quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Renato Brolezzi traduz a beleza complexa de Constable e hipnotiza o MASP.

Não se iluda. As três pinturas de catedrais que você vê neste post parecem iguais, mas não são. São três versões de um mesmo tema e todas de autoria do inglês John Constable (1776-1837). O tema é um só: 'A Catedral de Salisbury Vista do Jardim do Bispo'. Só que cada uma foi pintada em uma época e está num museu diferente.

A primeira delas, pintada provavelmente entre 1820-22, está no nosso MASP – Museu de Arte de São Paulo. Por isso a série foi tema da aula de setembro do Prof. Renato Brolezzi que, a cada mês, ministra uma magnífica aula de história da arte no Grande Auditório do museu, com base em uma obra do acervo. As aulas são gratuitas e concorridíssimas. O auditório fica tão lotado que, na última vez, como cheguei um pouco atrasada, só consegui sentar no chão! E eu não era a única. Mérito do Prof. Brolezzi, que consegue ensinar história da arte de uma maneira cheia de erudição e, ao mesmo tempo, extremamente simpática e divertida.  

'A Catedral de Salisbury Vista do Jardim do Bispo' (c.1820-2), na versão que está no MASP.

E quem foi John Constable? Os registros deixados mostram que foi um homem extremamente bonito e refinadíssimo. Era um grande retratista, mas preferia retratar a natureza. Paisagista magistral, era obcecado por captar a complexidade dos cenários naturais. Isto significa que, muitas vezes, não se contentava em retratar uma versão só de uma paisagem. Explorava-a ao máximo, retratando-a sob diferentes aspectos, céus, climas e atmosferas, até julgar ter esgotado todas as possibilidades de abarcá-la. Constable não descansava enquanto não conseguisse capturar toda e qualquer nuance do cenário. É o caso da série das catedrais de Salisbury.

Retrato de Constable feito por Ramsey Richard Reinagle
em 1799. Dá para ver que era um homem muito bonito!
Essa questão de retratar a mesma paisagem em horários e atmosferas diferentes nos remete, inevitavelmente, à escola de pintura mais amada do mundo: o Impressionismo. Podemos dizer, inclusive, que a gênese do Impressionismo já se encontrava aí, nessas paisagens inglesas. As condições ideológicas já estavam lá. Contudo, uma grande diferença as separa daquele movimento: os pintores impressionistas pintavam en plein air, isto é, ao ar livre. Pegavam seus cavaletes, suas tintas e se plantavam diante da paisagem que desejavam retratar. Constable, ao contrário, fazia no local desenhos e esboços das paisagens, mas as pintava mais tarde, no ateliê.

A propósito, várias das telas da catedral foram encomendadas pelo bispo local, Dr. John Fischer, que era amigo íntimo do artista. São paisagens delicadas, aprazíveis, pitorescas, belas. O oposto das paisagens ditas "sublimes" que, ao contrário, são dramáticas, eloquentes e, normalmente, de grande porte. A questão da oposição entre os conceitos de "belo" e "sublime" foi muito enfatizada pelo Prof. Brolezzi na aula, que mencionou um importante tratado filosófico denominado "Uma Investigação Filosófica sobre a Origem de Nossas Ideias do Sublime e do Belo", de 1757, de autoria de outro inglês: Edmundo Burke.

'A Catedral de Salisbury Vista do Jardim do Bispo' (1823), versão que está no Victoria & Albert Museum, em Londres.

Segundo o Prof. Brolezzi, "o estudo do invisível para retratar o visível" estava na essência da pintura inglesa, cuja técnica sempre estava a serviço do pensamento. A ideia da "tentativa de decifração do mundo" era muito presente. A esse respeito, gostei muito de uma frase do professor: "Degustar com os olhos o visível nos conduz ao conhecimento do mundo". É isso aí. Quem observa, aprende!

O site da Frick Collection (www.frick.org), em Nova York, afirma que a primeira versão da Catedral foi feita a pedido do bispo e é a mostrada acima, que está no Victoria & Albert Museum (www.vam.ac.uk). Tive a oportunidade de vê-la ao vivo, em Londres. Supostamente, esta versão teria sido pintada em 1823. Consta que, como essa pintura mostrava um céu pesado e sombrio, não agradou ao bispo e Constable pintou uma versão mais amena, com um céu ensolarado e uma composição mais aberta – esta outra está na Frick Collection e teria sido criada em 1826. No entanto, a versão do Masp está datada como sendo de 1821-22 e, portanto, seria anterior àquela que o museu americano afirma ser a primeira.

Seja qual for a informação correta, o fato é que em todas elas o artista incluiu a figura do bispo apontando a Catedral para a esposa. A jovem com a sombrinha, que vemos ao fundo, é provavelmente uma das filhas do casal. O bispo faleceu à época em que a pintura foi concluída, mas ela foi adquirida pela família. Veja, abaixo, a versão da Frick Collection. 

'A Catedral de Salisbury Vista do Jardim do Bispo' (1826), versão que está na Frick Collection, New York.

Detalhe da obra da Frick: o bispo, sua esposa e a moça com a sombrinha. 

Devido à extensa riqueza cromática e de pormenores, as pinturas de Constable pedem um olhar mais atento e demorado, não foram feitas para ser vistas às pressas numa sala lotada de museu. São pinturas que merecem ser contempladas, cuidadosamente avaliadas e absorvidas em todos os seus detalhes. É óbvio que as reproduções em papel e na web, por melhores que sejam, nunca darão uma ideia real de sua complexidade. Por isso, vale a pena dar um pulo no MASP e conferir pessoalmente a nossa versão da Catedral de Sailsbury. 

Também pude conferir pessoalmente 'O Carro de Feno' (1821), obra mais famosa de Constable, na National Gallery, 
em Londres. 

Tudo isso foi explicado na aula do Prof. Renato Brolezzi, da Unicamp, ministrada sábado passado no MASP. A próxima aula será no dia 6 de outubro e, como é de praxe, abordará outra obra do acervo do museu: 'A Canoa sobre o Epte' (c. 1890), de Claude Monet. Todas as aulas são gratuitas, acontecem das 11h às 13h e dão direito a um certificado que permite a entrada - também gratuita - no museu. Imperdível para os amantes da arte!!

Dica: depois da aula, caminhe alguns quarteirões e aproveite para almoçar no Gopala Hari, na Rua Antônio Carlos! O menu, aos sábados, é uma delícia. Eu que o diga.

Nenhum comentário:

Postar um comentário