quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Restaurante Gula Gula SP, para matar a fome do corpo e do espírito.

Quando, anos atrás, eu trabalhava na Av. Paulista e saía para almoçar, passava às vezes na calçada de uma linda mansão na esquina da Al. Santos com a Rua Padre João Manoel. Os muros eram baixos e dava para ver o belo jardim ao redor da casa. Umas duas vezes cheguei a avistar uma velhinha lá dentro e, se não me engano, também alguns brinquedos de criança. Eu ficava encantada com aquela ilha de beleza e tranquilidade em meio a um mar de arranha-céus comerciais e a apenas uma quadra da avenida mais famosa de São Paulo. Sempre me perguntava quem devia morar ali e como seria o interior da residência.

A casa que havia me encantado há mais de dez anos, tombada e restaurada
Foto: Ligia Skowronski/Divulgação)

Finalmente descobri. O casarão pertenceu a um homem chamado Francisco de Paula Vicente de Azevedo, conhecido como Barão de Bocaina, embora não haja evidências de que ele tenha morado lá. Sabe-se, contudo, que um de seus filhos, que tinha o mesmo nome, mas não o título de nobreza, residiu ali com a esposa, Cecília Galvão Vicente de Azevedo, desde o ano de seu casamento e inauguração do imóvel, 1911, até sua morte em 1976. Graduado pela Faculdade de Direito da USP, o Dr. Francisco filho era um grande produtor rural e industrial, tendo sido um dos pioneiros da indústria de papel no Brasil. O casal teve uma única filha, Maria Cecília Vicente de Azevedo, que também morou a vida inteira na mansão. A família acompanhou toda a transformação urbana da região desde a época dos suntuosos casarões pertencentes à burguesia industrial paulista até o surgimento dos arranha-céus que os substituíram. Aliás, imagino o desgosto que a distinta família deve ter sentido com o surgimento daqueles impessoais, horrendos e breguíssimos prédios espelhados das grandes corporações que acabaram com a elegância do entorno.    

Dona Cecília faleceu em 1974 e o marido industrial se foi dois anos depois. A filha, Maria Cecília, respeitou o desejo dos pais e manteve o casarão, resistindo bravamente à feroz especulação imobiliária do bairro. Nele viveu até 2007, quando faleceu aos 93 anos de idade. Certamente era ela a velhinha fofa que eu via no jardim na hora do almoço.

Como Maria Cecília nunca se casou e nem teve filhos, seus bens foram divididos entre familiares e consta que o casarão havia sido vendido a uma dessas odiosas incorporadoras que saem por aí derrubando imóveis históricos e arrasando a memória das cidades. Felizmente, parece que a "Nossa-Senhora-Protetora-do-Patrimônio-Arquitetônico" interveio e uma certa Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro de Cerqueira César (Samorc) agiu a tempo, solicitando o tombamento do imóvel. Se a casa foi tombada graças à ação da Samorc ainda não sei, mas o fato é que ela não só foi tombada em 2012 como está lá, cuidadosamente restaurada e lindamente preservada com seu jardim, abrigando atualmente o restaurante Gula Gula, inaugurado há cerca de três meses.

O casarão no intervalo entre o falecimento de Maria Cecília e a restauração - Foto: São Paulo Antiga

O casarão com seu belo jardim, agora sede do restaurante Gula Gula em São Paulo - Foto: Simone Catto

É aí que eu queria chegar. Tão logo o restaurante foi inaugurado, não perdi tempo e corri para conhecer a casa. Gostei muito do que vi e também do que comi. Tanto é que, nesse curto período, jantei lá mais de uma vez. O pé-direito alto, os janelões envidraçados que dão para o lindo jardim onde eu via a velhinha, os pisos de mármore e ornamentos de madeira dão um vislumbre do que aquele espaço deve ter sido no tempo em que abrigou a próspera família. O ambiente é ao mesmo tempo bonito e acolhedor, com mesas nos salões internos e outras dispostas no quintal.  

Foto: Simone Catto

Alguns dos ambientes internos com pisos de mármore e madeira  - Foto: Simone Catto

Foto: Simone Catto

E aqui, um ângulo feliz com iluminação feérica - Foto: Divulgação

O restaurante Gula Gula pertence a uma tradicional rede de restaurantes do Rio de Janeiro que se caracteriza por oferecer um cardápio vasto e despretensioso a preços justos. A escolha do local para se instalar em São Paulo não poderia ter sido mais feliz. Em minha primeira visita, peguei uma mesa lá fora. Verão, noite quente, estava uma delícia comer olhando para as árvores do jardim.

A vista de minha mesa na primeira visita - Foto: Simone Catto

Na segunda vez em que lá estive, quis experimentar uma mesa em um dos salões internos. Tudo muito bonito, mas com um problema que pode estragar qualquer refeição: o ar condicionado estava absurdamente gelado e desconfortável, como se os proprietários esquecessem que estavam em São Paulo, e não no Rio de Janeiro. E olhe que a noite estava quente! Não entendo essa mania que alguns restaurantes têm de ligar o ar condicionado no máximo, sobretudo quando estão instalados em ambientes arejados e cercados por áreas verdes. Mas agora já sei: mesa, lá, só no jardim.

Vista de minha mesa no salão: quem vê o clima de aconchego não imagina o ar condicionado congelante!
Foto: Simone Catto

No salão ao lado, uma grande mesa com uma alegre, porém educada reunião de família - Foto: Simone Catto

Agora vamos falar dos comes e bebes. Na primeira visita, quando sentei lá fora, tomei um Aperol Spritz e pedi o filé de frango com molho funghi (R$ 31) acompanhado de purê de banana da terra com leite de coco e ervas (R$ 12). Não, não fotografei o prato. Já comentei em outro post que, de uns tempos para cá, tenho sido um pouco reticente em fotografar pratos de comida nos restaurantes. O que posso dizer é que o frango estava ótimo com seu molho de funghi e o purê estava maravilhoso, embora eu seja suspeita porque normalmente gosto de receitas à base de banana. Mas o fato é que estava muito bom, mesmo.

Em meu segundo jantar na casa, tomei um vinho branco do sul da Itália chamado Barone Montalto Acquerello - Pinot Grigio, super-refrescante e com uns toquezinhos de frutas. Foi perfeito para acompanhar tanto a entrada quanto o prato principal. Primeiro compartilhei uma caprese de burrata com tomatinhos confit e pão italiano (R$ 36). Depois, fui de picadinho vegetariano - mix de cogumelos, purê de batata doce e couve frita por cima (R$ 43). Uma receita leve e, ao mesmo tempo, com "sustância". Delícia. Achei na Internet a foto exata do prato.

Vinho bom, recomendo.

Este é o picadinho vegetariano, delicioso - Foto: Ligia Skowronski/Divulgação

A única coisa que precisa melhorar na casa é o serviço, meio lento e atrapalhado. Em minha segunda visita, o vinho demorou para chegar à mesa, e o garçom, um rapaz muito jovem, apareceu com o vinho errado – eu havia pedido um branco e ele levou um tinto. No entanto, todos os atendentes foram educados e acredito que um bom treinamento resolva os problemas.

Um dos fatores que tornam a casa ainda mais convidativa, além do ambiente, é o fato de funcionar o dia inteiro, ou seja, tem também café da manhã, almoço e lanche da tarde. Um porto seguro que salva, com dignidade, os esfomeados a qualquer hora do dia.

Se você mora ou está de passagem por São Paulo, vale a pena saborear uma refeição naquele cenário acolhedor com mais de um século de história. O GULA GULA fica na R. Padre João Manoel, 109, esquina com Al. Santos – Jardim Paulista. Informações: 11 4420-2140 | www.gulagula.com.br

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