quarta-feira, 28 de junho de 2017

Cícero Dias no CCBB (parte 3): Paris abraça o mestre dos trópicos.

Este é o último de uma série de três posts sobre a exposição 'Cícero Dias – Um percurso poético 1907-2003', no Centro Cultural Banco do Brasil - SP, que abarca a trajetória do artista pernambucano que nasceu no engenho e conquistou o Velho Mundo.

Cícero teve uma vida longa, produtiva e feliz, marcada por muito trabalho e cercada por muitos afetos. Afeto por sua terra natal, por sua esposa Raymonde, pela filha Sylvia, pelos incontáveis e ilustres amigos e por sua própria arte, por ela se tornar o canal pelo qual podia expressar todo esse amor que explodia dentro dele.

No primeiro post, falei sobre a fase inicial e figurativa do artista, ainda no Brasil. No segundo, contei como sua carreira se desenvolveu após sua mudança para a Europa, em 1937.

Agora é hora de falar da produção de Cícero após o final da Segunda Guerra Mundial, quando ele já estava definitivamente estabelecido em Paris. Sabemos que, durante a guerra, o artista mudou-se para Lisboa para ter um pouco de paz, e lá se casou com Raymonde. Quando a guerra acabou, Picasso, que era muito seu amigo, pediu-lhe que voltasse a Paris lhe enviando um exemplar de sua peça de teatro surrealista "Le Désir Attrapé par la Queue" ("O Desejo Capturado pelo Rabo"), com a seguinte dedicatória: "Para Dias, cuja presença em Paris é necessária." E assim, Cícero voltou à França, ligando-se em seguida à Escola de Paris e ao grupo de artistas abstratos que expunha na Galerie Denise René. Alguns de seus amigos e admiradores, como Manuel Bandeira, não gostaram muito do novo estilo artístico do mestre. Gilberto Freyre, por outro lado, teve um olhar mais compreensivo para a nova arte do amigo que havia ilustrado a capa da primeira edição de seu clássico "Casa Grande e Senzala", em 1933.  

Em Paris, Cícero teve uma vida cultural agitada. (Mas cá entre nós: como não ter uma vida cultural agitada em Paris? É matematicamente impossíve, rs...) O fato é que Cícero adotou a abstração plena, criando pinturas vibrantes, quentes, com cores intensas que evocam a luminosidade dos trópicos. Sua arte tornou-se ainda mais livre e instintiva. Os europeus, enfeitiçados com tanta vida, adoraram e aplaudiram.

Cícero Dias - 'Composição' (década de 40) - óleo s/ tela - Coleção Flávia e Waldir Simões de Assis Filho
Foto: Simone Catto

Embora nunca mais tivesse residido no Brasil, em 1948 o artista fez uma viagem para cá e pôde matar um pouco a saudade de sua terra. Na ocasião, executou várias pinturas murais abstratas na sede da Secretaria de Finanças do Estado de Pernambuco, no Recife. Essas obras foram consideradas as primeiras pinturas abstratas na América Latina e causaram celeuma à época.

Ainda no Brasil, ele aproveitou para fazer uma viagem ao Nordeste ao lado de um time para lá de respeitável: Rubem Braga, Mário Pedrosa, Orígenes Lessa e José Lins do Rego. Queria ter ouvido as conversas dessa turma!

Aqui no Brasil, o movimento construtivista só começou no final da década de 40. Cícero Dias foi o pioneiro que, em Paris, começou a pintar telas geométricas. Porém, mesmo fazendo parte da Escola de Paris, nunca renegou suas raízes brasileiras.

Cícero Dias - 'Sem título' (1951) - óleo s/ tela - Coleção MAC/USP
Foto: Simone Catto

No final dos anos 50 e início dos 60, o artista parece ter sentido uma espécie de nostalgia e fez um retorno à figuração, com imagens de sua juventude e lembranças do Recife. Mais do que simplesmente retornar às origens, porém, ele enriqueceu essas memórias afetivas incorporando as descobertas e aprendizados artísticos que acumulou ao longo de toda a vida. Nessa fase, as narrativas são menos fantasiosas, mas a cor torna-se ainda mais densa.

A obra a seguir exemplifica bem essa nova etapa. Conforme a inscrição que acompanha a pintura no CCBB, "...o artista rememora uma festa de família ao ar livre, com mesa farta e muita música. Ao fundo, uma igreja branca pousa sobre a colina de areia muito clara, tendo no seu flanco uma fileira de casas coloridas recortadas sobre o mar. Todos os elementos caros ao artista se reúnem nesse trabalho cujo título, não por acaso, é Nostalgia."

Cícero Dias - 'Nostalgia' (década de 50) - óleo s/ tela - Coleção Instituto São Fernando - Foto: Simone Catto
  
Cícero Dias - 'Infância em Boa Viagem' (década de 50) - óleo s/ tela
Coleção Beatriz e Fernando Xavier Ferreira - Foto: Simone Catto

Cícero dias - 'Figuras no Pátio' (década de 50) - óleo s/ tela
Coleção Flávia e Waldir Simões de Assis Filho - Foto: Simone Catto

Abaixo temos uma "composição idílica, sensual e musical" na qual uma vegetação exuberante se funde ao colorido casario, destacando a alvura de uma mulher seminua que está de costas para o seresteiro.

Cícero Dias - 'Seresta' (1950-69) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto

A partir de 1960, Cícero começou a desenvolver uma pesquisa geométrica denominada "Entropias", na qual fez um mergulho nas possibilidades do uso da tinta, sem nenhum planejamento formal prévio. Nessas obras, ele deixava a tinta escorrer e se misturar com as outras, até se esvair - veja a obra abaixo. A propósito, uma das definições de "entropia", segundo o dicionário Houaiss, é a medida da "desordem em um sistema", ou medida da "imprevisibilidade da informação". Mais uma marca da liberdade do artista que não se prendia a nenhuma escola!

Cícero Dias - 'Sem título' (década de 60) - óleo s/ tela - Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Composição IV' (1962) - óleo s/ tela - Museu Oscar Niemeyer - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Interior' (década de 70´) - óleo s/ tela -  coleção particular, Curitiba - Foto: Simone Catto

Cícero Dias e sua filha Sylvia no ateliê, 1996

Conheça as outras matérias do blog sobre a exposição Cícero Dias no CCBB!



Ainda não visitou a exposição? Corra que só vai até o dia 3 de julho!

Anote: 'CÍCERO DIAS – UM PERCURSO POÉTICO 1907-2003' - Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo. Tel.: 3113-3671/3652 - de quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 3/7.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Cícero Dias no CCBB (parte 2): Sedução na Europa com cor e caos.

Ele era genial, teve uma carreira longa e produtiva, e até o dia 3 de julho os paulistanos terão a oportunidade de conhecer sua obra. Estou falando de Cícero Dias, o artista pernambucano que é tema de uma grande mostra no CCBB em São Paulo, denominada 'Cícero Dias – Um percurso poético 1907-2003'. Este é o segundo post, de uma série de três, sobre a exposição do artista. Ocorre que a carreira de Cícero é tão rica e abrangente, que uma só matéria não seria suficiente para abarcar tantas coisas interessantes que vi por lá. Estão na mostra mais de 120 obras do artista pernambucano, pertencentes a coleções nacionais e internacionais.

No primeiro post, falei sobre a fase inicial de Cícero na década de 20, sua primeira exposição, realizada em 1928 no Rio de Janeiro, e parte de sua produção na década de 30. Aqui no Brasil Cícero fez sucesso entre os modernistas com suas aquarelas sensuais, lúdicas e também caóticas que remetiam às suas memórias de infância num engenho de cana-de-açúcar e suas aventuras urbanas no Recife e no Rio de Janeiro.

Neste post, vou abordar a primeira fase de Cícero Dias na Europa, sua chegada a Paris e a mudança para Lisboa após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, abarcando a década de 40 até o início de sua transição para o abstracionismo.

Foto de Picasso com dedicatória:
"Lembrança para Dias - Seu amigo Picasso"
Perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas, o artista viajou a Paris em 1937, convencido por ninguém menos que Di Cavalcanti. Sim, o moço era muito bem relacionado por aqui. No final, a mudança para Paris acabou se revelando a melhor coisa que ele poderia ter feito. Cícero integrou-se na hora à Cidade-Luz e, em 1938, fez sua primeira exposição por lá, na Galeria Jeanne Castel. A exposição foi sucesso de público, crítica e vendas e, não por acaso, o crítico de arte André Salmon chamou-o de "selvagem esplendidamente civilizado".

Não tardou para que Cícero fizesse amizade com grandes personagens como Picasso, Matisse e os poetas Paul Éluard e Blaise Cendras, dentre muitas outras figuras de destaque da intelectualidade francesa. Aliás, poucos artistas brasileiros se integraram tão bem quanto ele aos vanguardistas da arte europeia.

O velho clichê de dizer que alguém estava no lugar certo, na hora certa, se aplica muito bem a Cícero Dias. Tanto é verdade, que foi em Paris que ele também conheceria Raymonde, sua futura esposa, e onde nasceria sua amada filha Sylvia. Com tanto sucesso e tantos vínculos afetivos na França, dá para entender por que o artista nunca mais moraria no Brasil, embora as reminiscências de sua terra natal nunca tivessem abandonado sua obra.

Cícero Dias, Picasso e a pequena Sylvia Dias, filha do artista.
A jovem Raymonde Voraz (1918-2013) trabalhava com a irmã numa casa de alta-costura em Paris. Ela havia posado para um pintor espanhol chamado Macieira e, um dia, no ano de 1941, encontrou-o no metrô na companhia de Cícero. Foram apresentados e, na mesma hora, Cícero, que não era bobo nem nada, convidou a moça a tomar um café em sua casa, na companhia da irmã. Vale dizer que o café era um artigo raro e de luxo em tempos de guerra. Raymonde ficou encantada com aquele brasileiro e logo o artista passou a frequentar a casa de sua família.

Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, em 1939, Cícero chegou a ser preso em Baden-Baden, para uma troca de prisioneiros, e foi responsável por levar a poesia "Liberté", de Éluard, para fora da França, então ocupada pelos nazistas. Impressa pelos Aliados, a poesia foi lançada de avião sobre Paris, para dar um ânimo extra à Resistência. Por ter corrido esse risco em favor dos Aliados, Cícero Dias foi até condecorado ao fim da guerra.

Nesses anos turbulentos, Cícero e Raymonde se casaram em Lisboa e fixaram residência na cidade até o fim do embate. Tem início, então, uma fase de transição. Numa tentativa de exorcizar o fantasma da guerra que ainda acontecia, o artista usa cores fortes, "fauvistas", cometendo grandes audácias no cromatismo e no traço. Ao mesmo tempo, simplifica o desenho. Não raro, seu trabalho foi executado em condições precárias devido às dificuldades de então. As formas tornam-se mais curvas e começa a nascer a semente do abstracionismo.

A obra abaixo foi realizada nesse período e retrata uma Raymonde radiante, envolta em luz, numa imagem que em nada lembra as agruras da guerra.

Cícero Dias - 'Raymonde' (década de 40) - óleo s/ tela - Coleção Sylvia Dias Dautresme, Paris
Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Distante' (1940) - óleo s/ tela - Coleção Família Picasso - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Sem título' (c.1940-42) - aquarela e nanquim s/ papel
Coleção Sylvia Dias Dautresme, Paris - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Sem título' (1940-44) - aquarela e lápis de cor s/ papel
 Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Mulher sentada com espelho' (1944) - óleo s/ tela - Coleção Cnateaubriand,
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Maternidade' (1944) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Sala de Música' (década de 40) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto

Nas tela abaixo, Cícero já rompe totalmente com o figurativismo, e a guerra nem havia acabado. Segundo informações da exposição, ele é o primeiro artista brasileiro a trabalhar com a vertente abstrata.

Cícero Dias - 'Multiplicidade' (1944) - óleo s/ placa de madeira aglomerada - Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong
Foto: Simone Catto

Quando Cícero retornou a Paris, no fim da guerra, a abstração foi tomando cada vez mais conta de seu trabalho. Mas isso é assunto para o próximo post!   

Clique aqui para conferir a primeira fase de Cícero Dias na exposição do CCBB.

E aqui, confira a última fase do artista em Paris!


Cícero e Raymonde no ateliê em Villa d'Alesia, Paris, 1946

Visite: 'CÍCERO DIAS – UM PERCURSO POÉTICO 1907-2003' - Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo. Tel.: (11) 3113-3671/3652 - de quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 3/7.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Cícero Dias no CCBB (parte1): Fantasia e lirismo com engenho e arte.

Ele nasceu em Pernambuco, mas ganhou Paris. Cresceu em meio a um engenho de cana-de-açúcar, mas se integrou como poucos artistas brasileiros à vanguarda artística europeia. O pintor considerado pioneiro da abstração no Brasil é tema da exposição 'Cícero Dias – Um percurso poético 1907-2003', no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. Visitei a mostra há alguns dias e me surpreendi com sua riqueza e abrangência. Toda a trajetória de Cícero está lá: o início da carreira na década de 20, com arte figurativa, passando pela figuração da fase europeia, seu caminho rumo à abstração até o retorno ao figurativo nostálgico, no final dos anos 50 e início dos 60. Lá estão mais de 120 obras de grandes coleções públicas e privadas brasileiras e de outros países como Austrália, China e França. E cada uma revela uma nova parcela de sua genialidade.

Cícero Dias viveu em Paris de 1937 até o fim da vida e, ao que tudo indica, a mudança de país foi a melhor decisão que poderia ter tomado: na França ele foi acolhido, teve seu valor reconhecido, desenvolveu uma carreira longa e produtiva e ficou próximo de personalidades como Picasso e o poeta Paul Éluard, dentre muitas outras. E para coroar tudo isso, foi na França que Cícero conheceu Raymonde, a esposa dedicada que lhe daria a filha Sylvia, companheira de todos os momentos.

A exposição do CCBB está dividida em três módulos: Brasil, Europa e Paris. Cada fase apresenta características distintas, em cada uma o artista experimenta novas linguagens, mas o Brasil sempre esteve presente em sua obra. O que fica evidente, sobretudo, é que Cícero trabalhou com total liberdade e sempre foi fiel a si mesmo, não se prendendo nunca a nenhum "ismo" ou escola específica.

Como a exposição é muito rica e tirei muitas fotos, vou abordá-la em três posts diferentes, para não "afogar" o leitor em informações. Seguirei a ordem cronológica e, neste primeiro, falarei da primeira fase do artista, ainda no Brasil. Neste módulo, denominado "Brasil", predominam as aquarelas produzidas entre 1925 e 1933. Elas mostram os devaneios eróticos do jovem senhor de engenho que convivia diariamente com as criadas da casa e também memórias da vida urbana no Recife e no Rio de Janeiro.

Obs.: como algumas aquarelas estão protegidas por vidros, infelizmente muitas fotografias saíram com reflexo. Mesmo assim, preferi postar as imagens para que você possa ter uma ideia da riqueza do que vi por lá! 

As fantasias eróticas do artista em sua juventude afloram na sensualidade da mulher abaixo, ao mesmo tempo opulenta e doce, com o seio e o sexo à mostra. Ele distorceu a mulher numa espécie de "contorcionismo" e o efeito ficou muito interessante.

Cícero dias - 'Sem título' (1929) - aquarela s/ papel - Coleção Sylvia Dias Dautresme, Paris - Foto: Simone Catto

A seguir, está uma das obras mais renomadas do artista: vemos uma prostitua recostada na cama, numa pose que lembra a da "Olympia", de Manet. A moça parece quase recatada em sua nudez, destacando as meias com ligas. Os objetos do toucador em primeiro plano, tipicamente femininos, contrastam com a força do São Jorge que a protege na diagonal oposta. Aliás, só mesmo São Jorge para salvar uma rapariga dessa vida!! (rs) E ao longe, na janela, vemos as casas da rua Gamboa do Carmo, no bairro de Santo Antônio, Recife.

Cícero Dias - 'Gamboa do Carmo no Recife' (1929) - óleo s/ tela - Coleção Dora Rosset, São Paulo
Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'O Sonho' (1931) - aquarela s/ papel - Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong - Foto: Simone Catto

A foto abaixo saiu tremida - peço desculpas, mas não pude deixar de postá-la, pois achei muito harmônica a forma como o artista dispôs as cores e distribuiu os elementos na composição.

Cícero Dias - 'Cena rural' (década de 20) - aquarela s/ papel - Coleção Maxime Dautresme, Hong Kong
Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Freiras e Menina' (década de 20) - aquarela s/ papel - coleção particular - Foto: Simone Catto

O poeta romântico Gonçalves Dias (1823-1864), autor da célebre Canção do Exílio ("Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá...") era primo do artista, faleceu muito antes de seu nascimento, mas também foi imortalizado em seus pincéis.

Cícero Dias - 'Gonçalves Dias, primo do pintor' (década de 20) - aquarela s/ papel - Acervo Banco Itaú
Foto: Simone Catto

As obras dessa primeira fase tinham um caráter lírico, onírico e, ao olhar para algumas, foi inevitável fazer uma associação com Marc Chagall e suas figurinhas voadoras, algumas pairando entre as nuvens.

Cícero Dias - 'Procissão' (década de 20) - aquarela s/ papel - coleção particular - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Os sobrinhos do Prof. Piccard' (década de 20) - aquarela s/ papel - coleção particular, Paris
Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Sem título' (c.1929-29) - óleo s/ tela - Coleção Charles Dautresme, Melbourne - Foto: Simone Catto

Cícero estreou no cenário artístico nacional em 1928, quando fez uma exposição de aquarelas no Rio de Janeiro. Foi muito elogiado pelos críticos e artistas modernistas, mas gerou estranhamento entre o público leigo. A exposição foi realizada na Policlínica da cidade, que abrigava um congresso internacional de psicanálise, e a intelectualidade compareceu em peso à abertura. Muita gente encarou sua obra como uma manifestação de "loucura", pois era diferente de tudo o que se produzia no Brasil à época. No entanto, aquilo que tantos consideraram uma sandice nada mais era do que a explosão de uma grande imaginação, inventividade e talento.


O poeta Manuel Bandeira é um dos intelectuais que compareceram ao vernissage e ficou vivamente impressionado com a arte de Cícero. Numa carta a Mário de Andrade, de 27 de junho de 1928, ele descreveu a obra do jovem artista:

"A novidade aqui é a exposição de um rapaz de Pernambuco que vive no Rio – Cícero Dias. Uma arte profundamente sarcástica e deformadora; por exemplo, uma entrada da Barra com o fio do carrinho elétrico do Pão de Açúcar preso na outra extremidade ao galo da torre da igrejinha da Glória, e a igrejinha toda torta. Acho muita imaginação e verve nele. Entre os que entendem e pintam, está cotado. No meio modernista, claro. Assim como o Goeldi; o Di e o Nery gostaram muito. O trabalho tem uma dedicatória ao artista Lasar Segall: 'Ao meu amigo Lazar Segall, com grande admiração, o abraço de Cícero Dias'”.

A obra mencionada na carta de Manuel Bandeira a Mário de Andrade está no CCBB – veja abaixo – ao lado de outras que fizeram parte da exposição de 28. A foto não saiu muito boa, mas dá para ter uma ideia da inventividade do artista!  

Cícero Dias - 'Cena Imaginária com Pão de Açúcar' (1928) - aquarela s/ papel - coleção particular
Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Cabra-Cega' (1928) - aquarela s/ papel - coleção particular, São Paulo - Foto: Simone Catto


A composição abaixo reflete bem o momento de euforia que Cícero viveu no Rio de Janeiro. Imagine um jovem cheio de vida participando da vida boêmia da cidade! Foi assim que ele tentou capturar essa vertigem de sensações num cenário onde tudo se misturava. Do lado direito, temos o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara vistos do bairro de Santa Teresa, onde o artista morou. Temos também um casario típico do bairro, um campinho de futebol e a entrada de um bordel com uma mulher nua vista parcialmente. Essa simultaneidade de imagens, dispostas com tanta liberdade e fantasia, não era comum na arte brasileira do período e tornou a obra de Cícero única entre os modernistas.

Cícero Dias - 'Bagunça' (1928) - aquarela s/ papel - coleção particular - Foto: Simone Catto

Entre 1930 e 1939, o artista criou principalmente pinturas a óleo, e sua produção tornou-se mais narrativa e lírica, com lembranças da infância no Engenho Juquiá. Na mudança da aquarela para o óleo, Cícero criou obras mais densas, estáticas e narrativas, porém igualmente ricas no cromatismo.

Cícero Dias - 'Jangada/Jangadinhas' (década de 30) - óleo s/ tela - Museu do Estado de Pernambuco, Recife
Foto: Simone Catto

Ao lado de 'Gamboa do Carmo no Recife', mostrada mais acima, a obra a seguir está entre as maiores do artista.

Cícero Dias - 'Sonoridade na Gamboa do Carmo' (década de 30) - óleo s/ tela - coleção particular
Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Autorretrato' (década de 30) - óleo s/ tela - coleção particular - Foto: Simone Catto

Cícero Dias - 'Casal com Criança' (década de 30) - Museu da Casa Brasileira - MAB/FAAP, São Paulo
Foto: Simone Catto

O trabalho abaixo ilustrou a capa do livro "Casa-Grande e Senzala", a convite do autor Gilberto Freyre, muito amigo de Cícero. Os dois visitaram juntos o Engenho Noruega, já em ruínas, e conversaram sobre as histórias daquela casa, que pertencia à família do artista. Ele tirou as medidas do que restava da construção e as enviou ao arquiteto Carlos Leão, no Rio, para que este fizesse uma planta. A partir dela, Cícero criou imagens que trouxeram o Engenho de volta à vida. O livro foi lançado em 1933 e marcou época, tornando-se conhecido aqui e no exterior por sua abordagem inovadora da relação entre escravos e senhores no Brasil.

Cícero Dias - 'Casa Grande do Engenho Noruega' (1933) - gravura aquarelada - Coleção Flávia e Waldir Simóes de Assis Filho
Foto: Simone Catto

Nem as cartas escapavam à fantasia e à imaginação do artista, como atesta a carta de Cícero para Mário de Andrade, abaixo, decorada com graciosos desenhos.

Carta de Cícero Dias a Mário de Andrade - fac-símile - Foto: Simone Catto

E aqui, você confere sua última fase em Paris!

Visite: 'CÍCERO DIAS – UM PERCURSO POÉTICO 1907-2003' - Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo. Tel.: (11) 3113-3671/3652 - de quarta a segunda, das 9h às 21h. Entrada franca. Até 3/7.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Casa restaurada de Pierre-Auguste Renoir vira museu.

Fonte: The Art Newspaper | Tradução e adaptação: Simone Catto 

A casa de verão do pintor impressionista em Essoyes abre ao público em junho após uma grande restauração.

Um museu dedicado a Pierre-Auguste Renoir abriu no dia 3 de junho na residência da família do pintor em Essoyes, a cerca de 185 quilômetros de Paris, após passar por grandes trabalhos de restauração em seu interior e jardins.

Renoir adquiriu essa casa em 1896, seis anos depois de se casar com sua noiva e modelo Aline Charigot, nascida no vilarejo perto dos vinhedos de champanhe, às margens de um afluente do Rio Sena. Dez anos mais tarde, devido a um sério problema de reumatismo, Renoir e a família foram obrigados a mudar para Cagnes-sur-Mer, na Riviera Francesa, onde o artista comprou uma villa também transformada em museu. No entanto, ele continuou a passar seus verões em Essoyes até sua morte, em 1919, e está sepultado no cemitério local com Aline e os três filhos do casal.

Casa de Renoir em Essoyes, vilarejo onde nasceu sua esposa Aline Charigot.

Em 2012, a bisneta de Renoir, a atriz Sophie Renoir, vendeu a casa para o município de Essoyes por 600.000 euros. Segundo o prefeito, Philippe Talbot, o vilarejo gastou cerca de 1 milhão de euros nos últimos quatro anos para transformar a casa em museu. A reforma incluiu um elevador para deficientes, reforços nos pisos dos quartos do primeiro andar e a conversão da sala de jantar em um espaço climatizado para exibição de obras de arte e trabalhos de restauração. A equipe baseou-se nas próprias pinturas que Renoir fez da casa para que ela ficasse novamente "como era em sua época", afirma Talbot.

Além da casa, o museu inclui o estúdio que Renoir construiu no fundo do jardim. Aberto ao público há 20 anos sob a égide da Associação Renoir, uma organização sem fins lucrativos, o estúdio foi comprado separadamente pela cidade há uma década e abriga objetos e móveis do artista, esculturas criadas ao final de sua vida, e também inclui a projeção de slides sobre o mestre. O estúdio recebe atualmente cerca de dez mil visitantes ao ano, uma cifra que o prefeito espera aumentar com a inauguração da casa e do jardim.

Renoir - 'Casa de Essoyes' (1906) - coleção particular

Três instituições francesas emprestaram obras de Renoir para a abertura do museu: uma escultura foi cedida pelo Museu Renoir em Cagnes-sur-Mer, o retrato 'Jovem ao espelho' (1919) foi emprestado pelo Museu de Belas Artes de Rouen, e o Museu de Belas Artes de Bordeaux está cedendo a paisagem 'A Ponte d’Essoyes', denominada 'A pequena ponte' em seu site na Internet.  

Pierre-Auguste Renoir - 'Jovem ao espelho' (c.1915) - óleo s/ tela - Musée Des Beaux-Arts de Rouen

Renoir - 'A ponte de Essoyes' ou 'A pequena ponte' (s/d) - óleo s/ tela - 23 X 32 cm - Musée Des Beaux-Arts de Bordeaux

O Museu de Arte Moderna da cidade vizinha de Troyes também abrirá uma exposição com cerca de 40 trabalhos de Renoir e uma dúzia de obras de seus amigos e colegas impressionistas. Marcado para o dia 17 de junho, o vernissage também incluirá seis pinturas da coleção particular de Pablo Picasso, ilustrando a influência de Renoir sobre o artista espanhol. "A ideia é apresentar uma nova leitura de Renoir", diz Daphne Castano, curadora da outra exposição.



Você pretende visitar Paris neste verão? (Lembrando que o verão europeu começa em junho, naturalmente...) Vale a pena dar um pulo a Essoyes para conhecer o lugarejo onde um dos mestres mais amados do Impressionismo compartilhou momentos felizes com a esposa, os filhos e amigos queridos. Anote o endereço: 9 Place de la Mairie - 10360 - Essoyes - França. Tel.: +33 (0)3 25 29 10 94.

domingo, 4 de junho de 2017

Exposição 'O Impressionismo e o Brasil': a paisagem brasileira à luz de grandes talentos.

Pela quantidade de visitantes que se apinham diante de determinadas pinturas, em diversos museus que visitei no exterior, arrisco dizer que o Impressionismo é, possivelmente, a escola artística mais admirada no mundo. Nascido oficialmente na França em 1874, o movimento que festeja a pintura ao ar livre chegou ao Brasil poucos anos depois e, ao que parece, não enfrentou tanta resistência aqui como por lá. O Impressionismo tupiniquim começou no Rio de Janeiro, mas seu precursor no país não foi um francês, e sim um pintor alemão chamado Georg Grimm (1846-1887), que nasceu na Bavária e desembarcou aqui provavelmente em 1878. Oficialmente, foi Grimm quem instituiu a pintura ao ar livre no Brasil, lá pelos idos de 1880. Em março de 1882, ele participou de uma exposição com 128 pinturas de um total de 418, chamou atenção do governo imperial e acabou convidado a lecionar na cadeira de "Pintura de Paisagens, Flores e Animais" da Academia Imperial de Belas Artes. Essa informação, e muitas outras, estão na exposição O Impressionismo e o Brasil, com curadoria de Felipe Chaimovich, atualmente no Museu de Arte Moderna - o MAM do Ibirapuera. Apesar de focar nos expoentes do Impressionismo brasileiro, a mostra também se permite exibir algumas telas de Renoir do acervo do nosso MASP, a fim de melhor ilustrar o movimento.

Georg Grimm - 'Rochedo da Boa Viagem' (1887) - óleo s/ tela
 Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto

Pierre-Auguste Renoir - 'Banhista enxugando o braço direito (Grande nu sentado)' (1912)
 óleo s/ tela - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Foto: Simone Catto

Se você está se perguntando por que tudo começou no Rio de Janeiro, vale lembrar que, no século XIX, o Rio ainda era a capital da corte imperial, mantendo intensa atividade comercial com a Europa. Em 1844, a cidade tinha apenas seis lojas de tintas, mas em 1889 já eram mais de cinquenta, que vendiam muitas novidades importadas, como as novas cores de tinta a óleo em tubos metálicos, pincéis com anel metálico para afixar os pelos ao cabo, permitindo o achatamento das pinceladas, além de caixas portáteis, bancos dobráveis e muitos outros itens que faziam brilhar os olhos dos pintores da natureza. O crescimento da venda de materiais industrializados deu ímpeto à pintura de paisagem na Academia Imperial e originou a primeira escola de arte no Rio de Janeiro. Não podemos esquecer que, àquela época, o Rio ainda tinha uma paisagem natural invejável, os morros ainda não haviam se transformado nas monstruosas favelas que são hoje e os pintores gostavam de retratar a enseada de Botafogo, a baía de Guanabara e uma Copacabana paradisíaca, que realmente proporcionavam belíssimas vistas. Além disso, as imagens de viagens foram ficando cada vez mais populares, com viajantes capturando suas "impressões" em esboços rápidos sobre papel.

Antonio Garcia Bento - 'Porto do Calaboço' (1921) - óleo s/ madeira - Coleção Orandi Momesso
Foto: Simone Catto

Lucilio de Albuquerque - 'Rio Soberbo - Teresópolis' (1927) - óleo s/ tela
Coleção Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto

Eliseu Visconti - 'Baixada de Villa-Rica' (1924) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro
Foto: Simone Catto

O professor Grimm influenciou vários de seus pupilos na Academia e costumava dizer: "Quem quiser aprender a pintar deve pegar um pincel e ir para a mata". Seus principais discípulos, também representados na exposição do MAM, foram o italiano Giovanni Battista Castagneto (1851-1900) e o brasileiro Antonio Parreiras (1860-1937). Grimm não media esforços e vivia se arriscando para capturar a melhor paisagem, se embrenhando na mata e abrindo "picadas" como um Bandeirante. Segundo Parreiras, muitas vezes ele promovia excursões para as florestas para dar aulas in loco e conduzia os alunos a trilhas perigosas, altas montanhas e pântanos inóspitos, como um Indiana Jones tropical. Os alunos acompanhavam o mestre heroicamente, com suas paletas e cavaletes nas costas, certamente rezando para não virarem comida de jaguatirica.

Na realidade, a Academia nunca simpatizara verdadeiramente com Grimm, porque, além de rebelde, dizia-se que ele tinha um gênio um tanto difícil. Em 1884, seu contrato como professor não foi renovado, mas ele já havia conquistado um séquito de alunos-seguidores. Posteriormente, o crítico Gonzaga-Duque publicou um livro no qual afirmou que o mestre bávaro foi o único homem a ter sucesso na criação de uma escola artística no Rio de Janeiro.

Seu aluno Giovanni Battista Castagneto, nascido em Gênova, Itália, migrou para o Brasil em 1874 com o pai e entrou para o curso de pintura de paisagem da Academia em 1879. Após estudar com Grimm por dois anos, especializou-se em paisagens marinhas. Castagneto costumava alugar barcos para pintar em alto-mar e, quando não dava tempo de trocar de pincel, usava aquilo que tivesse à mão: seus dedos, as unhas, um pedaço de corda, um graveto, enfim - o que estivesse ao seu alcance. Suas pinturas não revelam superfícies polidas ou acabadas: Castagneto gostava de deixá-las empastadas, muitas vezes com textura rude. Aproveitando a grande oferta de tintas industriais, tinha uma paleta diversificada, o que lhe permitia pintar rapidamente enquanto estava nos barcos, sujeito ao movimento das ondas, dos ventos e do vai-e-vem das marés.

Giovanni Battista Castagneto - 'Marina com barcos' (1894) - óleo s/ tela - Coleção Luiz Carlos Ritter, RJ - Foto: Simone Catto

Antonio Parreiras decidiu tornar-se pintor em 1878 após herdar um dinheiro que lhe permitiu custear seus estudos na Academia Imperial de Belas Artes, onde se matriculou no curso noturno. Contudo, foi somente em 1884 que começou a ter aulas de pintura de paisagem e estudou com Grimm apenas alguns meses antes que este fosse desligado da escola. Apesar do pouco tempo de convivência com o alemão, Parreiras ficou vivamente impressionado com seu estilo e imediatamente começou a pintar a céu aberto. Quando Grimm deixou a Academia, não hesitou em segui-lo. Acordava ao nascer do sol e ia encontrar o professor em Boa Viagem, local de sua residência, onde os dois trabalhavam juntos até a noitinha.

Antonio Parreiras - 'Escola ao ar livre - Teresópolis, RJ' - c.1892 - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro
Foto: Simone Catto

Após o período de estudos, Parreiras não tinha mais dinheiro e, desconsolado, olhava os tubos de tintas fornecidos pela Academia se esvaziarem, sabendo que não poderia comprar novos e, portanto, que teria de parar de trabalhar. Os alunos de Grimm, aliás, eram em geral pobres e, quando as telas e tintas fornecidas pela escola acabavam, todos sabiam que não teriam condições de continuar pintando. Quando a monarquia acabou e a escola oficial passou a se chamar Escola Nacional de Belas Artes, Parreiras conseguiu tornar-se professor da instituição, mas, posteriormente, fundou uma escola independente em Niterói, o Ateliê Livre. Assim como Grimm, ele também se embrenhava nas florestas à caça de belas paisagens para retratar em suas telas.

Antonio Parreiras - 'Pintando do natural' (1937) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro
Foto: Simone Catto

Antonio Parreiras - 'Crepúsculo' (s/d) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto

Além de Castagneto, um outro italiano desembarcou por aqui e se encantou com a paisagem tropical. Eliseu D'Angelo Visconti (1866-1944) veio para o Brasil em 1873 e matriculou-se na Academia Imperial de Belas Artes em 1885, um ano após a saída de Grimm. Em 1890, uniu-se ao grupo de "rebeldes" do Ateliê Livre, mas depois voltou a se reconciliar com os acadêmicos da Escola Nacional de Belas Artes e ganhou um prêmio que lhe permitiu estudar na França – o primeiro prêmio da recém-instituída República. Durante toda a década de 90, Visconti permaneceria na Europa, mas, mesmo assim, continuava a enviar pinturas para os salões do Rio de Janeiro. Ao retornar ao Brasil, em 1900, já era chamado de impressionista pela imprensa brasileira.

Eliseu Visconti - 'Igreja de Santa Teresa' (s/d) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes, RJ
Foto: Simone Catto

Eliseu Visconti - 'Três meninas no jardim' (s/d) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes, RJ
Foto: Simone Catto

Eliseu Visconti - 'Vista da Gamboa' (1889) - óleo s/ tela - Coleção Cristina e Jorge Roberto Silveira
Foto: Simone Catto

Por volta de 1900, o impressionismo já havia sido assimilado também na Escola Nacional de Belas Artes e a pintura ao ar livre já era uma prática comum entre os alunos da instituição. Os irmãos João e Arthur Timótheo da Costa, nascidos respectivamente em 1879 e 1882, eram pobres e negros – o que constituía um fator de forte discriminação no Brasil do século XIX, mas conseguiram estudar na Escola Nacional graças à sensibilidade de seu patrão na Casa da Moeda, local onde trabalhavam. O homem foi um verdadeiro anjo da guarda para os dois meninos: reconheceu seu talento, patrocinou seus estudos, e eles ganharam vários prêmios de pintura, além de terem a oportunidade de viajar para a Europa, onde puderam admirar de perto as obras impressionistas.

Arthur Timótheo da Costa - 'Quinta da Boa Vista' (1919) - óleo s/ tela - Coleção particular - Foto: Simone Catto

João Timótheo da Costa - 'Paisagem RJ' (1921) - óleo s/ tela - Pinacoteca do Estado de São Paulo - Foto: Simone Catto

Arthur Timótheo da Costa - 'Sem título' (1919) - óleo s/ tela - Museu Afro Brasil
Foto: Simone Catto

Entre essa turma que pintava ao ar livre também havia uma mulher extremamente talentosa, a paulista Georgina de Moura Andrade de Albuquerque, nascida em Taubaté no ano de 1885. Georgina matriculou-se na Escola Nacional de Belas Artes em 1905 e mudou-se dois anos depois para Paris com o marido, o igualmente talentoso pintor Lucilio de Albuquerque. Em 1927, a artista se tornaria professora da escola onde havia estudado.

Georgina de Albuquerque - 'Canto do Rio' (c.1926) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro
Foto: Simone Catto

Georgina de Albuquerque - 'Raio de Sol' (c.1920) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes
Foto: Simone Catto

A pintura abaixo me lembrou muito Cézanne e o pós-impressionismo, o que não é de se espantar, uma vez que o casal Albuquerque havia morado em Paris e teve contato com várias vanguardas.

Lucilio de Albuquerque - 'Paisagem' (1949) - óleo s/ tela - Pinacoteca do Estado de São Paulo - Foto: Simone Catto

Lucilio de Albuquerque - 'Arredores de Porto Alegre' (1914) - óleo s/ madeira - Coleção Orandi Momesso - Foto: Simone Catto

Na década de 20, o impressionismo estava completamente estabelecido no Brasil e não se limitava mais às paisagens: seus artistas aplicavam o estilo também na pintura de outros temas, como retratos e naturezas-mortas. E foi assim que o Impressionismo tornou-se o primeiro movimento artístico no Brasil diretamente relacionado a inovações industriais. 

Veja também:


Se você gosta de pintura "de primeira", daquela produzida pelos velhos mestres, não deixe de visitar a exposição O IMPRESSIONISMO E O BRASIL! MAM Ibirapuera - Av. Pedro Álvares Cabral, S/N. Tel.: (11) 5085-1300 – atendimento@mam.org.br. Entrada: R$ 6,00 – gratuita aos sábados. Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h30. Até 27/8. Não perca!