sábado, 30 de janeiro de 2016

Lasar Segall, o Brasil e a descoberta da luz.

Há uma semana, visitei a exposição 'Idas e Vindas – Segall e o Brasil', no Museu Lasar Segall, e já escrevi um post sobre as primeiras fases do artista, isto é, antes de sua mudança para o Brasil no ano de 1923.

Agora vamos abordar a fase tropical de Lasar Segall, mas, antes, vale a pena falar um pouco da casa onde está instalado o museu idealizado em 1967 por Jenny Klabin Segall, viúva do artista. Projetada em 1932 pelo arquiteto de origem russa Gregori Warchavchik (1896-1972), ela foi residência da família Segall por muitos anos e virou museu em 1967, dez anos após a morte do mestre.


Logo ao entrarmos no museu topamos com um convidativo café! - Foto: Simone Catto

Móveis que pertenceram a Lasar Segall na residência onde
hoje está o museu - Foto: Simone Catto   
A exposição apresenta um panorama da carreira de Lasar Segall, a começar pela fase inicial impressionista, passando pelo expressionismo e culminando na fase brasileira, que é a que nos interessa aqui.

Nascido em 1891 na cidade de Vilna, Lituânia, Segall faleceu em 1957, em São Paulo, praticamente no mesmo local onde se encontra hoje o museu. Quando fixou residência na cidade, no ano de 1923, o artista já havia viajado muito, tomado contato com várias vanguardas europeias e também havia sido vivamente impressionado pelas tragédias da I Guerra Mundial. Segall já havia visitado o Brasil anteriormente, em 1913, tendo inclusive realizado exposições em São Paulo e Campinas.

A julgar pelos depoimentos do artista, após testemunhar tantas catástrofes na Guerra da Europa, fica evidente que a luz, as pessoas e as cores tropicais exerceram um impacto poderoso e positivo em seu ânimo, o que iria refletir diretamente em sua obra. A data da visita ao Brasil mencionada por Lasar Segall no depoimento abaixo difere daquela que consta nos textos da curadoria da exposição, mas o importante é ressaltar o poder do enorme impacto sensorial que o Brasil gerou sobre seus sentidos.

"Em janeiro, 1924, estive novamente no Brasil e as lembranças dos anos de 1912-1913, que não tinham me abandonado durante longos anos, tornaram-se para mm realidade. Revia o Rio de Janeiro com suas altas palmeiras intermináveis, com praias ainda não manchadas pelas sombras dos arranha-céus, que durante este tempo surgiam; também Santos, com navios de todos os cantos do mundo perto de infinitos espaços repletos de bananeiras, e finalmente São Paulo, rodeada por terras de uma cor vermelha e marrom profunda. Tornava a ver os maravilhosos pores do sol, envoltos no ar quente e tropical, e ouvia novamente melodias carnavalescas embebidas de melancólica saudade. Imaginava que tudo ao meu redor estava feliz e despreocupado. Sentia-me livre neste mundo novo e diferente.”


Lasar Segall - 'Encontro' (1924) - óleo s/ tela - Foto: Simone Catto

Lasar Segall - 'Paisagem Brasileira' (1925) - óleo s/ tela - Foto: Simone Catto

Lasar Segall - 'Menino com Lagartixa' (1924) - óleo s/ tela
Foto: Simone Catto
Os negros, as favelas, as paisagens do Rio de Janeiro e a série 'Mangue' começaram a figurar nas obras de Lasar Segall. Os ocres, cinzas e pretos de sua paleta são substituídos por luxuriantes vermelhos, verdes e amarelos. As cores tornam-se claras e luminosas. O ambiente artístico brasileiro mostrava-se igualmente estimulante, ainda sob influência da Semana de Arte Moderna de 22. Considerado um legítimo representante das vanguardas europeias, Segall chegou aqui na hora certa e foi muito bem acolhido pelos artistas modernistas de então. 

"Vi-me transportado sob a fulgência de um sol tropical cujos raios iluminavam a gente e as coisas em seus recantos mais remotos e recônditos, emprestando até ao que se encontrava na sombra uma espécie de resplandecência, pois tudo dava por sua vez a impressão de irradiar reverberações de luz; vi terra roxa, terra cor de tijolo e terra quase negra, uma vegetação luxuriante desdobrando-se em fantásticas formas ornamentais, vi danças executadas pelo povo com exaltação quase religiosa, de um ritmo alucinante e contagioso, que realizava espontaneamente, sem teorias e pesquisas intelectuais, o que as modernas tendências do bailado na Europa se esforçavam por elaborar como criações revolucionárias e inovadoras no domínio da dança; e vi homens e mulheres com os quais, não obstante a estranheza de sua língua e costumes, me sentia irmanado."

Lasar Segall - 'Rio de Janeiro III' (1930) - água-forte s/ papel - Foto: Simone Catto

Em contrapartida, a série 'Mangue', criada entre 1926 e 1929, retrata a atmosfera opressiva do baixo meretrício do Rio de Janeiro com mulheres nuas e personagens atrás de persianas, de forma que quase podemos sentir o clima sufocante dos cubículos decadentes onde as moças (ou nem tanto) recebiam seus clientes.


Lasar Segall - 'Casa do Mangue' (1929) - xilogravura s/ papel - Foto: Simone Catto

Lasar Segall - 'Mangue' (1929) - ponta-seca s/ papel - Foto: Simone Catto

Lasar Segall - 'Dois Nus' (1930) - óleo s/ tela - Foto: Simone Catto

A obra abaixo, embora produzida mais de uma década mais tarde, parece uma reminiscência das memórias do Mangue.


Lasar Segall - 'Cabeça Atrás da Persiana' (1944) - guache s/ papel - Foto: Simone Catto

Em 1925, Segall casou-se com Jenny, uma grande companheira intelectual, e entre 1928 e 1932 residiu em Paris, onde produziu sua primeiras esculturas. Em 1929, teve o privilégio de visitar Kandinsky e outros artistas na Bauhaus de Dessau, Alemanha. Nessa época, realizou obras com motivos brasileiros e também com o tema da emigração, tão presente em sua vida.


Lasar Segall - 'Terceira Classe' (1928) - ponta-seca s/ papel - Foto: Simone Catto

A partir daqui, o colorido vibrante das pinturas de Segall dá lugar a tons mais suaves e comedidos. Ele começa a estruturar suas composições por meio de manchas cromáticas e a linha desenhada perde um pouco seu status. A tela a seguir tem uma superfície mais espessa e, provavelmente não por acaso, o volume das figuras lembra um pouco as esculturas que começa a criar.


Lasar Segall - 'Família do Pintor' (1931) - óleo s/ tela - Foto: Simone Catto

Lasar Segall - 'Orquestra' (1933) - guache s/ papel - Foto: Simone Catto

Ao retornar ao Brasil, Segall fixa residência no local que sedia o museu com seu nome. Em 1935, passa a pintar também as paisagens e florestas de Campos do Jordão e sua obra adquire um aspecto mais denso e "matérico", ao mesmo tempo em que os dramas humanos continuam a ser retratados em telas de grandes dimensões, como 'Navio de Emigrantes', abaixo.


Lasar Segall - 'Navio de Emigrantes' (1939-41)  - óleo com areia s/ tela - Foto: Simone Catto

Na década de 1950, o pincel "se solta" e Segall aproxima-se da abstração, como em 'Floresta Crepuscular', abaixo. Suas árvores não têm raiz nem copa e funcionam como suportes para a cor, em que predominam os ocres, os verdes-musgo, os marrons quentes e os tons da terra brasileira que tanto o impressionavam.


Lasar Segall - 'Floresta Crepuscular' (1956) - óleo com areia s/ tela
Foto: Museu Lasar Segall

Em 2 de agosto de 1957 o artista deixa este mundo, porém permanece até hoje em sua residência da Vila Mariana.

Clique aqui e confira matéria sobre a primeira fase do artista!

Você ainda não conhece o MUSEU LASAR SEGALL? É obrigatório para todo mundo que deseja conhecer as nossas vanguardas! Vá lá: Rua Berta, 111 – Vila Mariana. Tel.: (11) 21590400 – www.museulasarsegall.org.br. Abre de quarta a segunda das 11h às 19h, com entrada franca.

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