Na história ocidental, houve algumas épocas em que o homem
exaltou, mais do que em outras, sua crença no progresso inexorável e nas
benesses da indústria. Esse homem sentia uma real esperança no poder das
máquinas e da tecnologia para proporcionar, à humanidade, o quinhão de
bem-estar social que lhe caberia neste mundo. O início do século XX, na Itália,
foi um momento em que isso aconteceu com bastante intensidade nas artes. O movimento
futurista, nascido naquele país, buscou traduzir visualmente, em suas manifestações
artísticas, o frenesi, a velocidade e o entusiasmo com o desenvolvimento
industrial da modernidade. É no meio desse furacão que se situa o artista
plástico Fortunato Depero
(1892-1960), um italiano da cidade de Rovereto, perto do Trento, cuja obra é
tema da mostra Depero futurista e artista global, no MAC Ibirapuera.
Com curadoria de Maurizio Scudero e apoio do Istituto Italiano
di Cultura, a exposição apresenta um conjunto da produção gráfica do artista,
incluindo pinturas, cartazes litográficos, colagens, mosaicos de tecidos e trabalhos
que ele realizou para a publicidade.
Depero aderiu ao futurismo em 1914 para nunca mais abandoná-lo,
embora em determinadas épocas o movimento se fizesse menos presente em sua obra. "Adoro os motores, adoro as locomotivas, inspiram-me um otimismo inquebrantável",
afirmou certa vez. Teve aulas com Giacomo Balla e, em 1915, lançou com seu
mestre o manifesto Ricostruzione
Futurista dell’Universo, no qual defendia a noção de obra de arte total,
isto é: o futurismo deveria ultrapassar as fronteiras da pintura e da escultura
e transbordar para a vida cotidiana, alegrando a vida do homem moderno em itens
como a decoração de sua casa, suas roupas, objetos utilitários e onde mais fosse
possível. Colocando em prática esse princípio, após a Primeira Guerra, Depero
fundou em sua cidade natal a Casa d’Arte Futurista – uma casa-ateliê-fábrica,
que se tornou muito conhecida nos anos
20 e permaneceu em atividade até o início da década de 40, transformando-se em
museu em 1957.
A materialidade da obra de Depero, com pinturas em blocos cromáticos
sobre fundos contrastantes, funciona como um contraponto aos "impressionismos", "romantismos" e "simbolismos" da geração anterior. Mais do que o aspecto
formal, a própria atitude futurista de planejar a obra e projetar cada passo
antecipadamente vai de encontro à ideia poética de casualidade e "inspiração" que norteava a produção de muitos artistas até então.
Fortunato Depero - 'Costruzione Geometrica di Donna' ['Construção Geométrica de Mulher] - c. 1917 - óleo s/ tela Foto: Simone Catto |
Fortunato Depero - 'La Ciociara' ['A Ciociara'] - 1919 - óleo s/ tela - Foto: Simone Catto |
Depero também bebeu na fonte do cubismo e do surrealismo,
produzindo, por vezes, pinturas metafísicas semelhantes às obras de De Chirico. Dentro de sua proposta de arte total, também penetrou os mais
diversos ambientes e segmentos, como a moda, o teatro, a editoria, a publicidade,
a decoração e, naturalmente, o próprio design. Incansável, criou livros, ilustrações,
brinquedos, figurinos e cenografia teatrais, fazendo experimentações com
diferentes materiais. Algumas fotos que tirei no museu ficaram com reflexo devido à película de vidro que as protegia, mas mesmo assim dá para ter uma ideia do caráter das obras.
Fortunato Depero - 'Tirolese Baffuto' [''Tirolês Bigodudo'] - 1920 - colagem s/ papelão Foto: Simone Catto |
Fortunato Depero - 'Scena di Villaggio' ['Cena de Vilarejo'] - 1920 - colagem s/ cartolina Foto: Simone Catto |
A década de 20 foi particularmente prolífica para o artista. Sua pintura assumiu tons metálicos e polidos referentes ao tema da "mecanização" e, entre 1924 e 1928, ele criou vários trabalhos publicitários, desenvolvendo peças lúdicas e de um colorido intenso para diversas empresas, incluindo marcas de bebidas como Campari e o licor Strega.
Fortunato Depero - 'Mandorlato Vido' - 1924 - cartaz litográfico colocado em tela Foto: Simone Catto |
Fortunato Depero - 'Strega' (licor) - c. 1928 - colagem s/ papelão - Foto: Simone Catto |
Fortunato Depero - 'Bitter Campari' - 1928-40 - cartaz litográfico montado em tela Foto: Simone Catto |
Da experiência com teatro, surgiram os mosaicos de tecidos
coloridos. A princípio, eles eram colados sobre um suporte de papelão, mas,
depois, a cola foi substituída por fio e agulha e o papelão pelo tecido de
lençóis. Cada vez mais aperfeiçoada, essa técnica obteve grande sucesso
comercial.
Fortunato Depero - 'Gondolieri (Colleoteri Veneziani)' - ['Gondoleiros (Coleópteros Venezianos)'] - 1924-25 - mosaico de tecidos coloridos - Foto: Simone Catto |
Em setembro de 1928, Depero partiu para Nova York, onde
trabalhou intensamente. Nessa época passou a desenhar capas de revistas
internacionais como Vogue e Vanity Fair, sendo bastante requisitado para
trabalhos gráficos e publicitários. No entanto, ao comparar a gigantesca
metrópole com o "futuro" de bem-estar social pelo qual os futuristas tanto
haviam ansiado, descobriu que nem tudo eram flores. Ao invés de proporcionar
paz e conforto aos cidadãos, o futuro muitas vezes podia se revelar uma
opressora prisão tecnológica e evidenciar os abismos sociais nas grandes
cidades. Em outras palavras, Depero não tinha mais com o que sonhar.
Fortunato Depero - 'Big Sale (Mercato di Down-Town)' - ['Grande Liquidação (Mercado do Centro)'] c. 1930 - óleo s/ tela Foto: Simone Catto |
No ano de 1930, após o grande crash da bolsa de Nova York e a
recessão econômica que se seguiu, o artista retornou à Itália e desenvolveu
intensa atividade em seu país natal, retomando também o contato com os valores
de sua terra e da família.
Fortunato Depero - 'Elasticità di Gatti' ['Elasticidade de Gatos'] - 1939-46 - óleo s/ madeira - Foto: Simone Catto |
Fortunato Depero - 'Rito e Splendori di Osteria' ['Rito e Esplendores de Taberna'] 1944 - óleo s/ madeira - Foto: Simone Catto |
Depero Voltou a Nova York ao final da Segunda Guerra Mundial,
mas encontrou a cidade mais hostil, até porque os americanos haviam lutado
contra os italianos no confronto e estes não eram vistos com bons olhos. Suas
últimas obras mostram ambientes rurais e domésticos, predominantemente estáticos.
Vez ou outra, no entanto, ele inseria algum elemento futurista, como uma
reminiscência de seus melhores anos.
Fortunato Depero - 'Strasppo di Vento' ['Arrancada de Vento'] - 1948 - óleo s/ madeira - Foto: Divulgação |
Precursor da gráfica e da pintura contemporâneas, Depero
inspirou, com seu uso original das cores e seu traço inovador, muitos artistas,
publicitários e designers depois da Segunda Guerra Mundial. Vale a pena
conhecer seu trabalho!
A
exposição DEPERO FUTURISTA E ARTISTA GLOBAL estará até o dia 27 de março no
MAC USP Ibirapuera - Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301 - 2º andar. Tel.: 11
2648-0254. De terça a domingo, das 10h às 18h. Entrada e estacionamento
grátis.
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