domingo, 13 de setembro de 2015

'A Dama Dourada': um bom começo para conhecer a saga da Mona Lisa da Áustria.

De uns anos para cá, a imprensa tem noticiado vários casos de restituição de obras de arte a famílias judias, após a comprovação de que elas haviam sido pilhadas pelos nazistas durante a II Guerra Mundial. Muitas dessas obras se encontravam em grandes museus europeus e, após longos processos judiciais, foram devolvidas aos herdeiros de judeus que haviam sido espoliados de seus bens, muitos dos quais mortos em campos de concentração.

Apenas na França, 100 mil pinturas foram roubadas pelos nazistas, que também confiscaram cerca de 500 mil móveis e mais de 1 milhão de livros manuscritos. O principal alvo de Hitler eram as grandes coleções, e a família que mais sofreu perdas foi a dos tradicionais banqueiros Rothschild, que teve mais de 5.000 obras de arte confiscadas.

Depois da guerra, boa parte das obras foi restituída a seus legítimos donos graças ao trabalho dos Aliados, que criaram, em 1943, o destacamento 'Monumentos, Obras de Arte e Arquivos', especialmente dedicado a essa tarefa. Esse grupo de oficiais de elite de resgate, conhecido como 'The Monuments Men', era formado por militares franceses, canadenses, britânicos e americanos. Mesmo assim, do montante roubado na França, acredita-se que cerca de 25.000 obras ainda não tenham sido restituídas aos legítimos herdeiros.

A jovem Maria Altmann, ainda feliz no seio
de sua família.
A judia Maria Altmann (1916-2011), nascida Maria Bloch-Bauer, não era francesa, mas austríaca. Membro de uma abastada família que vivia em Viena, ela levava uma vida feliz até os nazistas fecharem cada vez mais o cerco na cidade e finalmente atingirem sua família. A fascinante trajetória de Maria, interpretada por Helen Mirren, é tema do filme A Dama Dourada, em cartaz nos cinemas de São Paulo. Pouco depois de se casar, Maria conseguiu fugir para os Estados Unidos com seu marido, Fritz Altmann. Seus pais ficaram no país e, provavelmente, morreram em campos de concentração.

No filme vemos Maria estabelecida em Los Angeles, já idosa, proprietária de uma butique que vende roupas finas femininas. No ano de 1998, ela resolve reaver obras de arte que pertenciam à sua família e haviam sido pilhadas pelos nazistas. Mais do que o dinheiro, é a necessidade de justiça que a motiva. Com o auxílio do jovem advogado americano Eric Randol Schoenberg, também judeu e neto do compositor Arnold Schoenberg, mestre do dodecafonismo, ela inicia um processo judicial contra o governo da Áustria. Seu objetivo: recuperar cinco telas de autoria de Gustav Klimt (1862-1918), entre as quais se destacava a mítica A Dama Dourada, primeiro retrato que o artista fez de Adele Block-Bauer (1881-1925), sua tia. Além do advogado, Maria conta com a ajuda de Hubertus, um jornalista austríaco que se solidariza com sua causa.

Acima, Maria e Fritz, seu marido na vida real. E abaixo, os atores que interpretam
o casal  no filme: Max Iron e Tatiana Maslany.

Gustav Klimt - 'Retrato de Adele Bloch-Bauer I' ou 'A Dama Dourada' (1907). O mítico retrato da tia foi a principal obra que Maria Altmann tentou recuperar.

Adele Block-Bauer, a musa do retrato e tia de Maria.

Maria Altmann com seu advogado, Eric Randal Schoenberg, neto do compositor que revolucionou a música com a criação da escala dodecafônica.

Helen Mirren, intérprete de Maria Altmann, ao lado de Ryan Reynolds, que fez o papel do advogado no filme.
E ao fundo, ela mesma: Adele Bloch-Bauer exuberantemente retratada por Gustav Klimt - Foto: Robert Viglasky

Adele pertencia a uma influente família de banqueiros e morava em um apartamento na Elisabethstrasse, uma das mais imponentes avenidas de Viena. A casa dos Block-Bauer era ponto de encontro da elite cultural da cidade e Klimt começou a frequentá-la quando Adele ainda era jovem. O artista, no entanto, já era um dos maiores nomes da escola Art Nouveau de Viena e tinha fama de sedutor. Consta que pintava de três a quatro telas ao mesmo tempo, de manhã até a noite, e mantinha casos amorosos com várias modelos e clientes que circulavam por seu ateliê. As damas da sociedade faziam fila para ser pintadas por Klimt. Um crítico da época até escreveu: "Às vezes, não era seguro para a reputação de uma senhora da alta sociedade ter seu retrato pintado por Klimt. Desde logo, elas podiam adquirir a fama de ter tido um caso com o mestre, conhecido pelas suas vergonhosas relações com as mulheres."

Adele em foto tirada em c. 1910.

Ferdinand Bloch-Bauer, um industrial do açúcar e marido de Adele, parecia não temer a fama do artista conquistador e conseguiu convencê-lo a receber sua esposa, que era fã do pintor desde a adolescência. Em 1907, após quatro anos de trabalho, Gustav Klimt finalizou o exuberante Retrato de Adele Block-Bauer I e, em 1912, terminou uma segunda pintura da moça. Utilizou tinta a óleo, prata e folhas de ouro para retratar a tia de Maria Altmann com um verdadeiro esplendor, repleta de ornamentos dourados e joias. 

O segundo retrato de Adele feito por Gustav Klimt, finalizado em 2012.
Essa pintura também foi encomendada pelo marido da moça.

O magnífico colar em torno do pescoço de Adele, que aparece na pintura 'A Dama Dourada', seria dado a Maria posteriormente por um tio, como presente de casamento. Pouco depois da anexação da Áustria pelo Terceiro Reich, em 1938, quando o apartamento da família na Elisabethstrasse foi invadido e sua coleção de arte apreendida, o colar de Adele acabou nas mãos de Emmy, mulher de Hermann Göring, o comandante da Força Aérea Alemã e segundo homem na hierarquia nazista.

Adele foi a única mulher pintada mais de uma vez por Klimt e suspeita-se que tenham mantido um romance, dada a fama de conquistador do artista. Dizem que a figura feminina seminua com expressão de êxtase na pintura Judith I, de 1901, é na realidade um retrato de Adele, que teria 20 anos à época. Além da semelhança física, o colar no pescoço da modelo parece ser o mesmo que está no pescoço de Adele no famoso primeiro retrato encomendado por seu marido.

Gustav Klimt - Judith I (1901) - seria Adele?

Aos poucos, algumas poucas damas dos círculos intelectuais começaram a usar as arrojadas roupas largas e as estampas vibrantes dos vestidos das telas de Klimt como uma atitude de liberação. A estilista que os criava chamava-se Emilie Flöge, uma austríaca à frente de seu tempo que também era próxima de Klimt e, adivinhe... suspeita-se que também tenha sido amante do artista. É, o homem não deixava escapar um rabo de saia! 

A estilista Emilie Flöge vestindo uma de suas criações. Note a padronagem de losangos,
semelhante àquela do vestido usado por Adele em 'A Dama Dourada'.

Emilie Flöge e Gustav Klimt: "muy amigos"!

Em 1943, as obras de arte de Klimt que haviam sido roubadas fizeram parte de uma exposição. Nessa ocasião, o retrato de Adele foi rebatizado de 'A Dama Dourada' pelos organizadores, a fim de ocultar as raízes judaicas da obra.

Adele morreu de meningite em 1925, antes do início da II Guerra, e tinha apenas 43 anos. Em seu testamento, expressou o desejo de que o quadro fosse para a Galeria Nacional do Belvedere, em Viena – e lá ele permaneceu até 2006. Considerado como "a Mona Lisa austríaca", ele era grande motivo de orgulho para o museu e para a Áustria.

Maria Altmann ganhou o processo contra o governo austríaco tomando como base o fato de que a pintura não chegou legalmente ao museu, já que fora incorporado ao acervo após ser roubado de sua casa pelos nazistas, e não após a morte dos herdeiros legais de sua tia Adele. Em 2006, ela vendeu a obra para Ronald Lauder, acionista da famosa indústria de cosméticos Estée Lauder e cofundador da Neue Galery, de Nova York, por US$ 135 milhões - o maior valor pago por uma pintura até então. A saga de Maria Altmann e a história de Adele Bloch-Bauer, bem como suas relações com Gustav Klimt, são descritos no livro 'A Dama Dourada – Retrato de Adele Bloch-Bauer', de autoria da jornalista Anne-Marie O'Connor. Vale conferir!

Maria Altmann, após ganhar o processo contra o governo austríaco, ao lado do quadro que mostra sua bela e inesquecível tia Adele.

E no filme, a cena da vitória de Maria no tribunal.

Embora Helen Mirren seja inglesa, vê-la interpretando uma austríaca no filme 'A Dama Dourada' não me causou estranhamento, até porque considero-a uma excelente atriz, além de supercarismática. Dizer que o filme é excepcional seria exagero, mas posso classificá-lo como um bom filme. A história baseada em fatos reais é fascinante, o elenco cumpre seu papel, a produção é caprichada e, é claro, temos Lady Mirren. Recomendo, sobretudo como um ponto de partida para você conhecer mais a fundo a história de Gustav Klimt e sua relação com essas mulheres apaixonantes!

Ficha técnica parcial

Direção: Simon Curtis
Produção: EUA / Inglaterra
Elenco: Helen Mirren (Maria Altmann), Ryan Reynolds (Eric Randal Schoenberg), Tatiana Maslany (Maria Altmann jovem), Max Irons (Fritz Altmann), Daniel Brühl (Hubertus Czernin), Antie Traue (Adele Bloch-Bauer), Danielben Miles (Ronald Lauder)

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