quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O Ibirapuera abriga duas grandes exposições. Uma convence, a outra não.

Alguns amigos que seguem a página do blog comentaram que quase não tenho feito postagens. É verdade, o blog anda meio parado – ou parado e meio, melhor dizendo. Ocorre que há meses tenho sido abduzida pelas demandas do dia a dia e outros perrengues que, não raro, subtraem de nossa vida o tempo de viver. No meio do turbilhão, fui agraciada com algumas brechas para visitar a 33ª Bienal de São Paulo e a exposição Raiz Weiwei, ambas no Ibirapuera. O que achei?

Vamos por partes. Começando pela Bienal. Devo dizer, aliás, que não vejo outra forma de me referir a essa edição da Bienal se não for por partes, literalmente. Explico. O curador, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, dividiu a curadoria com mais sete artistas-curadores, na condição de que os próprios também tivessem obras expostas. Assim, cada um ficou responsável por uma parte. A lista incluiu dois brasileiros, mais dois latinos, dois europeus e uma americana que vive na África. Segundo Pérez-Barreiro, essa decisão foi tomada com o intuito de romper o suposto autoritarismo inerente a sua função. Além disso, ainda segundo o curador-chefe, o formato seria uma resposta a um “mundo de verdades prontas, onde a fragmentação da informação e a dificuldade de concentração levam à alienação e passividade” dos indivíduos.

E lá fui eu visitar a dita cuja. De cara, estranhei a imensa quantidade de espaços vazios, cheios de nada. O que mais senti foi alienação e fragmentação, justamente o contrário do que pretendia o curador. Isso pode ter-se dado devido a algum tipo de limitação minha, mas não percebi, na expografia, as tais “Afinidades Afetivas” que batizam a mostra - nem entre as obras e nem entre mim e o conjunto que estava exposto. A única coisa com a qual senti verdadeira afinidade afetiva, falando sério, foi a vontade de cair fora o mais rápido possível para tomar um café contemplando as árvores do Ibira.

Anybody home?... - Foto: Simone Catto

Cada parte, ou módulo expositivo, estava separado do outro por uma espécie de “estação de conversa”, ou seja, espaços com bancos para fins educativos ou para descanso. No dia de minha visita, uma manhã de sábado, fantasmas conversavam animadamente nessas estações – só lamento minha percepção extra-sensorial não ser suficientemente desenvolvida para que eu pudesse ter participado das conversas.

O papo dos ghosts estava animadíssimo... - Foto: Simone Catto

Não vou entrar no mérito das obras, mas à medida que ia andando, sentia falta de textos explicativos próximos a elas, tão necessários para que as pessoas possam entendê-las, já que há anos a arte conceitual reina soberana nas Bienais. Ou alguém é obrigado a entender que mensagem o artista quis transmitir ao encravar dois pregos paralelos numa parede branca? Ainda que uma obra de arte possa ter uma leitura aberta, mesmo que tenhamos feito uma interpretação subjetiva, é importante compreendermos o que o artista pretendeu dizer. Tudo bem que a organização disponibilizou um audioguia com textos explicativos e entrevistas no Spotify, que pode ser acessado por smartphones, mas não é todo mundo que está disposto a ficar escravo de celular até numa exposição de arte – aí incluída esta que vos escreve. Eu, particularmente, quando visito uma exposição, busco uma experiência sensorial integrada, isto é, gosto de observar as pessoas, ler reações, ouvir os comentários, enfim, absorver a vida que permeia as obras. Melhor visitar a exposição de Ai Weiwei, ao lado – esta sim, aliás, deveria se chamar ‘Afinidades Afetivas’.

Obra de Lúcia Nogueira (1950-1998), que desenvolveu sua carreira em Londres. Sorry, but... - Foto: Simone Catto

Vamos então falar do artista chinês. Antes mesmo de chegar à Oca para visitar sua exposição ‘Raiz’, eu – e provavelmente boa parte das pessoas que acompanham notícias culturais nas mídias on e off-line - já havíamos sido impactadas pela grande publicidade que ele tem recebido na imprensa. Em razão dessa divulgação, passamos a conhecer o homem por trás da obra, suas motivações e aspirações, o que já é meio caminho andado para compreendermos seu trabalho.

O artista dissidente que se tornou exilado em seu próprio país e foi proscrito, inclusive com prisão, por um Estado arbitrário e autoritário, não se fez de rogado. Roda o mundo e produz, em diferentes países, suas obras de dimensões monumentais, como se elas denunciassem, aos brados, a situação de outros seres humanos que, assim como ele, foram apartados de sua própria terra natal ou de sua dignidade por motivos que há muito já deveriam ter sido erradicados da face da Terra: fome, guerra, corrupção, repressão, perseguição. A esse respeito, é bem sintomático o título da mostra, ‘Raiz’, já que o próprio artista foi tantas vezes espoliado de suas raízes.

A instalação a seguir, ‘Straight’ (Reto), está sendo exibida pela primeira vez em sua versão integral e pode ser considerada uma obra-denúncia. Ela é composta por 164 toneladas de vergalhões de aço dos escombros de escolas públicas de Sichuan, Sudoeste da China, abaladas por um terremoto que matou 5 mil crianças em 2008. Vale ressaltar que, na ocasião, muitos prédios particulares resistiram à catástrofe, o que só evidencia a péssima qualidade da construção dos prédios públicos, destinados aos cidadãos comuns. O número de óbitos e os nomes das vítimas nunca foram divulgados pelo governo chinês, mas o artista e seus assistentes descobriram e os revelaram na obra. Com uma paciência digna de Penélope, eles recolheram os vergalhões completamente retorcidos das escolas e os desentortaram, um a um, até formarem esse conjunto.

'Reto', de Ai Weiwei: obra-denúncia - Foto: Simone Catto

Com 70 obras, esta é a maior exposição de Ai Weiwei montada até agora em todo o mundo. Vale ressaltar que a dimensão humana do artista transcende mesmo seu trabalho, já que por inúmeras vezes ele pessoalmente prestou assistência a pessoas em situação de risco em países como a Síria e o Afeganistão, entre outros, tendo inclusive produzido o documentário ‘Woman Flow’, sobre a crise mundial dos refugiados.

As duas imagens abaixo fazem parte da obra ‘Terra de Raízes’ (2018), criada em Trancoso, na Bahia, e que é composta por 17 raízes de árvores brasileiras e troncos derrubados por desmatamentos ou causas naturais. (Em tempo: os nomes atribuídos às imagens são molecagem minha, OK? Pipocaram em meu cérebro no momento em que bati os olhos nelas e não resisti, rs.)

"Útero" (brincadeirinha...) - 'Terra de Raízes', de Ai Weiwei
Foto: Simone Catto

"Pas-de-deux" (outra brincadeirinha...) - 'Terra de Raízes', de Ai Weiwei - Foto: Simone Catto

Mesmo que você não seja um aficionado de arte contemporânea, portanto, vale a pena visitar a mostra de Weiwei, nem que seja a título de informação e curiosidade.

Tanto a Bienal quanto a exposição ‘Raiz’ estão no Parque do Ibirapuera, uma no próprio Pavilhão da Bienal e a outra na Oca. A Bienal vai até 9/12, com entrada franca (infs: www.bienal.org.br), e a exposição ‘Raiz Weiwei’ vai até 20/1/2019, com entrada a R$ 20,00 (infs.: https://parqueibirapuera.org/ai-weiwei-faz-exposicao-na-oca-do-parque-ibirapuera).

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