quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

'Caros Ouvintes', no Teatro das Artes: nostalgia para ver e ouvir.

Houve uma época em que famílias inteiras reuniam-se em torno de um rádio para ouvir uma... radionovela! Não, isso não é do meu tempo (rs), mas era uma forma de entretenimento que fazia sucesso no Brasil dos anos 30 até meados da década de 60, antes da invasão da televisão, que ainda era artigo de luxo na década de 50.

No início, a radionovela nada mais era do que um teatro "cego", isto é, um texto teatral adaptado para o veículo rádio. Os atores simplesmente liam esse texto sem interpretá-lo - depois é que surgiram as interpretações, sempre ao vivo. Então mudavam a entonação e empostação da voz de acordo com a emoção a ser transmitida, sonoplastas entravam em ação com ruídos para marcar as cenas e uma música orquestral valorizava o momento. Dramas lacrimosos, histórias sobrenaturais e grandes romances eram os gêneros que capturavam os ouvidos e hipnotizavam multidões ao pé do rádio. E entre um bloco e outro, entrava o anunciante.

 Nesta foto, está o ator Petrônio Gontijo no papel do produtor Vicente (último à direita), que depois foi substituído por Marcos Damigo, ator da versão à qual assisti - Foto: Priscila Prade - Folha Ilustrada.

A comédia Caros Ouvintes, atualmente em cartaz no Teatro das Artes, Shopping Eldorado, retrata justamente o último suspiro das radionovelas, em meados dos anos 60 – mais precisamente, durante o Golpe Militar de 64. Enquanto a televisão começava a ganhar adeptos, o som começava a perder a guerra contra a imagem, pelo menos no âmbito das novelas. Foi assim que o elenco de radioatores corria sério risco de ficar desempregado, o que realmente aconteceu, ao contrário da equipe de roteiristas e sonoplastas, que puderam ser aproveitados na telinha. Os atores que não fossem fotogênicos e não possuíssem uma bela "estampa", por assim dizer, não vingariam na televisão. Ocorre que o sucesso dessas radionovelas, naturalmente, devia-se à fantasia das românticas ouvintes que, na ausência de imagens, podiam imaginar o que bem entendessem. Não raro, os galãs das radionovelas eram interpretados por atores gordos e carecas e as mocinhas já eram senhoras, exatamente como ocorre na peça com a personagem Ermelinda Penteado (Agnes Juliani), uma radioatriz que interpreta dois papéis, a mãe e a filha criança da mocinha.

Da esquerda para a direita: Pércles Gonçalves, um ex-galã (Eduardo Semerjian), Ermelinda Penteado, radioatriz (Agnes Zuliani), Petrônio Gontijo e Natália Rodrigues (Conceição, Neves a mocinha)

A peça mostra as agruras e os esforços heroicos do elenco para gravar o último capítulo da radionovela 'Espelhos da Paixão' e se despedir do público em um palco armado do lado de fora da rádio. Tudo isso em meio ao desalento e à dor da despedida e do desemprego, tendo como pano de fundo a perturbação política do Golpe Militar. A única atriz do elenco que continuaria na carreira seria a bela mocinha Conceição Neves, que havia sido convidada por uma emissora a estrelar uma novela televisiva, agora com o nome artístico de Suzana Pascoal.

Com forte tom nostálgico, a peça não empolgou, mas valeu como registro de uma época que não existe mais ao nos transmitir uma boa ideia de como funcionavam os bastidores das radionovelas, gravadas ao vivo e ensaiadas exaustivamente. Contudo, saí do teatro com a sensação de que um tema tão interessante poderia ter sido melhor explorado com um texto e diálogos à altura.

CAROS OUVINTES está no Teatro das Artes (Shopping Eldorado), Av. Rebouças, 3970 – 3º piso – Pinheiros. Tel.: 3034-0075. Horários: sexta às 21h30, sábado às 21h e domingo às 20h. Ingresso: R$ 50 (dom.), R$ 60 (sex.) e R$ 70 (sáb.). Clientes da Porto Seguro pagam meia. Até 15/3.

Ficha técnica parcial

Elenco:
Marcos Damigo (Vicente, o produtor da radionovela)
Alex Gruli (Eurico, o sonoplasta)
Natállia Rodrigues (Conceição Neves, a mocinha)
Rodrigo Lopez (Wilson, o locutor)
Eduardo Semerjian (Péricles Gonçalves, um ex-galã)
Alexandre Slaviero (Vespúcio, o publicitário que representa o patrocinador)
Amanda Acosta (Leonor Praxedes, uma cantora decadente)
Agnes Zuliani (Ermelinda Penteado, atriz de radionovela).

Texto e Direção: Otávio Martins

Nenhum comentário:

Postar um comentário