quarta-feira, 6 de junho de 2012

Exposição de Modigliani no MASP. O homem e o artista num embate mortal.

No post sobre a exposição de De Chirico no Masp, comentei o quanto suas obras me angustiam. Pois as obras de Amedeo Modigliani (1884-1920) produzem um efeito exatamente contrário, calmante e apaziguador, embora ele fosse um caos humano: vivia bêbado e doente, viciou-se em drogas e tinha um comportamento violento e antissocial. Em suma: o tipo de homem do qual qualquer mulher com um mínimo de amor-próprio foge como o diabo da cruz. Enfim... melhor nos determos ao que 'Modi' tinha de bom: sua arte, a qual pude apreciar na exposição Modigliani – Imagens de uma Vida, no MASP, logo após visitar a exposição de De Chirico.

Amedeo Modigliani - repare na postura desafiadora do moço.

Amedeo Modigliani - Madame George van Muyden (1916-8) - óleo s/ tela
Esta obra faz parte do acervo do MASP.

Filho de judeus sefarditas, Modigliani nasceu na cidade italiana de Livorno. Era um criança muito bonita, porém frágil e doentia. Sua mãe, mulher culta e viajada, trabalhou como intérprete para ajudar nas despesas quando o marido faliu. O pai era ausente. Assim, o menino cresceu num ambiente de pobreza, mas intelectualmente estimulante. Em 1898, aos 14 anos, matriculou-se na escola de arte de Guglielmo Micheli, mas, cerca de dois anos depois, viajou para Florença e Veneza, onde fez vários amigos e estudou mestres como Bellini e Ticiano. Em 1901, chegou a escrever a um amigo: 'Pessoas como nós têm direitos diferentes dos demais, pois temos necessidades que nos colocam... acima da moral comum'. 'Pouco' pretensioso, o moço...

Retrato de um homem de bigode (1900), óleo s/ tela
Modigliani tinha apenas 16 anos quando fez essa pintura: ele já mandava bem!

Em 1906, 'Modi' finalmente parte para Paris, como fazia qualquer artista que se prezasse. Lá levou uma vida boêmia e totalmente desregrada, bebendo e se drogando em bares e bordéis. Não podia dar outra: o dinheiro enviado pela mãe acaba e ele começa a pagar as dívidas com seus quadros. Em Paris conheceu gente do calibre de Picasso, Juan Gris, Utrillo, Fujita e Moïse Kiling, entre outros, e escritores como Apollinaire e Max Jacob. Seus pontos de referência? O cabaré Le Lapin Agile e espeluncas como esse café que você vê abaixo.

Não tinha jeito: o homem adorava um basfond. 

Maurice Utrillo - Le Lapin Agile (1912) - litografia aquarelada

Moïse Kisling - Ateliê de Kisling com uma escultura de Modigliani (1918) - óleo s/ tela

Modigliani morou durante um tempo em La Ruche (A Colmeia), um edifício circular que abrigava cerca de 80 artistas, onde dividiu um quarto com Chaïm Soutine e outro pintor. Quem pagava suas despesas era o marchand Paul Alexander, mas o artista foi expulso quando, ao brigar com um dos colegas de quarto (não Soutine, o outro), destruiu as obras do coitado. Enfim, ele era um 'amor' de pessoa!...

La Ruche ('A Colmeia'): o artista morou aqui até aprontar mais uma das suas.  

Em 1907, Modigliani visitou uma exposição póstuma de Cézanne e ficou encantado. Influenciado pela obra do mestre e fascinado pela forma, começa a fazer esculturas e encontra o escultor Constantin Brancusi, que lhe dá aulas de graça. As esculturas de Modigliani lembram as máscaras africanas, tão em voga na época. No entanto, ele não conseguiu se tornar escultor porque não tinha saúde e nem dinheiro para comprar o material necessário. Dizem que chegou, inclusive, a roubar pedras das ruas de Paris para executar seus trabalhos. (Em tempo: segundo o prof. Renato Brolezzi, do MASP, existem muitas esculturas falsas de Modigliani por aí!).

Escultura em bronze a partir de original de Modigliani.

Mesmo com esse gênio 'do cão', não faltaram anjos da guarda na vida de Modigliani. A partir de 1916, o anjo apareceu na figura do empresário Léopold Zborowski, que chegou a percorrer as ruas de Paris oferecendo suas telas a eventuais interessados. Contudo, por ser antissocial e mal participar de exposições, o artista vendia pouco.

Para Modigliani, tudo nascia da linha, do desenho. E as figuras geométricas estão sempre lá, subjacentes, marcando cada bloco pintado.

Modigliani - Jovem Mulher (1917) - óleo s/ tela

Conhecido por seus retratos e pelos maravilhosos nus, Modigliani é, paradoxalmente, o pintor da 'constância', da 'permanência'. Tanto é verdade, que nem sua obra mudou ao longo de sua vida. Suas cores são comedidas, suavemente interligadas: não existem embates cromáticos. Para ele, o que importava era o tempo imaterial, não o tempo vivido. Um tempo fixado nos semblantes plácidos e serenos dos retratos. Os movimentos, quando existem, são contidos. Seus retratados sempre têm o olhar vazio, olhando para o nada. Neles não existem 'paixões' - ao contrário da ebulição e do caos aboluto que eram sua vida. À custa de muito sofrimento, 'Modi' conseguiu, portanto, abstrair, sintetizar e 'depurar a singularidade das emoções', conforme observou o prof. Renato Brolezzi no curso de história da arte que tive sábado no MASP.

Modigliani - Jovem Mulher de Olhos Azuis (1917) - óleo s/ tela

Modigliani - Grande Figura Nua Deitada (Céline Howard) (1918) - óleo s/ tela - Os nus de Modigliani são soberbos!

Arriscando uma psicologia de botequim, é como se o artista tentasse, por meio da obra, dar uma ordem a seu furacão interior. Um furacão que arrastou uma sucessão de amantes, incluindo a poetisa russa Anna Achmatova e a jornalista sul-africana Beatrice Hastings, a qual conheceu em 1914 e com quem manteve uma relação tempestuosa. Consta que, certa vez, ele atirou Beatrice pela janela e, em outra ocasião, ela lhe mordeu os testículos. Fofos, não??...

Em julho de 1917, 'Modi' conheceu outro anjo: a bela e doce Jeanne Hébuterne, jovem e talentosa aluna da Academia Colarossi. Ele pintou dezenas de retratos da moça, que, certa vez, escreveu a um amigo algo como: "Prefiro ficar aqui posando para ele - pelo menos assim ele está em casa, junto de mim!" 

A linda e meiga Jeanne Hébuterne... essa deve ter ido para o céu!!!

Modigliani - Jeanne Hébuterne com lenço (1919) - óleo s/ tela

Jeanne deu a Modigliani uma filha que ganhou o mesmo nome da mãe. O relacionamento dos dois foi tão conturbado quanto o anterior e repleto de violência. No entanto, ao contrário de Béatrice, Jeanne era tímida, retraída, venerava o artista e suportava com resignação seus maus-tratos.

Jeanne Hébuterne - O Quarto de Marie (1917) 
óleo s/ tela - A menina também tinha talento! 
Nessa época, embora Modigliani já estivesse vendendo alguns quadros, o generoso Zborowski lhe dava uma pequena mesada e, em abril de 1918, financiou a viagem de um grupo de artistas – entre eles Modigliani e Jeanne – para o sul da França, para que ele pudesse trabalhar num ambiente saudável. E lá se foram o casal e o amigo Soutine para Cagnes-sur-Mer.

Uma vida tão errática e insalubre só poderia resultar em tragédia. Modigliani morreu doente em Paris, com apenas 35 anos, em 24 de janeiro de 1920. Jeanne suicidou-se no dia seguinte, aos 21 anos e grávida de 8 meses, atirando-se do quinto andar do apartamento do casal. Hoje repousam lado a lado no cemitério de Père Lachaise. A filha do casal, Jeanne (1918-84), foi adotada pela irmã do artista, Margherita, e em 1958 escreveria uma importante biografia do pai: 'Modigliani, o homem e o mito'.

Amedeo Modigliani em seu ateliê.

A exposição ‘Modigliani – Imagens de uma Vida’ fica no MASP até 15 de julho e está dividida em quatro blocos:

1- A formação na Itália – 1884-1905
2- A experiência parisiense – 1906-1916
3- O interlúdio da escultura – 1906-13
4- Consolidação estilística – 1917-20

Na realidade, a exposição não tem tantas obras do artista como seria de se supor. Elas dividem espaço com obras produzidas pelos professores, amigos e outros artistas que o influenciaram. De qualquer modo, é uma exposição importante que merece ser vista.

MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO
Av. Paulista, 1.578. Tel.: (11) 3251-5644. Site: www.masp.art.br. Abre das 11h às 18h às terças-feiras, domingos e feriados, e das 11h às 20h às quintas. A bilheteria fecha meia hora antes. Ingressos: R$ 15,00 e R$ 7,00 (estudantes, professores e aposentados com comprovante). Entrada franca às terças-feiras e todos os dias para visitantes até 10 anos e acima de 60.

2 comentários:

  1. adorei o post e fiquei morrendo de vontade de conferir a exposição!!

    bjo

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  2. Com certeza você vai gostar, Renata!
    E ainda pode conferir as outras exposições do Masp. Bjs!

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