segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Palácio Belvedere, emoções barrocas entregues à luxúria de Klimt.

Quando cheguei a Viena, em uma viagem que fiz no final do verão europeu, o primeiro local que quis visitar foi o Palácio Belvedere, magnífica construção barroca que era a antiga residência de verão do príncipe Eugênio de Savoia (1663–1736), que não era austríaco, mas francês. Construído no século XVIII, entre 1712 e 1723, o Belvedere consiste em dois prédios criados pelo mais celebrado arquiteto barroco do período, Johann Lucas von Hildebrandt (1668-1745), integrado a um belo jardim ao estilo francês, fazendo jus às origens do príncipe. É considerado patrimônio mundial da Unesco e parada obrigatória para todo mundo que visita a cidade.

Jardim francês do Palácio Belvedere - Foto: Simone Catto
 
Vista do palácio - Foto: Simone Catto

A pintura no teto, os lustres de cristal e a profusão de mármores e dourados hipnotizam
o visitante - Foto: Selma Catto

Dentre as dezenas de ambientes do palácio, a capela chamou minha atenção de maneira especial. Exemplo típico da arquitetura de Hildebrandt, foi encomendada pessoalmente pelo príncipe em 1720 e, ao lado do Hall de Mármore, é o único ambiente a se estender por dois andares. A pintura do altar, obra de um artista barroco napolitano chamado Francesco Solimena (1657-1747), mostra a Ressurreição de Cristo e foi restaurada em 2001 com o apoio do Clube Zonta de Viena, uma entidade internacional que apoia mulheres profissionais, e doações particulares.

O magnífico altar barroco, com pintura do mestre napolitano Francesco Solimena
Foto: Selma Catto

A galeria que constitui o segundo andar da capela - Foto: Selma Catto

Além de possuir dependências belíssimas abertas a visitação, o palácio abriga um museu que reúne a maior coleção de pinturas de Gustav Klimt, principal ícone do art nouveau austríaco, da virada do século XIX para o século XX. Dentre as 24 pinturas do mestre, incluem-se duas obras-primas de seu período dourado, "O beijo (Casal apaixonado)" e "Judith", além de retratos, paisagens e representações alegóricas. Mas não é só de Klimt que se constitui o fabuloso acervo artístico do príncipe. É no Belvedere que está a maior coleção de arte austríaca do país a partir da Idade Média, passando pelos estilos Biedermeier e romântico, bem como o expressionismo, com obras de Egon Schiele e Oskar Kokoschka, até artistas dos dias de hoje. Estão lá também obras de mestres franceses como Monet, Renoir e Manet, dentre outros.

Ao visitar o Belvedere, fiquei tão fascinada com as obras que encontrei que tirei dezenas e dezenas de fotos. Por isso, mais do que escrever, acho melhor compartilhar com você algumas das imagens que capturei por lá. E neste post, nada mais justo do que começar mostrando alguns trabalhos de Gustav Klimt, o artista mais famoso e festejado do museu e de toda a Áustria.

Nascido em 1862, Klimt dominou o cenário artístico de Viena entre 1900 até sua morte, em 1918, pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Filho de um humilde gravador, passou dificuldades na infância, mas as coisas começaram a melhorar quando, em 1882, ele abriu um ateliê com o irmão Ernst, igualmente talentoso, e passou a pintar murais para prédios públicos. Afastando-se cada vez mais daquilo que denominava "opressão do classicismo", Klimt e outros notáveis colegas das artes visuais criaram a Secessão, em 1897, estabelecendo as bases do estilo art nouveau vienense.

Importante: a descrição ao lado de cada obra do Belvedere não fornecia suas dimensões, motivo pelo qual algumas das legendas das obras a seguir não possuem essa informação. As obras que a possuem constam em um catálogo que adquiri no museu.

A obra abaixo, ainda criada nos moldes clássicos, transmite paz e mistério. Apesar de não pertencer à fase inovadora do artista, denota grande rigor e maestria técnica.  

Gustav Klimt - 'Retrato de mulher' (c. 1893) - óleo s/ tela
Foto: Simone Catto

É curioso observar que, ao criar a pintura a seguir, Klimt já havia se aventurado na fase dourada dos retratos, mas optou aqui pelo uso de massas de profundos tons escuros interrompidas somente pelos rostos luminosos da mulher e das crianças. A provável intenção do artista, com essas tonalidades sombrias, foi criar uma tensão dramática reforçada pelos altos contrastes de luz e sombra para uma temática que julgou incompatível com os arroubos dourados e cromáticos que o tornaram conhecido. 

Gustav Klimt - 'Família' (1909-10) - óleo s/ tela - Foto: Simone Catto
 
Gustav Klimt - 'Avenida para o palácio Kammer' (1912) - óleo s/ tela - 110 X 110 cm - Foto: Simone Catto

Em 1905, já desencantado com os ideais originais do grupo que ajudou a fundar, Klimt iniciou a fase em que produziu suas obras mais célebres, denominada fase dourada, fortemente influenciado pela arte japonesa e por afrescos bizantinos e mosaicos que vira em igrejas de Ravena, Itália. Temos, então, uma profusão de dourados, prateados e cores intensas distribuídos por fragmentos que se integram em padrões vibrantes, como se fossem luxuriantes colchas de retalhos. É nessa fase que elementos simbolistas se manifestam mais intensamente, ao lado de uma alta carga de erotismo, culminando numa pintura que se afasta da realidade para se aproximar do oculto e do espiritual. 

Note a voltagem erótica da bela "Judith", abaixo, que exibe uma seminudez contrastante com luxuosos ornamentos e a expressão facial de uma mulher que, definitivamente, não está em vias de rezar a "Ave Maria"...  

Gustav Klimt - 'Judith' (1901) - óleo s/ tela - 84 X 42 cm - Foto: Simone Catto

A obra abaixo, "O beijo", é uma das mais conhecidas do artista, ao lado do "Retrato de Adele Bloch-Bauer" (1907), que já pertenceu ao Palácio Belvedere e hoje está nos Estados Unidos após um longo processo judicial contra o governo da Áustria movido pela sobrinha da modelo, Maria Altmann (1916-2011), como reparação à espoliação sofrida por sua família pelos nazistas. Saiba mais aqui.

Gustav Klimt - 'O beijo (Casal apaixonado)' (1907-8) - óleo, prata e dourado s/ linho - 180 X 180 cm
Foto: Selma Catto

Klimt foi muito requisitado para fazer retratos de mulheres da sociedade que posaram com belos vestidos e algumas com decotes provocantes. Sedutor contumaz, o artista não raro tinha seu nome associado a diversas amantes e escândalos extraconjugais. Em 1900, chegou a ser indiciado sob acusação de pornografia e perversão, devido à ênfase que conferia à sexualidade em seus trabalhos. Eróticas ou não, é inegável que suas obras foram totalmente inovadoras em sua técnica, beleza e exuberância, criando um estilo pessoal e inconfundível. Klimt é daqueles artistas que reconhecemos de imediato ao "batermos o olho" em muitos de seus trabalhos. Sim, a Áustria tem todos os motivos para se orgulhar de seu maior ícone das artes.

Gustav klimt - 'Sonja Knips' (1898) - óleo s/ linho - 141 X 141 cm - Foto: catálogo do Palácio Belvedere

Gustav Klimt - 'Fritza Riedler' (1906) - óleo s/ tela - 152 X 134 cm - Foto: Simone Catto

Gustav Klimt - 'Amalie Auckerkandl' (1917-18) - óleo s/ tela (inacabado) - Foto: Simone Catto


Gustav Klimt - 'Adão e Eva' (1917-18) - óleo s/ linho
(inacabado) - 173 X 60 cm - Foto: Simone Catto

Esta é apenas uma ínfima - e põe "ínfima" nisso! - amostra do que você pode encontrar no palácio. Vale a pena reservar uma manhã inteira para conhecer o Belvedere com calma, apreciar as obras de Gustav Klimt e tomar um café em seus belos jardins! Anote: PALÁCIO BELVEDERE - Eugen-Straße 27, 1030 Viena. Consulte tarifas em https://www.belvedere.at. Abre de segunda a quinta das 9h às 18h, e sextas das 9h às 21h. 

2 comentários:

  1. M.A.R.A.V.I.L.H.A!!! Já add em ¨meu carrinho¨ para apreciar o palácio e mergulhar nas obras de Klimt. Como é bom ler e viajar no texto e imagens...
    Grato por compartilhar, syn!

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    1. Obrigada, espero que aproveite ao máximo sua visita ao palácio!

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