Eu já sabia que 'Amor',
de Michael Haneke, não seria um
filme fácil. A história de um feliz casal de octogenários que, de repente, tem
suas vidas dolorosamente transtornadas pelo AVC incapacitante da mulher, exímia
pianista, obviamente não é do tipo que faz a gente sair saltitante do cinema. O
que eu não poderia imaginar é que, além de triste, o filme também se revelaria dolorosamente
chocante.
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Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), uma dupla tocada pelos anjos. |
Os velhinhos Georges (Jean-Louis
Trintignant, um dos grandes ícones do cinema francês) e Anne (Emmanuelle
Riva) são independentes e vivem bem. Casados há décadas, são companheiros e
se tratam com carinho e respeito. O filme começa quando ambos, professores de
música aposentados, saem conversando satisfeitos do concerto de um ex-aluno. Até que, durante
um café da manhã, Anne tem um derrame cerebral e, para que seu estado não se
agrave, precisa se submeter a uma cirurgia que tem apenas 5% de risco de dar
errado. Por uma trapaça do destino (e para justificar a existência do filme,
claro...), Anne cai justamente no lado errado da estatística e a cirurgia é
malsucedida. A partir daí, sua saúde só piora.
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A cena em que Anne sofre o AVC é particularmente triste. |
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Georges ampara a esposa, que na fase inicial da doença ainda está lúcida e consegue realizar alguns movimentos. |
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Companheiros inseparáveis, os velhinhos também compartilham grande afinidade intelectual. |
Georges cuida da esposa com uma força e resistência extraordinárias
para um idoso de sua idade. O homem pacientemente banha a mulher, faz sua
higiene, lhe dá comida na boca, procura prover todas as suas necessidades. É de
cortar o coração. O estado de saúde de Anne, contudo, vai se degradando dia a
dia. Pouco a pouco, ela perde a capacidade de falar e se mexer e, em sua mente, vai se
volatizando o fio tênue que separa lucidez de imaginação. Georges assiste a
tudo, dilacerado.
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Em sua imaginação, Georges vê a esposa tocando magistralmente o piano, uma visão à qual estava habituado. |
O casal tem uma filha
distante (Isabelle Huppert) que, ao ver o esforço sobre-humano empreendido
pelo pai para cuidar da mãe, sugere sua internação em uma instituição especializada.
O pai reluta, sobretudo porque, na fase inicial da doença, Anne havia lhe suplicado
que prometesse nunca deixá-la num hospital. Anne não é internada e seu estado de
saúde vai piorando na mesma medida em que as energias de Georges também vão se
esgotando. Daí para o desfecho chocantemente trágico – e, cá entre nós, em
certa medida previsível para uma espectadora de filmes franceses como eu - é um
pulo.
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A filha Eva (Isabelle Huppert) tenta convencer o pai a hospitalizar a mãe. |
Os atores são soberbos. Não por acaso, Emmanuelle Riva, magnífica, concorre ao Oscar de melhor atriz por
sua comovente interpretação de Anne. Sua atuação é verdadeiramente
impressionante, o que é um alento num mundo que não raro supervaloriza a
juventude em detrimento do talento. Aliás, ao saber que era ela a protagonista
de 'Amor', logo lembrei que também foi
ela, ainda jovem, bonita e dona de um par de olhos incrivelmente expressivos, que
protagonizou o belíssimo 'Hiroshima mon
Amour', um cult de Alain Resnais produzido no ano de 1959.
Vencedor do Globo de Ouro 2013 como Melhor Filme de Língua
Estrangeira, 'Amor' também foi indicado ao Oscar de melhor
filme, direção, filme em língua estrangeira e roteiro original. Certamente
levará algum!
Se
você pretende assistir, prepare-se para um filme forte. Mas não vá se estiver
deprimido(a), sob risco de se suicidar no final! 'AMOR' está em cartaz em várias
salas, entre as quais Reserva Cultural 3, Espaço Itaú de Cinema – Augusta 1,
Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 6 e Playarte Bristol 2. Eu assisti no ReservaCultural e, enquanto aguardava minha sessão, aproveitei para comer um chou com cappuccino no café Pain de France, sempre agradável e cheio
de gente interessante. Vale a pena conferir o show de interpretação do
maravilhoso casal de protagonistas, Emmanuelle Riva e Jean-Louis
Trintignant.
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