidental, houve algumas épocas em que o homem exaltou, mais do que em outras, sua crença no progresso inexorável e nas benesses da indústria. Esse homem sentia uma real esperança no poder das máquinas e da tecnologia para proporcionar, à humanidade, o quinhão de bem-estar social que lhe caberia neste mundo. O início do século XX, na Itália, foi um momento em que isso aconteceu com bastante intensidade nas artes. O movimento futurista, nascido naquele país, buscou traduzir visualmente, em suas manifestações artísticas, o frenesi, a velocidade e o entusiasmo com o desenvolvimento industrial da modernidade. É no meio desse furacão que se situa o artista plástico Fortunato Depero (1892-1960), um italiano da cidade de Rovereto, perto do Trento, cuja obra é tema da mostra Depero futurista e artista global, no MAC Ibirapuera.

Com curadoria de Maurizio Scudero e apoio do Istituto Italiano di Cultura, a exposição apresenta um conjunto da produção gráfica do artista, incluindo pinturas, cartazes litográficos, colagens, mosaicos de tecidos e trabalhos que ele realizou para a publicidade.

Depero aderiu ao futurismo em 1914 para nunca mais abandoná-lo, embora em determinadas épocas o movimento se fizesse menos presente em sua obra. "Adoro os motores, adoro as locomotivas, inspiram-me um otimismo inquebrantável", afirmou certa vez. Teve aulas com Giacomo Balla e, em 1915, lançou com seu mestre o manifesto Ricostruzione Futurista dell’Universo, no qual defendia a noção de obra de arte total, isto é: o futurismo deveria ultrapassar as fronteiras da pintura e da escultura e transbordar para a vida cotidiana, alegrando a vida do homem moderno em itens como a decoração de sua casa, suas roupas, objetos utilitários e onde mais fosse possível. Colocando em prática esse princípio, após a Primeira Guerra, Depero fundou em sua cidade natal a Casa d’Arte Futurista – uma casa-ateliê-fábrica, que se tornou  muito conhecida nos anos 20 e permaneceu em atividade até o início da década de 40, transformando-se em museu em 1957.

A materialidade da obra de Depero, com pinturas em blocos cromáticos sobre fundos contrastantes, funciona como um contraponto aos "impressionismos", "romantismos" e "simbolismos" da geração anterior. Mais do que o aspecto formal, a própria atitude futurista de planejar a obra e projetar cada passo antecipadamente vai de encontro à ideia poética de casualidade e "inspiração" que norteava a produção de muitos artistas até então.

Fortunato Depero -  'Costruzione Geometrica di Donna' ['Construção Geométrica de Mulher] - c. 1917 - óleo s/ tela
Foto: Simone Catto

Fortunato Depero - 'La Ciociara' ['A Ciociara'] - 1919 - óleo s/ tela - Foto: Simone Catto

Depero também bebeu na fonte do cubismo e do surrealismo, produzindo, por vezes, pinturas metafísicas semelhantes às obras de De Chirico. Dentro de sua proposta de arte total, também penetrou os mais diversos ambientes e segmentos, como a moda, o teatro, a editoria, a publicidade, a decoração e, naturalmente, o próprio design. Incansável, criou livros, ilustrações, brinquedos, figurinos e cenografia teatrais, fazendo experimentações com diferentes materiais. Algumas fotos que tirei no museu ficaram com reflexo devido à película de vidro que as protegia, mas mesmo assim dá para ter uma ideia do caráter das obras.

Fortunato Depero - 'Tirolese Baffuto' [''Tirolês Bigodudo'] - 1920 - colagem s/ papelão
Foto: Simone Catto

Fortunato Depero - 'Scena di Villaggio' ['Cena de Vilarejo'] - 1920 - colagem s/ cartolina
Foto: Simone Catto

A década de 20 foi particularmente prolífica para o artista. Sua pintura assumiu tons metálicos e polidos referentes ao tema da "mecanização" e, entre 1924 e 1928, ele criou vários trabalhos publicitários, desenvolvendo peças lúdicas e de um colorido intenso para diversas empresas, incluindo marcas de bebidas como Campari e o licor Strega.

Fortunato Depero - 'Mandorlato Vido' - 1924 - cartaz litográfico colocado em tela
Foto: Simone Catto

Fortunato Depero - 'Strega' (licor) - c. 1928 - colagem s/ papelão - Foto: Simone Catto

Fortunato Depero - 'Bitter Campari' - 1928-40 - cartaz litográfico montado em tela
Foto: Simone Catto

Da experiência com teatro, surgiram os mosaicos de tecidos coloridos. A princípio, eles eram colados sobre um suporte de papelão, mas, depois, a cola foi substituída por fio e agulha e o papelão pelo tecido de lençóis. Cada vez mais aperfeiçoada, essa técnica obteve grande sucesso comercial.

Fortunato Depero - 'Gondolieri (Colleoteri Veneziani)' - ['Gondoleiros (Coleópteros Venezianos)'] - 1924-25 - mosaico de tecidos coloridos - Foto: Simone Catto

Em setembro de 1928, Depero partiu para Nova York, onde trabalhou intensamente. Nessa época passou a desenhar capas de revistas internacionais como Vogue e Vanity Fair, sendo bastante requisitado para trabalhos gráficos e publicitários. No entanto, ao comparar a gigantesca metrópole com o "futuro" de bem-estar social pelo qual os futuristas tanto haviam ansiado, descobriu que nem tudo eram flores. Ao invés de proporcionar paz e conforto aos cidadãos, o futuro muitas vezes podia se revelar uma opressora prisão tecnológica e evidenciar os abismos sociais nas grandes cidades. Em outras palavras, Depero não tinha mais com o que sonhar.

Fortunato Depero - 'Big Sale (Mercato di Down-Town)' - ['Grande Liquidação (Mercado do Centro)'] c. 1930 - óleo s/ tela
Foto: Simone Catto

No ano de 1930, após o grande crash da bolsa de Nova York e a recessão econômica que se seguiu, o artista retornou à Itália e desenvolveu intensa atividade em seu país natal, retomando também o contato com os valores de sua terra e da família.

Fortunato Depero - 'Elasticità di Gatti' ['Elasticidade de Gatos'] - 1939-46 - óleo s/ madeira - Foto: Simone Catto

Fortunato Depero - 'Rito e Splendori di Osteria' ['Rito e Esplendores de Taberna']
1944 - óleo s/ madeira - Foto: Simone Catto

Depero Voltou a Nova York ao final da Segunda Guerra Mundial, mas encontrou a cidade mais hostil, até porque os americanos haviam lutado contra os italianos no confronto e estes não eram vistos com bons olhos. Suas últimas obras mostram ambientes rurais e domésticos, predominantemente estáticos. Vez ou outra, no entanto, ele inseria algum elemento futurista, como uma reminiscência de seus melhores anos.

Fortunato Depero - 'Strasppo di Vento' ['Arrancada de Vento'] - 1948 - óleo s/ madeira - Foto: Divulgação

Precursor da gráfica e da pintura contemporâneas, Depero inspirou, com seu uso original das cores e seu traço inovador, muitos artistas, publicitários e designers depois da Segunda Guerra Mundial. Vale a pena conhecer seu trabalho!

A exposição DEPERO FUTURISTA E ARTISTA GLOBAL estará até o dia 27 de março no MAC USP Ibirapuera - Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301 - 2º andar. Tel.: 11 2648-0254. De terça a domingo, das 10h às 18h. Entrada e estacionamento grátis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário