Houve uma época em que famílias inteiras reuniam-se em torno de
um rádio para ouvir uma... radionovela! Não, isso não é do meu tempo (rs), mas
era uma forma de entretenimento que fazia sucesso no Brasil dos anos 30 até
meados da década de 60, antes da invasão da televisão, que ainda era artigo de
luxo na década de 50.
No início, a radionovela nada mais era do que um teatro "cego",
isto é, um texto teatral adaptado para o veículo rádio. Os atores simplesmente
liam esse texto sem interpretá-lo - depois é que surgiram as interpretações,
sempre ao vivo. Então mudavam a entonação e empostação da voz de acordo com a
emoção a ser transmitida, sonoplastas entravam em ação com ruídos para marcar as
cenas e uma música orquestral valorizava o momento. Dramas lacrimosos,
histórias sobrenaturais e grandes romances eram os gêneros que capturavam os
ouvidos e hipnotizavam multidões ao pé do rádio. E entre um bloco e outro,
entrava o anunciante.
A comédia Caros Ouvintes,
atualmente em cartaz no Teatro das Artes, Shopping Eldorado, retrata
justamente o último suspiro das radionovelas, em meados dos anos 60 – mais
precisamente, durante o Golpe Militar de 64. Enquanto a televisão começava a
ganhar adeptos, o som começava a perder a guerra contra a imagem, pelo menos no
âmbito das novelas. Foi assim que o elenco de radioatores corria sério risco de
ficar desempregado, o que realmente aconteceu, ao contrário da equipe de
roteiristas e sonoplastas, que puderam ser aproveitados na telinha. Os atores
que não fossem fotogênicos e não possuíssem uma bela "estampa", por assim
dizer, não vingariam na televisão. Ocorre que o sucesso dessas radionovelas,
naturalmente, devia-se à fantasia das românticas ouvintes que, na ausência de imagens,
podiam imaginar o que bem entendessem. Não raro, os galãs das radionovelas eram
interpretados por atores gordos e carecas e as mocinhas já eram senhoras,
exatamente como ocorre na peça com a personagem Ermelinda Penteado (Agnes
Juliani), uma radioatriz que interpreta dois papéis, a mãe e a filha criança da mocinha.
Da esquerda para a direita: Pércles Gonçalves, um ex-galã (Eduardo Semerjian), Ermelinda Penteado, radioatriz (Agnes Zuliani), Petrônio Gontijo e Natália Rodrigues (Conceição, Neves a mocinha) |
A peça mostra as agruras e os esforços heroicos do elenco para
gravar o último capítulo da radionovela 'Espelhos da Paixão' e se despedir do
público em um palco armado do lado de fora da rádio. Tudo isso em meio ao
desalento e à dor da despedida e do desemprego, tendo como pano de fundo a perturbação política
do Golpe Militar. A única atriz do elenco que continuaria na carreira seria a
bela mocinha Conceição Neves, que havia sido convidada por uma emissora a
estrelar uma novela televisiva, agora com o nome artístico de Suzana Pascoal.
Com forte tom nostálgico, a peça não empolgou, mas valeu como registro de uma época
que não existe mais ao nos transmitir uma boa ideia de como funcionavam os
bastidores das radionovelas, gravadas ao vivo e ensaiadas exaustivamente. Contudo, saí do teatro com a sensação de que um tema tão interessante poderia ter sido melhor explorado com um texto e diálogos à altura.
CAROS
OUVINTES está no Teatro das Artes (Shopping Eldorado), Av. Rebouças, 3970 – 3º
piso – Pinheiros. Tel.: 3034-0075. Horários: sexta às 21h30, sábado às 21h e
domingo às 20h. Ingresso: R$ 50 (dom.), R$ 60 (sex.) e R$ 70 (sáb.). Clientes
da Porto Seguro pagam meia. Até 15/3.
Ficha
técnica parcial
Elenco:
Marcos Damigo (Vicente, o produtor da radionovela)
Alex Gruli (Eurico, o sonoplasta)
Natállia Rodrigues (Conceição Neves, a mocinha)
Rodrigo Lopez (Wilson, o locutor)
Eduardo Semerjian (Péricles Gonçalves, um ex-galã)
Alexandre Slaviero (Vespúcio, o publicitário que representa o
patrocinador)
Amanda Acosta (Leonor Praxedes, uma cantora decadente)
Agnes Zuliani (Ermelinda Penteado, atriz de radionovela).
Texto e Direção: Otávio Martins
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