quinta-feira, 2 de agosto de 2012

'A delicadeza do amor'. Uma fábula sobre a diferença ou a busca do sentido da vida.

Finalmente consegui assistir ao filme A Delicadeza do Amor, com Audrey Tautou, a atriz fofa que ficou conhecida em O Fabuloso Destino de Amélie Poulin, de 2001.


Tudo começa bem. Tautou interpreta Nathalie, uma jovem parisiense feliz, encantadora, despreocupada. Não parece possuir grandes pretensões e, logo no início do filme, já deduzimos que também não tem emprego fixo, uma vez que a vemos fazendo um "bico" como vendedora de programas em um espetáculo teatral, ao lado de uma amiga.

Nathalie conheceu François num café. Um rapaz bonito. Ele estava numa mesa, passou a observá-la, tentou imaginar o que a moça iria pedir ao garçom e pensou: "Se eu acertar, vou lá falar com ela". Seu palpite: suco de damasco, pois "café seria muito trivial e ela não parecia ser do tipo trivial", deduziu o moço. François acertou. Logo depois vemos o casal já junto, em frente ao mesmo café, lembrando a ocasião em que se conheceram. Casam-se. São felizes. Ambos têm pai e mãe, as famílias se dão bem. Fazem planos de ter um bebê.

No início, um conto de fadas terno.

As duas famílias convivem em harmonia.

Uma manhã, Nathalie lê um livro deitada no sofá. O marido prepara-se para sair – vai fazer um jogging, se exercitar. Nathalie mal lhe responde quando ele se despede. Não se beijam.

Nathalie é acordada no sofá, horas mais tarde, por um telefonema. François sofreu um acidente. Está no hospital. Nathalie corre para lá, angustiada. François respira por meio de aparelhos. Não resiste. E assim, de repente, Nathalie perde François e a vida perde o sentido.

Assim foi a primeira parte do filme. A partir daí, Nathalie vai vivendo meio "no piloto automático" e arruma um emprego numa empresa sueca. Mergulha no trabalho para esquecer a dor. Não sai de casa, não se diverte, nada tem graça. O diretor da empresa, casado, sente-se atraído por ela e tenta uma aproximação. Mas Nathalie não pensa nisso e tampouco se interessa pelo homem. Passam-se três anos.

No escritório, tentando afogar a dor no trabalho.

Nathalie acaba por destacar-se na empresa sueca e, pouco depois, já tem uma pequena equipe sob seu comando. Certo dia, manda chamar um funcionário em sua sala para discutir um caso. Ele é Markus (François Damiens), um sueco que mora em Paris. Markus é grandão, feioso, desengonçado, com um sorriso aparvalhado no rosto. Nathalie levanta-se de sua cadeira e tasca um beijo na boca do sueco. O homem, sem entender lhufas, sai da sala em estado de graça. De repente, seu mundo ficou colorido.

O beijo que virou a cabeça do pobre sueco.

A partir daí, Markus passa a sonhar com um romance e imagina que Nathalie deseje o mesmo. Ela, no entanto, não sabe por que cargas d'água fez aquilo. Ele tenta se aproximar. Sempre tão sem-jeito e tão sem charme que seus gestos e sua postura provocam risos. O homem, no entanto, é a encarnação da bondade. Tem um coração puro, sem qualquer resquício de maldade. E assim, por sua delicadeza, consegue, aos poucos, conquistar a amizade de Nathalie. Um dia ela lhe convida para jantar. No outro, para ir ao teatro. E sem sequer perceber, ela vai se envolvendo com o rapaz.

OK, é clichê, mas é lindo!

Até que Nathalie convida Markus para lhe encontrar em uma festinha na casa de uma amiga – a mesma que, no início do filme, vendia programas teatrais com ela e que, a essa altura, estava casada e tinha um filhinho. Markus toca a campainha e a amiga abre. Pensa que é um vizinho reclamando do barulho. A amiga jamais poderia imaginar que fosse AQUELE o rapaz do escritório com quem Nathalie estava saindo. Markus entra e um mal-estar instala-se no grupo. A amiga de Nathalie mal disfarça seu estranhamento e chega a fazer um comentário grosseiro a respeito do rapaz. Markus, desajeitado, esbarra na garrafa de vinho em cima da mesa e a derruba. Vexado, pede para ir ao toalete. Nathalie vai atrás. No banheiro, eles conversam. Markus sente-se um estranho no grupo e, num rompante, Nathalie decide deixar a festa a seu lado. Ambos saem, e não vemos mais os "amigos".

Nathalie pega o carro, um modelo antigo e muito simples (parênteses: nesse momento do filme, foi impossível não notar o enorme abismo cultural entre europeus e brasileiros quanto ao sentido de possuir um automóvel. Para os europeus, um carro é apenas um objeto utilitário, um meio de transporte. Status, lá, é coisa BEEEEM diferente. Sem dúvida, os brasileiros têm muito o que aprender!)

Voltando ao filme: Nathalie e Markus saem em direção a uma cidade no interior da França, rumo à casa da avó da moça. Chove torrencialmente. A avó é uma velhinha adorável que não esconde sua alegria ao ver a neta chegar ao lado de um rapaz que, segundo sua percepção, "de cara dá para ver que é boa pessoa". A avó lhes dá roupas secas para vestirem e Markus, com todo o seu tamanho, parece um espantalho enfiado nas vestes justas que pertencem ao avô. Eles jantam a sopa que a bondosa senhora lhes serve, vão ficando, dormem juntos... Acordam na manhã seguinte e caminham pelo delicioso jardim da casa onde Nathalie passou sua infância e adolescência, em meio aos pensamentos e divagações de Markus.

Conversas e devaneios no jardim da casa da vovó.

O filme acaba assim, do jeito que os franceses gostam: sem conclusão alguma, para que o espectador imagine o que desejar. Aqui, a imaginação continua a partir das divagações de Markus no jardim. Este é, sim, um filme delicado. E poderia se chamar, igualmente, "Buscando o sentido da vida" ou... "Uma fábula sobre a diferença". Porque mais do que "a delicadeza do amor", estão em jogo, na trama, questões muito mais profundas. Como o sentido da vida após uma dor tão lancinante quanto a perda do ser amado. Ou em que medida o ser humano tem capacidade de amar aquilo que é diferente ou fora dos padrões. Eu diria que ambas as coisas são um exercício e tanto, e é muito prazeroso compartilhá-lho com Nathalie na telona. Gostei do filme e recomendo!

A DELICADEZA DO AMOR tem direção de David e Stéphane Foenkinos e foi inspirado no romance "A Delicadeza", do próprio David Foenkinos. Mas atenção: aqui em São Paulo, atualmente, está em cartaz apenas no Reserva Cultural 3, na sessão das 17h10. É pegar ou largar!

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