Senti vontade de assistir a esse filme por várias razões. Para
começar, é uma produção francesa, o que, de saída, já ganha alguns pontos
comigo. Segundo, aborda arte e artistas. Terceiro, o "artista" em questão é uma mulher. Quarto, narra uma história de amor entre artista e modelo. Quinta, essa
história de amor está ambientada no século XVIII, o que a torna ainda mais
atraente para alguém que tem uma queda por filmes de época. É natural que, com
tantos pontos positivos, eu não poderia perder. E não me arrependi.
O filme começa com uma cena aflitiva da jovem artista parisiense
Marianne (Noémie Merlant) sendo levada num barco frágil, em um mar agitado, até
o local onde deve executar um retrato sob encomenda. A julgar pelas falésias da
paisagem, parece que o filme se passa em Étretat, na região da Bretanha. Carregando
suas coisas, sua tela e seu material de pintura, Marianne sobe uma escarpa com
dificuldade e chega a uma mansão isolada em um lugar que parece ser uma ilha. Lá encontra a mulher que a contratou, uma condessa (Valeria Golino) que deseja enviar o retrato
de sua jovem filha Héloïse (Adèle Haenel) a um nobre milanês a quem ela está prometida em casamento. A filha da condessa, que não quer saber de casar com o desconhecido, havia se recusado a posar anteriormente para outros pintores
contratados para esse fim. Por isso, a mãe pede à artista para manter segredo sobre
o real motivo de estar ali e, em vez disso, se passar por uma dama de companhia contratada
para acompanhar Héloïse nos passeios. Nos momentos em que está ao lado desta,
portanto, Marianne tenta captar as feições, os detalhes, o caráter e,
principalmente, a essência da moça para depois transformá-los secretamente em
pintura ao se retirar, à noite, para seu quarto.
Noémie Merlant e Adèle Haenel, as duas excelentes atrizes que interpretam Heloïse e a pintora Marianne, respectivamente. |
A paisagem escarpada lembra as falésias de Étretat. |
Essa convivência estreita entre as jovens acaba alimentando uma
intimidade e um sentimento que vai se desvelando sutilmente por meio de nuances,
olhares, pequenos gestos. As duas atrizes, extremamente expressivas, conseguem transmitir,
com um simples olhar, toda a intensidade de um amor que se insinua pouco a
pouco e vai crescendo até o ponto em que as próprias moças se deem conta do que
acontece e se permitem dar vazão a ele. Delicadeza é a palavra-chave. Não há
cenas de sexo que mostrem demais ou que durem mais que o necessário. Aliás, quase
não há situações de sexo. A magnitude da afeição que une artista e retratada
não precisa disso para ficar evidente. O nível é outro. A extensão do amor de
ambas revela-se em detalhes sutis e códigos visuais inseridos na narrativa.
Trata-se de um filme bem realizado e não é à toa que o roteiro tenha sido
premiado em Cannes. A fotografia também é bonita. Possivelmente toda essa
delicadeza se justifique ao sabermos que a diretora, a francesa Céline Sciamma,
é a mesma realizadora do sensível e excelente 'Tomboy', de 2011, também resenhado no blog.
Em tempos de insensibilidade, indelicadeza e amores brutos, é
sempre bom testemunhar a realização de um amor genuíno. Mesmo que seja em outro
século. Mesmo que seja em ficção.
'Retrato de uma Jovem em Chamas' está em cartaz no Itaú Augusta, no Itaú Frei Caneca e no Petra Belas Artes, em São Paulo. Se você gosta de bom cinema, não perca.
'Retrato de uma Jovem em Chamas' está em cartaz no Itaú Augusta, no Itaú Frei Caneca e no Petra Belas Artes, em São Paulo. Se você gosta de bom cinema, não perca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário