"Diz a história que, um dia, o escritor Franz
Kafka encontrou uma menininha no parque onde costumava caminhar diariamente.
Ela estava chorando, desolada, porque havia perdido sua boneca. Kafka se
ofereceu para ajudá-la a procurar e marcou um encontro com a menina no
dia seguinte, no mesmo lugar. Incapaz de encontrar o brinquedo, ele escreveu uma
carta como se ela tivesse sido redigida pela própria boneca e a leu para a garotinha quando se
encontraram: "Por favor, não se lamente por mim, parti numa viagem para ver o
mundo. Escreverei a você sobre minhas aventuras". Esse foi o início de
muitas cartas. Quando ele e a menininha se encontravam, ele lia as cartas redigidas
cuidadosamente com as aventuras imaginadas da amada boneca. A garotinha se
confortava. Quando os encontros chegaram ao fim, Kafka presenteou a menina com outra boneca. Como a nova boneca era diferente da original, uma carta anexa
explicava: "minhas viagens me transformaram…". Muitos anos depois, a
garota, agora crescida, encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da
querida boneca substituta. Em resumo, dizia: "Tudo o que você ama, você
eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará sob uma forma diferente".
Existem muitas versões para a história de Kafka e da boneca. Ouvi
essa de Tara Brach, psicóloga e professora de meditação budista em Washington
DC.
Somente depois de muitas narrativas sou capaz de relatá-la sem chorar. E descobri que, quando a conto a outras pessoas, jovens ou
velhas, meu interlocutor fica invariavelmente comovido, às vezes explodindo em
lágrimas.
Quando procurei a confirmação da história na Internet, encontrei
uma fonte que se referia a ela como uma "história de cura". Parece
correto. Se ela realmente aconteceu, é real, verdadeira e fornece um modelo para
a cura.
Para mim, há duas lições sábias nessa história: luto e perda são
onipresentes, mesmo para uma criança pequena. E o caminho para a cura é
procurar como o amor retorna de outra forma.
Acho que há vantagens em ver o luto como onipresente, como parte
inevitável da experiência de ser humano. O luto é muito mais do que a perda de um ente
querido, embora essa talvez seja sua manifestação mais profunda. A perda da
boneca na história é devastadora para a menina e é isso que estimula Kafka a
criar as maravilhosas histórias de viagens e aventuras. Ele percebeu a
profundidade de sua dor. Diz-se que ele dedicou tanto tempo e cuidado à criação
dessas cartas para a menininha quanto a outros escritos.
Manter a perspectiva da universalidade da perda nos ajuda a
lidar com a vergonha e a solidão. Se uma profunda reação de luto com um divórcio,
ou a saída dos filhos de casa, uma gravidez abortada, o desemprego, a aposentadoria,
as limitações dos filhos, o envelhecimento ou a perda de saúde é algo que compartilhamos
com nossos semelhantes, ficamos menos solitários. E não é preciso ter vergonha de
nos sentirmos assim porque a vergonha é legado do isolamento.
E quanto ao amor voltar de uma forma diferente? Acredito que as
cartas de Kafka constituíram um verdadeiro presente de amor, e o que acabou por
curar a garotinha foi o relacionamento de ambos, que funcionou como um
verdadeiro bálsamo. Alguém se importou o suficiente com sua dor a ponto de
escrever as encantadoras histórias das aventuras da boneca perdida. Um grande
escritor, nesse sentido.
É confortante manter a convicção de que o amor retornará e é
nossa missão reconhecê-lo sob sua nova forma.
Publicado no Huffington em 10/3/2011 - por May Benatar, psicoterapeuta e escritora.
Clique aqui para conferir o original em inglês.
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