domingo, 11 de agosto de 2013

Minha manhã com os barões do café (parte 1).

Após falar um pouco sobre as estações da Luz e Júlio Prestes, no post anterior, chegou a hora de conhecermos as joias arquitetônicas que foram o real motivo do tour 'São Paulo no tempo dos barões do café', que fiz com a equipe do site São Paulo Antiga: os palacetes dos Campos Elíseos!

Pois é. Ao contrário do que muitos pensam, foi o bairro dos Campos Elíseos, e não a Av. Paulista, que abrigou as residências dos ricos barões do café, que construíram por lá magníficos casarões no final do século XIX. Só para recapitular o post anterior, a região dos Campos Elíseos foi o primeiro bairro de elite planejado na cidade de São Paulo.

Detalhe do Palácio dos Campos Elíseos, antiga residência de Elias Pacheco Chaves,
o mais rico dos barões do café, construída entre 1896-1899 - Foto: Simone Catto

Ocorre que, após a decadência do café, no início do século XX, muitos descendentes dos barões ficaram empobrecidos e venderam seus casarões para construtoras que os colocaram abaixo. Outros, sem terem como arcar com os altos custos de manutenção, subdividiram os cômodos dos palacetes em unidades menores e as alugaram aos migrantes nordestinos. Foi assim que surgiram os primeiros cortiços da região. Outros herdeiros, ainda, simplesmente abandonaram os casarões à própria sorte e eles foram invadidos por mendigos e viciados em drogas.

Vale dizer que, se alguns palacetes do bairro conseguiram se salvar da demolição, foi por obra de ninguém mais, ninguém menos que o finado governador Franco Montoro. Lembra dele? Pois é. Houve um período da década de 1980 em que Montoro governou o Estado de São Paulo ao mesmo tempo em que seu inimigo político Jânio Quadros foi prefeito da capital. Jânio, talvez sofrendo de certa avaria nos neurônios, pretendia colocar abaixo TODAS as construções do bairro de Campos Elísios, aí incluídos os palacetes, a fim de construir arranha-céus envidraçados - cruz credo! Tão logo essa notícia devastadora chegou a seus ouvidos, o governador, inteligentemente, ordenou o tombamento do bairro.

De uns tempos para cá, no entanto, alguns empresários com perfil mais sensível adquiriram alguns daqueles casarões ditos 'cafezistas', restauraram-nos e transformaram-nos em sedes e escritórios de suas empresas, preservando suas características originais. A seguradora Porto Seguro, por exemplo, é uma empresa que adquiriu vários imóveis no bairro, inclusive alguns palacetes. Outros, por sua vez, foram adquiridos pelo Estado, que os transformou em órgãos ou instituições públicas. Vamos a eles, então?

O Casarão Dino Bueno, atual sede da seguradora Porto Seguro - Foto: Simone Catto

O ponto de encontro de nosso tour foi o Casarão Dino Bueno, sede da Porto Seguro, que fica à Rua Guaianazes, 1238. Construído por volta de 1878, esse belo imóvel pertenceu ao barão do café Dino Bueno, que também exerceu funções políticas no Estado e lá residiu até falecer, em 1933. Posteriormente, a casa tornou-se um pensionato e foi tombada em 1985, sendo adquirida pela Porto Seguro naquele mesmo ano e depois cuidadosamente restaurada de acordo com seu projeto original.

A bela varanda do imóvel - Foto: Simone Catto

A hora marcada para nossa chegada era 8h, para que degustássemos o delicioso café da manhã servido em um dos belos salões do Casarão Dino Bueno. A Porto Seguro realmente caprichou nos quitutes, que incluíam sucos variados, salada de frutas, croissants, pães doces e salgados e deliciosos bolos caseiros – além de leite, café e chocolate. O grupo era grande, com cerca de 40 pessoas, e aproveitamos o momento para conversar e tirar fotos.

O salão onde foi servido nosso café da manhã: dá gosto tomar café em um espaço como esse! 
Foto: Nilton Santana (www.saopauloantiga.com.br)

Um outro detalhe do belo salão do café da manhã, no Casarão Dino Bueno.
Foto: Simone Catto

A casa tem salões bonitos e imponentes, com pés direitos altos, e é um delicioso exercício tentar imaginar como viviam as pessoas que moravam ali. Os ornamentos decorativos e a arquitetura do palacete estão muito bem preservados.

Foto: Simone Catto
   
Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

O tour saiu às 9h, conduzido por Douglas Nascimento, jornalista criador do site 'São Paulo Antiga', e pela simpática Kátia, guia e colaboradora. O fotógrafo Nilton Santana, também da equipe, registrou cada momento. A organização foi impecável e um carro da Porto Seguro nos acompanhou durante todo o trajeto para cuidar da segurança do grupo, ao lado de alguns seguranças a pé. De quando em quando, uma jovem funcionária da Porto nos oferecia copos de água mineral, um cuidado providencial naquele domingo ensolarado.

Bem em frente ao Casarão Dino Bueno está o Casarão Pratesno nº 1281, também adquirido pela Porto Seguro e em fase de restauração. Esse casarão neoclássico data de 1896 e dizem que foi o segundo a ser construído na rua. Lá morou outro barão do café, Alfredo Prates, que veio de Portugal trazendo um arquiteto francês chamado Florimond Colpaert especialmente para projetar sua residência. Mas foi um italiano, Dammaso Ferrara, que ficou encarregado da execução daquela maravilha. Com apenas um andar, a casa tem um porão bem alto que sofreu algumas poucas alterações: uma janela foi eliminada e a outra transformada numa portinhola comercial – vê-se que abrigou um pequeno comércio. Segundo o site São Paulo Antiga, até pouco tempo atrás ali funcionou um cortiço por mais de três décadas. Ainda bem que a casa foi resgatada!

O 'Casarão Prates', agora sob os cuidados da Porto Seguro - Foto: Simone Catto

A Porto Seguro adquiriu uma terceira residência na Rua Guaianazes, no nº 1239, que foi transformada em um espaço de qualidade de vida para os funcionários, com biblioteca, oficinas, palestras, bazar e área de convivência.

O outro casarão da R. Guaianazes pertencente à Porto Seguro, no n◦ 1239 - Foto: Simone Catto

A mansão abaixo, também na Rua Guaianazes, preservou o gradil da época e teria pertencido ao fundador de um grande jornal paulista.

Foto: Simone Catto

O Palacete que hoje pertence à empresa Tejofran, também belíssimo, foi construído na esquina da Rua Guaianazes com a Al. Nothmann, entre 1911-1912, e já tive o prazer de conhecer seu interior em uma outra vista. Veja aqui o post.

O palacete hoje pertencente à Tejofran - Foto: Simone Catto

Em outra esquina da R. Guaianazes com a Al. Nothmann, está outra casa muito bonita de arquitetura eclética que hoje pertence ao Estado – é uma 'Casa de Solidariedade', destinada a crianças e adolescentes em situação de risco social.

A atual 'Casa de Solidariedade', de arquitetura eclética - Foto: Simone Catto

Nosso tour, previsto para durar três horas, na realidade durou mais de quatro, dada a quantidade de informações interessantes que o Douglas tinha para nos transmitir. Por isso, um só post no blog não foi suficiente!


Um passeio pelos Campos Elíseos, o primeiro bairro de elite de Sampa.

Um dos mitos urbanos mais difundidos em Sampa é que os barões do café moraram na Av. Paulista. Mentira. Na Av. Paulista residiram muitas famílias ricas, naturalmente, mas de outra procedência: a nova burguesia industrial. Os barões do café habitaram, na realidade, os Campos Elíseos. Sim. O bairro que hoje concentra, infelizmente, boa parte da "cracolândia" de São Paulo. E também o bairro que ainda abriga, felizmente, algumas construções remanescentes daquela época e que tive a oportunidade de conhecer no delicioso tour 'São Paulo no tempo dos barões do café', promovido pelo site São Paulo Antiga.

Quase ninguém sabe (nem eu sabia!) que a região dos Campos Elíseos foi o primeiro bairro planejado de luxo de São Paulo. Até a 1ª metade do século XIX, a área era composta de chácaras, até que dois suíços, Glette e Nothmann, começaram a lotear a região e a vender os terrenos para a elite cafeeira. Daí as alamedas 'Glete' (hoje com um 't' só) e 'Nothmann', em homenagem aos dois ilustres estrangeiros. Foi assim que, ao final daquele século, os barões do café construíram seus magníficos palacetes por lá.

A proximidade com a Estação da Luz, que à época pertencia à 'São Paulo Railway Co.' (posteriormente E.F. Santos Jundiaí), foi um fator de atração para os ricos barões porque era ali que embarcavam seu café para o Porto de Santos. Conhecida como "Inglesinha" por ser monopolizada pelos ingleses, a Estação da Luz foi construída entre 1895 e 1901 com material todo importado da Inglaterra.

O belo saguão da Estação da Luz - Foto: Simone Catto

As plantinhas de café, fonte de toda a riqueza da época, são homenageadas em
ornamentos graciosos de várias construções da região - este detalhe é da Estação da Luz.
Foto: Simone Catto

E aqui, um retrato desolador da decadência: esta casa da Rua Mauá, que tem no alto de sua fachada o ano de sua construção, 1889deve ter abrigado um hotel, dentre tantos outros, nos tempos áureos do café. 
Foto: Simone Catto

Perto de lá ficava outra estação mais antiga, fundada em 1872, que à época pertencia a outra ferrovia: a Estrada de Ferro Sorocabana. Essa ferrovia, construída por iniciativa de latifundiários de Sorocaba, transportava inicialmente algodão do interior para a capital, mas foi por pouco tempo: eles perceberam que o café era muito mais rentável e migraram de cultura, tornando-se riquíssimos. Foi assim que, em 1880, a antiga Estrada de Ferro Sorocabana começou a transportar café. Essa antiga estação tornou-se a atual Júlio Prestes, projetada em 1925 por dois arquitetos brasileiros que se inspiraram em estações ferroviárias americanas: Samuel das Neves e Cristiano Stockler das Neves. Sua obra foi concluída em 1938.

A imponente Estação Júlio Prestes, hoje restaurada e transformada em polo cultural - Foto: Simone Catto

Detalhe da Estação Júlio Prestes com seu belo vitral - Foto: Simone Catto

Uma curiosidade: embora as duas estações ferroviárias ficassem pertinho uma da outra, elas não tinham nenhuma conexão entre si devido a um golpe de esperteza dos ingleses. Estes, quando construíram posteriormente a Estação da Luz, utilizaram uma bitola (largura dos trilhos) de dimensões diferentes, a fim de que pudessem monopolizar o transporte do café. 'Smart', não? Conclusão: o café chegava do interior pela Estação Júlio Prestes, era levado para a Estação da Luz, ali ao lado, e de lá era embarcado nos trens para Santos. É óbvio que os ingleses também ganharam muito dinheiro!

Outro detalhe da Estação Júlio Prestes (a foto saiu com reflexo porque foi tirada através de um vidro). Foto: Simone Catto 

A construção abaixo, na Al. Cleveland (em frente à Al. Glete), pertencia à Estrada de Ferro Sorocabana e, em 1922, abrigava uma caixa de assistência aos funcionários da ferrovia. Atualmente, sedia um Serviço de Assistência Especializada (SAE) em DST/Aids.

O sol estava na contra-luz... - Foto: Simone Catto

Detalhe da porta da construção acima - Foto: Simone Catto


domingo, 4 de agosto de 2013

'Original da Granja', galeteria simpática com uma das melhores vizinhanças de Sampa.

Eu sempre passava em frente à galeteria 'Original da Granja', pertinho do Parque Ibirapuera, e achava o lugar agradável. Agora tive a oportunidade de fazer um delicioso almoço dominical por lá após esquentar os ossinhos ao sol do Modelódromo, ali ao lado, em excelente companhia.

Para começar, a localização já faz bem para os olhos: Rua Pirapora, travessa da arborizada Rua Curitiba, onde a gente só tromba com esportistas e gente cool. A casa também tem um aspecto acolhedor, com algumas mesas num terraço externo, além do salão interno. Como apesar do sol fazia um friozinho naquele dia, preferimos nos acomodar lá dentro.

De cara, o lugar já tem um aspecto agradável - Foto: Simone Catto

Nos dias quentes, deve ser uma delícia sentar no terraço - Foto: Simone Catto

A área interna é simples, porém simpática. O atendimento também é atencioso. Como chegamos meio cedo para um domingo, ainda não havia ninguém: inauguramos os trabalhos do dia! rs.

Foto: Simone Catto

Essa parede de plantas contribui para acrescentar frescor ao ambiente - Foto: Simone Catto

Adorei esse piso! - Foto: Simone Catto

Embora uma tentadora bandeja de caipirinhas posicionada à entrada desse as boas-vindas da casa, eu estava com sede e acabei preferindo um suco de tangerina natural. Mas que a bandeja estava bonita, estava!

Vai uma caipirinha, aí? - Foto: Simone Catto

Para comer, pedi meia porção ‘Original Chicken’ (R$ 20,90), que consiste em quatro grandes iscas de peito de frango crocantes acompanhadas de molhinho agridoce. Estavam simplesmente deliciosas, à altura de seu aspecto apetitoso. Para acompanhar, pedi uma porção de creme de espinafre (R$ 9) e outra de farofa (R$ 4,80).

O 'Original Chicken' é saboroso e satisfaz! - Foto: Simone Catto

E aqui, os acompanhamentos que pedimos separadamente: creme de espinafre e farofa. 
Foto: Simone Catto

Outro pedido da mesa foi o meio frango desossado, que acompanha arroz e maionese (em torno de R$ 24). Além disso, pedimos uma salada à parte. As porções são bem servidas e o único senão é que os acompanhamentos chegaram bem antes do frango desossado, gerando um certo 'gap' na refeição. No mais, foi tudo bem. Para arrematar, pedimos um cafezinho que também estava ótimo.

O frango desossado também agradou plenamente! - Foto: Simone Catto

Achei a comida boa e os preços justos, bem mais razoáveis do que vemos em muitas casas por aí. Somando a refeição, o local, o dia delicioso e, sobretudo, as companhias, o saldo foi um almoço perfeito!

Se você mora nas imediações do Ibirapuera, Vila Mariana e afins, vale a pena almoçar na galeteria 'ORIGINAL DA GRANJA' em um fim de semana ensolarado. Fica na Rua Pirapora, 222 – Ibirapuera. Tel.: 3889-7373 – www.originaldagranja.com.br. Em tempo: a casa tem serviço de delivery.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Exposição 'Dois Irmãos - João e Arthur Timótheo da Costa'. Duas paletas com o mesmo DNA e a mesma luz.

Já é difícil haver dois grandes artistas plásticos nascidos dos mesmos pai e mãe. Se a família for negra, pobre e numerosa, então, é quase impossível que um grande talento tenha oportunidade de vir à tona. O que dizer, então, de não um, mas dois artistas brasileiros excepcionais, irmãos, porém pobres, negros e ainda por cima nascidos em uma época em que o preconceito racial estava ainda mais entranhado na nossa sociedade? Milagre? Sim, talvez. Generosidade? Seguramente. Porque se não fosse pela sensibilidade de um mecenas, o talento dessas duas figuras iluminadas jamais teria sido burilado e revelado ao mundo.

Estou falando dos irmãos cariocas Arthur Timótheo da Costa (12/11/1882 – 5/10/1922) e João Timótheo da Costa (24/12/1879 – 20/3/1932), dois pintores talentosíssimos que deixaram no chinelo muitos estudantes de arte brancos, ricos e bem nascidos no período da belle époque. Arthur e João participaram de diversas exposições nacionais e internacionais com obras criadas com uma técnica apurada e detentoras de extrema sensibilidade e beleza. Ambos viajaram pela Europa, estudaram e moraram em Paris e receberam encomendas das senhoras da sociedade para criar retratos e outros trabalhos. Arthur foi pintor, desenhista, cenógrafo, entalhador e... ufa!... decorador. O talento de seu irmão não era menor: João foi pintor, decorador e gravador. Embora as carreiras dos dois tivessem caminhado em paralelo, ambos compartilhavam uma profunda identificação artística e por diversas vezes trabalharam juntos nos mesmos projetos.

Arthur e João Timótheo da Costa, dois artistas excepcionais - Foto da exposição

Algumas dezenas de belas obras desses dois irmãos podem ser admiradas até domingo no Museu Afro Brasil, em uma exposição simplesmente imperdível. Como não era permitido fotografar, mesmo sem flash, tentei reunir algumas imagens por meio de fotos da internet. Nem todas as obras que aqui estão fazem parte da exposição, mas já dá para a gente percorrer um pouco da trajetória desses grandes artistas.

Arthur Timótheo da Costa - 'Nu feminino' (s.d.) - óleo s/ tela - coleção particular

João Timótheo da Costa - 'Reflexos do sol em morro do Rio de Janeiro' (1909) - óleo s/ madeira

Tudo começou quando os irmãos arrumaram emprego na Casa da Moeda do Rio de Janeiro e tornaram-se aprendizes de desenho de moedas e selos. Arthur também conheceu o processo de gravação de imagens. O diretor da instituição, uma alma iluminada chamada Enes de Souza, reconheceu o talento dos meninos, incentivando e patrocinando o ingresso de ambos na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) em 1894. Lá tiveram aulas de modelo vivo e desenho com Zeferino da Costa (1840-1915) e Rodolfo Amoedo (1857-1941), entre outros ótimos artistas.

Arthur Timótheo da Costa - obra da exposição

Arthur Timótheo da Costa - obra da exposição

Arthur Timótheo da Costa - 'Autorretrato' (1908)
óleo s/ tela - acervo da Pinacoteca de São Paulo
Vamos falar primeiro de Arthur Timótheo que, embora fosse o irmão mais novo, teve morte mais precoce. Quando já estava cursando a ENBA ao lado de João, Arthur teve a felicidade de tornar-se aprendiz de cenografia com o italiano Oreste Coliva, famoso pelos cenários de óperas que havia criado em seu país natal e também em Buenos Aires, Montevidéu e, posteriormente, no Brasil.

Em 1905, Arthur estreou na Exposição Geral de Belas Artes com duas pinturas, 'Diante do Modelo' e 'Repreensão', mas o êxito veio apenas em 1907, quando ganhou como prêmio uma viagem ao exterior com a tela 'Antes da Aleluia'. No ano seguinte, lá foi ele para Paris, onde ficou dois anos antes de percorrer a Itália e a Espanha. Influenciado pelos impressionistas e visivelmente impressionado com o pintor simbolista francês Puvis de Chauvannes (1824-1898), Arthur passou a exibir em suas obras, a partir de então, contornos menos rígidos e volumes modelados nas pinceladas.




Arthur Timótheo da Costa - 'Antes da Aleluia' (1907) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes (RJ)

Após retornar ao Brasil, em 1910, Arthur criou uma das pinturas mais emblemáticas de suas tendências vanguardistas: 'A Forja' (1911), fortemente influenciada pelos pintores europeus e cujos traços teriam antecipado a pintura do Modernismo - tanto no tema, o trabalho industrial, quanto no tratamento da imagem, com a ausência de contornos em vigorosas pinceladas. Infelizmente, não consegui nenhuma imagem desta obra.

Arthur Timótheo da Costa - foto da exposição

Arthur Timótheo da Costa - 'Modelo em repouso' (s.d.) - óleo s/ tela - SPHAN
Pró-Memória/Museu Nacional de Belas Artes (RJ)

Arthur Timótheo da Costa - 'Pintor no Ateliê, Paris, França' (c.1910) - óleo s/ tela - acervo Instituto Cultural Sérgio Fadel

Arthur Timótheo da Costa - 'A Dama de Verde' (1908) - óleo s/ tela - Museu de Arte de São Paulo - obra da exposição

Arthur Timótheo da Costa - 'Retrato de menino'
(s.d.) - série Carnaval XXVIII - óleo s/ cartão
Coleção particular
Mesmo criando obras sob encomenda para as senhoras da alta burguesia, porém, Arthur não esqueceu suas raízes e nunca deixou de pintar sua gente, negros pobres e simples que ele retratou com uma técnica apurada e extrema beleza. A exposição do Museu Afro Brasil tem dois desses retratos, um deles de 1906.

Em 1910, Arthur rumou para a Itália juntamente com seu irmão João e um grupo de artistas, para uma missão para lá de especial: decorar o Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional de Turim, que seria realizada no ano seguinte. Uma honra. 

Em 1912, os dois irmãos voltaram para o Rio e, a partir dali, Arthur expôs regularmente nas Exposições Gerais de Belas Artes, conquistando medalhas nos anos de 1913, 1919 e 1920. De modo geral, Arthur continuou pintando as belíssimas paisagens que tanto me encantaram na exposição, bem como outros temas da pintura acadêmica, mas os traços do impressionismo estavam lá. Em suas últimas paisagens eles ficaram ainda mais evidentes, como é o caso de 'Cais Pharoux, Sol e Mercado Velho do Rio de Janeiro' (1918), exposta na mostra. Nesta obra-prima, a dinâmica das cores prevalece sobre a definição das figuras, com pinceladas mais marcadas e movimentos mais velozes.

Arthur Timótheo da costa - 'Bosque - Turim' (1911) - óleo s/ tela - Coleção Fernando Soares (São Paulo - SP)

Arthur Timótheo da Costa - 'Cais Pharoux' (1918) - óleo s/ madeira - Coleção Max Perlingeiro - obra da exposição

Em 1919, Arthur fundou, ao lado de outros artistas, a Sociedade Brasileira de Belas Artes no Rio de Janeiro. Pouco depois, junto de João, fez a decoração do Salão Nobre do Fluminense Futebol Clube. Após o falecimento de Arthur, em 1922, João continuou o trabalho até 1924.

Este autorretrato de Arthur tem um primoroso trabalho
de luz e sombra.

Em 1921, Arthur participou pela última vez da Exposição Geral de Belas Artes e, infelizmente, teve um fim trágico. Em virtude de uma doença mental, foi pouco a pouco deixando de pintar e, internado no Hospício dos Alienados do Rio de Janeiro, morreu nessa instituição em 1922.

João Timótheo da Costa
Agora vamos ao outro irmão. Embora João Timótheo tenha criado mais de 600 pinturas dos mais variados gêneros, a exposição tem menos obras suas do que de Arthur, devido à dificuldade de empréstimo de obras pertencentes a coleções particulares. Achei suas paisagens particularmente belas e poéticas, mas, segundo o crítico José Roberto Teixeira Leite, João se destacou mais nos nus masculinos e nos retratos, com um desenho sensível e um belo colorido. O fato é que suas pinturas têm muitas afinidades com as de seu irmão, tanto nos temas quanto na técnica. Com pinceladas largas, João estrutura suas composições por meio da cor, trabalhando tanto com espátula quanto com pincel. Seus quadros de paisagens, principalmente as marinhas, apresentam uma luminosidade delicada e sutil. 

João Timótheo da Costa - 'Retrato' (1928) - óleo s/ tela
Museu Nacional de Belas Artes (RJ)
Quando viajou a Turim ao lado de Arthur, em 1910, contratado pelo governo brasileiro para decorar o Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional, João aproveitou a oportunidade para visitar vários museus em países europeus, notadamente Espanha (Barcelona) e Suíça. Desta forma, assim como seu irmão, pode conhecer obras impressionistas e as pinturas do simbolista Puvis de Chavannes, que marcaram seu trabalho de forma ainda mais profunda do que o de Arthur.

Muito requisitado para realizar pinturas decorativas, João executou, em 1925, cinco painéis abobadados para o Salão Nobre da Câmara dos Deputados, atual Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Até o hotel Copacabana Palace tem uma série de painéis decorativos de sua autoria, executados no mesmo ano. Sim, os Guinle sabiam o que era bom!

João Timótheo da Costa - 'Paisagem' (1912) - óleo s/ tela
Museu Carlos Costa Pinto (Salvador, BA)

A obra 'Barcos' (1920), abaixo, João mostra grande sensibilidade no uso da cor. Suas pinceladas sugerem volumes e distâncias, explorando o jogo entre as formas sólidas - os barcos - e os reflexos coloridos na água.

João Timótheo da Costa - 'Barcos' (1920)

Assim como seu irmão, João também participou de diversas edições do Salão Nacional de Belas Artes, recebendo uma medalha de outro em 1926. Em algumas obras, aproxima-se do enquadramento fotográfico, como nos exemplos abaixo.

João ´Timótheo da Costa - 'Recanto de Atelier (1926) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes (RJ) - obra da exposição 

João Timótheo da Costa - Sem título (s.d.) - óleo s/ madeira
Coleção Nelson Adoglio (São Paulo)

João costumava reclamar do excesso de luz tropical, dizendo que ela prejudicava sua pintura – o que não é de se admirar, visto que tinha uma queda pela pintura mais sombria dos simbolistas. Na obra 'Nu Feminino', de nítida inspiração pontilhista, João adaptou a linguagem do francês Seurat à sensualidade tropical. 

João Timótheo da Costa - 'Nu Feminino' (1929) - obra da exposição

Ironicamente, ambos os irmãos partilharam o mesmo triste destino: a insanidade mental de Arthur, falecido prematuramente em 1920, e a morte da filha de seis anos foram duros golpes dos quais João nunca se recuperou totalmente. Assim, também adoeceu e, a exemplo de seu irmão, foi internado no Hospício dos Alienados em 1930, falecendo em 1932. 

É impressionante como, mesmo tendo vidas breves – um morreu prestes a completar 40 anos e o outro aos 52 -, os dois irmãos tenham conseguido produzir tantas e tão belas obras. Só mesmo o talento para explicar uma produção tão excepcional. É por isso que é difícil entender por que Arthur e João Timótheo não são tão conhecidos, hoje, quanto outros grandes pintores brasileiros do século XIX, como Almeida Junior ou Rodolfo Amoedo. Não duvido, inclusive, que o preconceito racial tenha tido grande parcela de responsabilidade nessa lamentável omissão. 

Portanto, corra para o Museu Afro Brasil para conferir a exposição ‘DOIS IRMÃOS’! Corra mesmo, porque domingo, dia 4/8, é o último dia. O museu fica à Av. Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque Ibirapuera - Portão 10. Tel.: 3320 8900 – www.museuafrobrasil.org.br. Das 10h às 17h - entrada franca.