quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Avignon: dos pontífices à ponte, um cenário que vale a pena descobrir.

Eu lembrava, das aulas de história, que a cidade francesa de Avignon havia sido morada de alguns papas na Idade Média. Porém, confesso que o período exato em que isso ocorreu me fugia da lembrança, até porque, em minha época de escola, as aulas eram mais na base do "decoreba" e nenhum professor abriu o mapa da França para nos mostrar onde exatamente se localizava essa cidade que tem hoje cerca de 95 mil habitantes. Felizmente, quanto mais eu crescia, mais minha curiosidade aumentava (e devo dizer que minha ansiedade cresceu na mesma proporção, porque comecei a não dar mais conta de estudar tudo o que queria). E se antes tinha só uma vaga ideia de como seria Avignon, embora soubesse que a cidade sedia um dos festivais de teatro mais importantes do mundo, finalmente tive o prazer de conhecê-la pessoalmente. E descobri, entre outras “cositas” mais, que nove papas se sucederam ali em boa parte do século XIV, mais precisamente entre 1309 e 1377.

Vista do início da Ponte de Avignon, com o rio Ródano à esquerda - Foto: Simone Catto

Talvez você esteja se perguntando por que cargas d'água esses papas ficavam em Avignon e não em Roma, sede da cristandade. A resposta é simples: por causa da força política do rei da França, Filipe IV. O então monarca entrou em choque com a Igreja Católica, em Roma, porque o papa Bonifácio VIII não permitia que ele cobrasse tributos da igreja francesa. Como àquela época era a França que ditava as regras no mundo, o rei simplesmente deu uma "canetada" e ordenou que o sucessor do Papa Bonifácio, Clemente V, permanecesse em Avignon. Assim teve início a linhagem de papas franceses que residiram naquela cidade.

Rio Ródano - Foto: Simone Catto

A passagem dos papas por Avignon marcou indelevelmente seu traçado e sua  arquitetura, notadamente a partir da construção do Palácio dos Papas, uma imensa e imponente fortaleza que simbolizou à perfeição o poder temporal e espiritual que o papado exercia à época. Maior palácio gótico da França e Patrimônio Mundial da Unesco, o edifício é tanto mais impressionante ao sabermos que levou menos de vinte anos para ser erigido, entre 1335 e 1352.

Vista do Palácio dos Papas, em Avignon - Foto: Simone Catto

Parte do Palácio dos Papas e da muralha que circunda a cidade velha - Foto: Simone Catto

Logo ao entrar no palácio, visualizei alguns operários montando uma arquibancada de metal no pátio interno. Perguntei a uma funcionária do que se tratava e ela me explicou que já eram os preparativos para o festival de teatro, que acontece todos os anos em julho, auge do verão, quando o Palácio dos Papas torna-se o principal palco para os concorridos espetáculos.

O palácio tem 25 salas abertas ao público e implantou uma tecnologia genial que torna a visita infinitamente mais interessante: logo ao entrarmos, podemos pegar o Histopad, um tablet que permite uma experiência imersiva e interativa de realidade virtual. Cada aposento tem um enorme QR Code e é só aproximarmos o tablet para visualizarmos como era o espaço na época dos pontífices. À medida que caminhamos, vamos enxergando o mobiliário, os afrescos, as tapeçarias, a decoração... é como uma viagem no tempo. Graças a essa reconstituição em realidade aumentada, conseguimos rever os faustos da corte papal do século XIV com grande exatidão. Além disso, comentários de áudio, mapas que acompanham a visita e fundos musicais enriquecem ainda mais a descoberta das salas reconstituídas. Portanto, se você for a Avignon visitar o palácio, não deixe de pegar seu Histopad para sua experiência não ficar pela metade!

Maquete do Palácio - Foto: Selma

Detalhes do palácio gótico. Acima, à direita, dá para visualizar
a Virgem Maria dourada da Basílica Notre-Dame des Doms.
Foto: Simone Catto

Ainda hoje, as capelas e os apartamentos privados dos papas conservam valiosos afrescos de escolas francesas e italianas de pintura, alguns atribuídos ao pintor italiano Matteo Giovannetti. Os demais espaços do palácio tinham diferentes funções: sacristias, salões de banquetes e de cerimônias, tesouraria, escritório, biblioteca e muitas outras que conseguimos visualizar mobiliadas e decoradas com o auxílio do Histopad. 

O interior gótico do palácio - Foto: Selma

Era na sacristia que os papas trocavam os trajes durante as cerimônias realizadas na Grande Capela. Abaixo, vemos uma vista da Sacristia Norte. Ela tem várias estátuas de gesso, a maioria presenteada por cidades da Europa, representando figuras políticas e religiosas ou convidados de prestígio recebidos no palácio pelos pontífices.

Estátuas de gesso da Sacristia Norte, a maioria doada por cidades europeias, mostram personagens ilustres.
Foto: Simone Catto

Na parte externa, terraços em torno da construção oferecem belas vistas da cidade de Avignon e do rio Ródano (Rhône), que tem 812 km, percorre a França e a Suíça e é mais lembrado pelos vinhos produzidos em suas margens: os famosos Côtes du Rhône.

Vista de Avignon a partir dos terraços do palácio - Foto: Simone Catto

Outra bela vista da cidade, um pouco mais à direita - Foto: Simone Catto

Vista da praça que dá para a entrada do Palácio dos Papas - Foto: Selma

Detalhe das esculturas do prédio à direita - Foto: Simone Catto

E por falar na vista do terraço... quem visita o palácio tem acesso à famosa Ponte Saint Bénezet, mais conhecida como Ponte de Avignon, também listada como Patrimônio Mundial da Unesco. Diz a lenda que o camponês Bénezet, no século XII, recebeu ordens celestes para construí-la e, assim, unir as duas margens do rio Ródano.

A Ponte de Avignon, saindo do palácio - Foto: Simone Catto

Ponte de Avignon - Foto: Simone Catto

Concluída em 1185, a ponte foi considerada uma verdadeira proeza técnica com seus cerca de 900 metros e 22 arcos, mas, atualmente, ela não dá a lugar algum: simplesmente acaba em nada, no meio do rio. E essa bizarrice arquitetônica ocorre porque foi parcialmente destruída várias vezes pelas violentas inundações do Ródano e reconstruída, sucessivamente, até que no século XVII, a cidade deu um "basta" na situação, farta do transtorno interminável e dispendioso dessa reconstrução sem fim. Dos 22 arcos originais, portanto, restaram somente quatro e algumas capelas. Uma delas é a capela Saint Bénezet, construída no século XII, que teria abrigado a sepultura do camponês que construiu a ponte. Dizem que a capela sagrada é local de milagres.

Vista da ponte, que acaba no meio do rio - Foto: Simone Catto

Capela de Saint Bénezet, supostamente local de milagres! - Foto: Simone Catto

O que pode ser considerado um verdadeiro milagre, mesmo, são as muralhas medievais admiravelmente bem conservadas da cidade. Mas isso é assunto para o próximo post, no qual vamos percorrer mais um pouco de Avignon. Clique aqui para continuar o passeio!

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