domingo, 19 de junho de 2016

Pós-impressionistas no CCBB: a cor triunfa e a vitória é nossa.

A cor é um presente da natureza. Mais do que um presente, aliás, é uma possibilidade. Porque quando manipulada pelas mãos certas, pode se tornar um verdadeiro deleite para os sentidos – inclusive o sexto. Foi essa a sensação que tive ao visitar a exposição O triunfo da cor, no Centro Cultural Banco do Brasil. Lá tive o prazer de (re)encontrar 75 obras de mais de trinta artistas pós-impressionistas que já havia visto algumas vezes no Musée d'Orsay e no Musée de l'Orangerie, em Paris. Em minha modesta opinião, esses dois museus estão entre os mais apaixonantes daquela cidade - fazem parte de minha lista particular também o Marmottan, o Musée de Montmartre, o Jacquemart-André e o Musée de la Vie Romantique... aff, é muita beleza junta!

O CCBB lotou! - Foto: Simone Catto

Embora eu tenha visitado a exposição numa manhã de sexta-feira e houvesse reservado horário pela internet, havia bastante gente por lá. Em virtude disso, às vezes ficava difícil tirar fotos das obras, razão pela qual algumas saíram tremidas ou descentralizadas. De qualquer forma, porém, dá pelo menos para ter uma ideia da beleza dessa exposição que recomendo a todos!

A mostra O triunfo da cor está dividida em quatro módulos. Um deles é dedicado a Gauguin e à escola de Pont-Aven, outro módulo é dedicado aos nabis, outro aos fauves e o quarto aborda os artistas que teriam tratado a cor de forma mais "científica", por assim dizer. Dentre estes últimos está Georges Seurat (1859-1891), que entre 1883 e 1884 desenvolveu um método científico para a pintura baseado na divisão das pinceladas. As cores em Seurat nascem da justaposição de tons, calculados em função de seus efeitos ópticos. Surge assim o pontilhismo que iria influenciar Paul Signac (1863-1935), Hyppolyte Petitjean (1854-1929), Maximilien Luce (1858-1941) Theo van Rysselberghe (1862-1926) e Henri-Edmond Cross (1856-1910), entre outros artistas do período.

As diversões populares de Paris estiveram entre os temas favoritos de Seurat e inspiraram grandes trabalhos. O desenho abaixo é um esboço preliminar para a pintura O Circo, no qual o artista explorou as teorias do contraste do cientista Charles Henry, bem como suas próprias ideias sobre a harmonia das cores.

Georges Seurat - "Esboço para 'O Circo' " (1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

E abaixo... temos a tela acabada.

Georges Seurat - 'O Circo' (1890-1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Musée d'Orsay

Seurat morreu jovem e, na sequência, Paul Signac assumiu a liderança intelectual do grupo dos pós-impressionistas. A pintura a seguir, Mulheres no Poço, foi criada por Signac a partir de um estudo de acidentes geográficos de Saint-Tropez. As cores vivas e contrastantes dessa cena singela dão a impressão de que a luz surge da própria cor – ou seria o contrário? Certamente a colina é amarela porque está banhada pelo sol.

Paul Signac - 'Mulheres no poço' ou 'Jovens provençais no poço' (1892)
óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

A exposição do CCBB também tem nomes menos conhecidos do grande público, como
Hippolyte Petitjean, outro adepto do pontilhismo que conheceu Seurat em 1884 e adotou de imediato suas teorias científicas sobre a cor. A exemplo de seu mentor, justapunha diferentes tons de cor sobre a tela ao invés de misturá-los previamente na paleta. O retrato a seguir é de Louise Claire Chardon, que se tornou sua esposa em 1904. Ela posa em uma sala decorada de maneira simples e usa um vestido azul de corte sóbrio que ressalta sua silhueta fina e elegante. Com seu caráter íntimo e um cromatismo sofisticado, o retrato está alinhado às tendências simbolistas da época.

Hipollyte Petitjean - 'Mulher jovem em pé' (1894) - Musée d'Orsay,
sob a guarda do Musée des Beaux-Arts de Dijon - Foto: Simone Catto

Outro adepto fervoroso do pontilhismo foi o artista anarquista Maximilien Luce. É dele o retrato de seu colega e grande amigo Henri-Edmond Cross, retratado em seu ateliê com uma pose descontraída e um cigarro nas mãos. Note que ele está cercado de obras pontilhistas nesta pintura que é um verdadeiro manifesto estético.

Maximilien Luce - 'Henri-Edmond Cross' (1898) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay

O uso de cores complementares e grandes contrastes tornou-se marca registrada desses artistas até o início do século 20. Estão lá, também, Van Gogh (1853-1890) e Toulouse-Lautrec (1864-1901). Embora estejam presentes com poucas obras, é sempre um prazer apreciar o trabalho desses dois. E por falar em prazer, sabemos que Toulouse-Lautrec adorava retratar os espetáculos e as diversões noturnas parisienses, como os cabarés, o circo e os bordéis. A pintura abaixo mostra a palhaça Cha-U-Kao, artista circense muito conhecida na Paris do final do século XIX e figura recorrente na obra do mestre. A artista, já uma senhora de meia-idade, é flagrada numa pose meio desajeitada em plena intimidade, no momento em que se prepara para entrar em cena.

Henri de Toulouse-Lautrec - 'A palhaça Cha-U-Kao' (1895) - óleo s/ papel-cartão
Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Vincent Van Gogh - 'A Italiana' (1887 - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Vincent Van Gogh - 'Fritilárias coroa-imperial em vaso de cobre' - (abril-maio de 1887)
óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Vamos, agora, passar para outro módulo da exposição: Gauguin e a escola de Pont-Aven. Foi nesse lugarejo bretão tranquilo, longe do frenesi de Paris, que Paul Gaguin (1848-1903) inventou um novo jeito de fazer pintura. O artista, que criticou os impressionistas por suas buscas "em torno do olhar e não do núcleo misterioso do pensamento", criou uma pintura que reflete um mundo interior – intelectual, poético e espiritual. Em 1888, escreveu ele a seu amigo Émile Sohuffenecker (1851-1934), também artista e colecionador: "A arte é uma abstração. Extraia-a da natureza sonhando diante dela e pense mais na criação do que no resultado." Gauguin se inspirou na arte primitiva e popular, nas estampas japonesas, na arte medieval e não ocidental para criar uma estética particular, moderna, em que as cores perdem sua relação com a realidade e são aplicadas uniformemente sobre a tela. As formas são contornadas por um traço escuro que simplifica o motivo e as composições adquirem um caráter decorativo acentuado pela representação de um espaço plano que exclui qualquer ilusão de profundidade. Segundo o catálogo da exposição, Gauguin atribui à cor o papel de revelar a dimensão simbólica da pintura. Com suas tonalidades, escolhidas artificialmente, ele retorna às fontes primitivas da arte e ao instinto da criação.

Foto: Simone Catto

A paisagem a seguir não é de Gauguin: é de Émile Bernard (1868-1941), mas expressa bem o espírito da escola de Pont-Aven, com suas camponesas bretãs.

Émile Bernard - 'A colheita' ou 'Paisagem bretã' (1888) - óleo s/ tela
Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Émile Bernard - 'Banhistas com vaca vermelha' (1887) - óleo s/ tela
Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Em 1891, Gauguin decidiu se exilar no Taiti para se inspirar na pureza dos povos nativos tropicais, longe das civilizações ocidentais. Nesse cenário paradisíaco, realizou seu desejo de "ali viver de êxtase, tranquilidade e arte". A luxuriante pintura abaixo é típica dessa primeira temporada do artista no Pacífico. Vemos duas taitianas desempenhando tarefas do cotidiano na praia e suas silhuetas se destacam com vivacidade em blocos de tinta num fundo quase abstrato. Os tecidos de cores alegres e intensas destacam a pele morena das mulheres contra as linhas horizontais verdes e azuis que representam o mar ao fundo.

Paul Gauguin - 'Mulheres do Taiti' (1891) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay - Foto: Simone Catto

Um outro "Paul", além de Gauguin, também fez parte do grupo de Pont-Aven: trata-se de Paul Sérusier (1864-1927), que desde 1888 passou a viajar para o lugarejo bretão em busca de uma síntese entre a cor e o desenho. Inspirado por Gauguin, Sérusier simplificou ainda mais as formas e os contornos em suas pinturas, ousando combinações de cores nada óbvias. A tela abaixo, Eva bretã, eleva uma simples camponesa bretã de Pont-Aven a um estado quase místico que evoca as pastorais gregas e as lendas dos bosques.

Paul Sérusier - 'Eva bretã' ou 'A melancolia' (1890) - óleo s/ tela - Musée d'Orsay
Foto: Simone Catto

Um terceiro "Paul", porém, se tornaria ainda mais famoso que Paul Sérusier e tão respeitado quanto Paul Gaguin: desta vez estou me referindo a Paul Cézanne (1839-1906). Enquanto Gauguin fugia para o Taiti, em 1891, Cézanne se refugiou na Provence francesa para também realizar suas experiências com as cores da natureza. A pintura a seguir mostra as cercanias do Château Noir, entre a cidade de Aix-en-Provence e a montanha de Sainte Victoire. A partir de 1887, ele alugou um pequeno cômodo nessa propriedade e, entre esse ano e 1905, retratou o local várias vezes, sob diferentes ângulos, em pinturas a óleo ou aquarelas. Note que, na pintura, o plano único dilui os contornos entre o que é mineral e vegetal.

Paul Cézanne - 'No parque de Château Noir' (entre 1898 e 1900) - óleo s/ tela
Musée de l'Orangerie - Foto: Simone Catto

Em outubro de 1888, após uma temporada em Pont-Aven, Paul Sérusier retornou a Paris com um pequeno quadro criado dentro dos novos princípios de Paul Gauguin e o mostrou a seus colegas da Academia Julian. A partir daí, um novo grupo iria se formar: o dos nabis. Mas isso é tema para o próximo post!

Clique AQUI para saber sobre os NABIS, e AQUI para conhecer os pintores FAUVISTAS também presentes na exposição.

A exposição O TRIUNFO DA COR vai até 7/7 no Centro Cultural Banco do Brasil: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. Abre de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. A entrada é franca, mas é bom reservar sua visita pelo site para evitar filas! Acesse www.culturabancodobrasil.com.br. Imperdível!

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