quinta-feira, 24 de maio de 2012

Giorgio De Chirico deixa o MASP com um rastro perturbador.

Confesso que não gosto do estilo do greco-italiano Giorgio De Chirico (1888-1978). No entanto, não poderia deixar de conferir a exposição 'Giorgio de Chirico - O Sentimento da Arquitetura', no Masp, que reuniu mais de 120 obras do artista surrealista, entre pinturas, esculturas e litografias pertencentes à Fondazione Giorgio e Isa de Chirico. Criador da arte metafísica, De Chirico tem uma obra angustiante, que me incomoda profundamente. E certamente inquietar deve ter sido mesmo sua intenção – sintomaticamente, uma de suas pinturas, datada de 1916, foi batizada de Muse Inquietanti ("Musas Inquietantes").

Muse Inquietanti (1916) - óleo s/ tela

O artista tem fixação pela cidade, que aparece em sua obra em imagens oníricas que mesclam elementos arquitetônicos de diferentes épocas. Palácios renascentistas dividem espaço com chaminés de fábricas, monumentos históricos convivem com naturezas-mortas, figuras fantasmagóricas habitam pátios vazios. Tudo causa estranhamento. Segundo Maddalena d’Alfonso, curadora da exposição, "a cidade de Giorgio de Chirico é a cidade grega, renascentista e moderna, onde pode passar tanto o vapor de uma locomotiva quanto uma antiga nave grega".

Archeologi (1968) - óleo s/ tela - Obs.: mais de 50 anos se passaram entre a criação
de Muse Inquietanti e esta pintura, porém parecem pertencer à mesma época...

A praça, que na cultura greco-romana era local de reunião da elite - leia-se: poetas, filósofos, oradores, guerreiros, políticos e intelectuais, é muito presente na pintura do artista. Aliás, De Chirico certamente deve ter conhecido várias delas, já que viveu em inúmeras cidades, como Florença, Turim, Munique, Nova York, Ferrara e Paris, até fixar-se em Roma, em 1944.

Piazza d'Italia (Monumento al Poeta) (1969) - óleo s/ tela

Seus cenários arquitetônicos metafísicos reúnem, não raro, três momentos-chave da cultura ocidental: antiguidade clássica, renascimento e modernidade, colocando tempo e espaço em suspensão. Essa justaposição cultural e temporal está bem evidente na já mencionada obra Muse Inquietanti. Nessa pintura, o Castello Estense, um palácio renascentista de Ferrara, é cercado por ruínas gregas, chaminés de fábricas – ícones da era industrial – e pelas tais "musas inquietantes", esculturas-manequins que conferem à obra uma aura de mistério, transcendência e erudição. A meio caminho entre o homem, o robô e a estátua, essas estranhas figuras destacam o caráter enigmático, onírico e também um tanto melancólico das construções de De Chirico.

Em Triangolo Metafisico (con guanto) (1958), De Chirico estuda a
metafísica do triângulo e da perspectiva renascentista.

A arte de De Chirico coloca-se, portanto, como exterior à temporalidade, como negação do presente, da realidade natural e social. Por isso é metafísica. E por isso, também, constitui uma reação ao movimento futurista que floresceu à mesma época na Itália e ansiava pela aceleração do tempo e a transformação da sociedade. A escola "metafísica" começou a se delinear entre os anos 1910 e 1915, tendo se consolidado entre 1917 e 1920.

Ritorno di Ulisse (1968) - óleo s/ tela

Alguns elementos presentes nas naturezas-mortas - luvas, bolas, frutas, biscoitos etc. também são incorporados, reforçando a sensação de irrealidade. A fonte da criação metafísica, da iconografia e da realidade deslocada do artista está na filosofia de Nietzsche, Schopenhauer e também na melancolia do pintor simbolista suíço Arnold Böcklin (1827-1901) – esse, sim, me atrai! - e nas imagens fantásticas das águas-fortes do também simbolista alemão Max Klinger (1857-1920).

Arnold Böcklin - Ruínas de um Castelo (1847) - óleo s/ tela

Arnold Böcklin - Ruínas de uma Paisagem ao Luar (1849) - óleo s/ tela

Enfim... respeito a obra de Giorgio de Chirico por sua proposta inovadora e questionadora, mas, pessoalmente, sua estética não me atrai em absoluto. Prefiro o simbolismo de seus inspiradores Böcklin e Klinger. Uma questão de gosto e estilo.

Max Klinger - Eva e o Futuro (1880) - água-forte
   
Max Klinger - Noite (1883-7, impresso em 1920) - água-forte

Um comentário:

  1. Engraçado Simone. Fui ver essa exposição tbm e fiquei bem incomodada. Senti exatamente o q vc falou. Bjs, Verena

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