quarta-feira, 15 de agosto de 2012

'A Carruagem Fantasma'. Uma obra-prima de terror e fantasia na V Jornada Brasileira de Cinema Silencioso.

Um assombro. É o mínimo que se poderia dizer do filme A Carruagem Fantasma, do diretor e ator sueco Victor Sjöström, projetado na VI Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, na Cinemateca Brasileira. Esse filme faz parte do módulo Luzes e Sombras, que reúne produções de diferentes nacionalidades e clássicos do cinema expressionista marcados pelo radicalismo plástico de suas imagens. O tratamento estilizado da luz e dos cenários, associado ao uso da fantasia e de atmosferas lúgubres, produziu obras-primas que até hoje hipnotizam o espectador com sua aura de mistério e magia.

Baseado na obra da escritora sueca Selma Lagerlöff (1858-1940), A Carruagem Fantasma (106’), de 1921, mostra três bêbados conversando no cemitério, às vésperas do Ano-Novo. Em determinado momento, um deles narra uma lenda segundo a qual a última pessoa a morrer no ano, ao toque das doze badaladas, teria de conduzir a carruagem fantasma que passa recolhendo as almas dos mortos.


Um dos bêbados chama-se David Holm. Interpretado pelo próprio diretor Sjöström, é um homem perverso, frio e insensível. Ao mesmo tempo, vemos a jovem Edit, do Exército da Salvação, em seu leito de morte. Edit, tuberculosa, tem um último desejo: ver David Holm. O homem se recusa e, numa briga com os companheiros, no cemitério, é atingido mortalmente por uma garrafa. A carruagem da morte passa para resgatar sua alma e, a partir daí, o filme mostra uma sucessão de flashbacks que revelam por que a jovem deseja sua presença. Vemos, então, todas as tentativas da moça para ajudá-lo e 'salvar sua alma' e as consequências que a perversidade do forasteiro teve sobre as vidas das pessoas que o amavam. Assim, é abordada uma série de questões morais e filosóficas, como a escolha que cada um pode fazer entre o certo e o errado, o pecado, o vício, a reincidência, a possibilidade de redenção e a existência de vida após a morte.

O cocheiro da morte passa para resgatar a alma de Edit.

David Holm reconhece, no cocheiro da morte, um amigo que havia morrido no Réveilon anterior e que tenta convencê-lo 
a visitar Edit. 

David Holm, em primeiro plano, era um homem dissoluto e entregue ao vício.

As jovens Edit e Maria, do Exército da Salvação, tentam ajudar o homem e conduzi-lo ao bom caminho.

A pobre Sra. Holm caiu em desgraça pelas maldades do marido.

O filme é repleto de efeitos especiais hoje considerados primários, mas que, àquela época, significaram uma verdadeira revolução na linguagem cinematográfica. Um exemplo é a cena em que o cocheiro da morte vai recolher a alma de um homem prestes a se afogar e a carruagem anda sobre o mar. Podemos citar, também, as cenas em que as almas dos mortos atravessam paredes.

David Holm e o cocheiro finalmente chegam à casa de Edit.

Selma Lagerlöff era uma bela moça.
A autora da obra, Selma Lagerlöff, foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, no ano de 1909. Consta que, desde a infância, possuía um problema na perna que a impedia de andar e brincar como as outras crianças, fazendo com que mergulhasse mais e mais nos livros. Assim, Selma cresceu cercada pelas lendas escandinavas, com seus fantasmas, gnomos e seres fantásticos e desenvolveu uma imaginação fértil que muito enriqueceu sua obra e, mais tarde, contribuiu para torná-la uma grande escritora. É possível associar sua deficiência física a uma situação recorrente no filme: toda vez que se aproxima de um cadáver para recolher sua alma, o cocheiro da morte ordena: - "Liberta-te deste corpo que te aprisiona!". Ao inserir essa fala em sua obra, é como se Selma também tivesse se sentido "aprisionada" em seu corpo, na infância, pela impossibilidade de andar.

Algumas curiosidades também cercam a produção. Uma delas é que o diretor, Victor Sjöström, teria supostamente viajado até a casa de Selma Lagerlöff e atuado toda a obra à sua frente para obter a aprovação da autora, antes de cair exausto num sofá. Além disso, consta que ele se disfarçou de pobre e ficou um tempo em favelas de Estocolmo para se preparar para o filme, embora, cá entre nós, seja difícil imaginar a existência de favelas em Estocolmo!

O elenco é formado por Victor Sjöström (David Holm), Astrid Holm (Edit), Hilda Borgström (Sra. Holm) e Lisa Lundholm (Maria, colega de Edit no Exército da Salvação), entre outros. A fotografia, fantástica, é de Julius Jaenzon.

“Deus, deixe que minha alma amadureça antes de recolhê-la!” (Texto recorrente na obra)

O filme A CARRUAGEM FANTASMA não será mais exibido, mas muitos outros filmes interessantes do módulo 'Luz e Sombras' poderão ser conferidos na V JORNADA BRASILEIRA DE CINEMA SILENCIOSO. Consulte a programação em www.cinemateca.gov.brlembrando que a entrada é gratuita. A Cinemateca Brasileira fica no Largo Senador Raul Cardoso, V. Clementino – tel.: 3512-6111.

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