Afinal, como os símbolos se manifestam nos sonhos? Em que medida
a interpretação dessas imagens oníricas pode contribuir com nosso
autoconhecimento, nos ajudar a restaurar o equilíbrio psíquico ou até mesmo a evitar que um desastre aconteça? Como os símbolos aparecem nas artes? As
respostas a essas questões, e a muitas outras que na realidade nem sabemos que
nos incomodam, estão nos cinco capítulos do livro 'O Homem e seus Símbolos', concebido e organizado por Carl Gustav Jung e publicado pela
primeira vez em Londres no ano de 1964. Além de apresentar um capítulo de
autoria do próprio Jung, a obra é uma compilação de artigos escritos por
renomados colaboradores e estudiosos da mente convidados pelo mestre a dar sua
contribuição.
O genial dr. Jung em seu estúdio. |
O primeiro capítulo, 'Chegando
ao Inconsciente', é aquele escrito por Jung e também o mais longo de todos,
no qual ele discursa extensivamente sobre o poder e a carga energética das
imagens simbólicas, abrindo caminho para os demais capítulos. É curioso notar como certos
símbolos ancestrais, utilizados por nossos antepassados pré-históricos em
objetos, esculturas e desenhos nas paredes de cavernas, são recorrentes nos
sonhos do homem contemporâneo, levando Jung a concluir que existe um "padrão" simbólico universal que se repete e determinados arquétipos são recorrentes,
independentemente de tempo, espaço e cultura. Contudo, a presença de um mesmo
símbolo nos sonhos de diferentes pessoas – ex.: um urso - pode apontar para
diferentes significados, dependendo da experiência individual de cada um. E
essa análise só pode ser feita por um psicanalista, preferencialmente com a
ajuda do paciente que anota e descreve diligentemente seus sonhos. Portanto, ao
contrário do que vemos por aí, não existem manuais genéricos de "interpretação
dos sonhos", e sim indicadores que podem servir como pontos de partida para um
estudo mais profundo.
Pinturas rupestres na famosa caverna de Lascaux, França, carregadas de simbologia. |
O segundo capítulo, denominado 'Os Mitos Antigos e o Homem Moderno', é de autoria de Joseph L.
Anderson, um dos mais eminentes psicanalistas junguianos dos Estados Unidos, e aprofunda
aquilo que Carl Jung chamou de "inconsciente coletivo", mostrando como ele se
manifesta de geração para geração por meio de imagens simbólicas, desde épocas
ancestrais e em culturas totalmente antagônicas de diferentes pontos do globo.
O que explica essa recorrência de visões entre povos tão diferentes que vivem
e viveram em períodos históricos diversos? Entre as imagens arquetípicas
recorrentes estão os símbolos heroicos, cuja necessidade surge, segundo o dr.
Anderson, "quando o ego necessita fortificar-se", isto é, quando o consciente precisa
de ajuda para alguma tarefa que não consegue executar sozinho.
Conceitos como anima,
animus e self, este último descrito
por Jung como "a totalidade absoluta da psique", são abordados no terceiro
capítulo da obra, 'O Processo de
Individuação', de autoria da psicóloga suíça Marie-Louise von Franz, talvez
a mais íntima amiga e confidente do dr. Jung. As manifestações da "sombra", a
simbologia contida em formas geométricas como esferas e, por extensão, nas mandalas, bem como
o fenômeno da "sincronicidade", também descrito por Jung, são outros tópicos analisados
neste interessantíssimo capítulo.
O quarto capítulo do livro, denominado 'O Simbolismo nas Artes Plásticas' e de autoria de Aniela Jaffé,
mostra como tudo pode assumir uma significação simbólica nas artes visuais –
desde as pinturas rupestres de nossos antepassados pré-históricos, passando
pelos símbolos de Cristo na arte religiosa da Idade Média até as formas
circulares e quadradas da pintura abstrata do início do século XX. A dra. Jaffé
dedica boa parte de seu estudo à análise das imagens simbólicas em obras
de várias artistas modernos, dentre eles dois dos maiores representantes da
vanguarda russa, Wassily Kandinsky e Kasimir Malevitch. A ideia de que o objeto
significa "mais do que o olho pode perceber", compartilhada por muitos artistas
surrealistas como Marcel Duchamp e Giorgio de Chirico, também ganha voz neste
capítulo que exalta a dimensão do simbolismo nas artes. A autora observa
que o inconsciente na obra de Marc Chagall, presente de uma forma solar, plena de calor e afetividade, é totalmente antagônico ao da obra de De Chirico, com seus
dilemas metafísicos. Nesse estudo são
também mencionados Max Ernst, Paul Klee e Jackson Pollock, entre outros grandes
artistas do século XX que procuraram dar forma visível à "vida que existe por
trás das coisas".
Belíssima obra de Wassily Kankinsky. |
O quinto e último capítulo da obra, 'Símbolos em uma Análise Individual', foi escrito pelo dr. Jolande
Jacobi, que é, depois de Jung, o autor com maior número de publicações do
círculo junguiano de Zurique. Como o próprio título indica, o dr. Jacobi relata,
em seu estudo, o processo terapêutico de um paciente, um engenheiro de 25 anos
a quem chamou de "Henry", por meio da análise de diversos sonhos do jovem.
Com uma linguagem absolutamente acessível até para quem não
tiver formação em psicologia ou psicanálise, o livro nos proporciona, em suma, um mergulho
fascinante nos meandros do inconsciente por meio de sua carga simbólica. O mais
intrigante é que, apesar de ter sido publicada há exatos cinquenta anos, a obra
revela-se incrivelmente atual. Impossível não vincular várias das explicações
ali descritas acerca dos símbolos e das reações humanas a fatos da nossa contemporaneidade.
Por isso, é recomendadíssima a todos que não apenas apreciam psicologia, mas
também buscam novos caminhos para o autoconhecimento.
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