Cheguei a Saint-Remy-de-Provence, no sul da França, movida pelo
desejo de conhecer os locais pelos quais Van Gogh havia passado e
contemplar as paisagens que ele havia transformado em arte. Contudo, ao pesquisar
o roteiro, acabei descobrindo que a cidade tinha muito mais atrativos do que o
fato de ter abrigado e inspirado o gênio holandês dos pincéis.
Foi assim que, antes de sair ao encalço do artista, acabei
parando em Glanum, um magnífico sítio
arqueológico dentro do território de Saint-Rémy que remonta aos séculos VII e VI
a.C. Os primeiros habitantes locais foram os Salyens, gauleses celtas da
Provence, que se estabeleceram na encosta da cadeia de montanhas dos Alpilles
até o século II a.C. Esse povo cultuava um deus chamado Glan e acreditava que
ele habitava uma fonte sagrada na companhia de um séquito de bondosas "Deusas-mãe", também chamadas "Glanicae" (talvez essa palavra seja o equivalente celta
a "Glanetes", rs). O povoado cresceu em torno dessa fonte, cujas águas eram
consideradas terapêuticas, e sofreu influência dos gregos de Marselha.
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A paisagem no entorno de Glanum é linda - Foto: Simone Catto |
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Glanum - Foto: Simone Catto |
A partir do século I a.C., os romanos conquistaram a região e
impuseram seus modelos arquitetônicos,
como os templos geminados dedicados ao culto do imperador, o fórum (praça
pública) e as termas. A fonte sagrada, que até então era simplesmente esculpida
em uma rocha, ganhou o reforço de uma construção. Foi no período romano, aliás,
que Glanum alcançou sua maior pujança.
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Fonte sagrada - Foto: Chris Hellier |
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Nesta vista assinalei, em vermelho, os degraus que levam à fonte sagrada - Foto: Simone Catto |
Posteriormente, em 260 d.C., o povoado foi destruído por
invasões bárbaras e depois abandonado, para ser redescoberto somente em 1920. O
fato é que caminhar pelo sítio arqueológico, que preserva resquícios das épocas
celta, helenística e romana, é como mergulhar no passado dos povos que se
sucederam – nem sempre pacificamente - na região. A imagem abaixo é um bom
exemplo. A parede de pedra, na parte de trás, é do tempo dos celtas. E logo à
sua frente, dá para reconhecer uma estrutura com coluna visivelmente romana. Tão longa convivência deu em casamento.
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A parede celta e o pilar romano, felizes para sempre - Foto: Simone Catto |
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Detalhe da parede celta coroada por uma árvore majestosa. Foto: Simone Catto |
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Foto: Simone Catto |
Os romanos construíram, no entorno da fonte sagrada, um
santuário a Hércules e um templo a Valetudo, deusa da saúde.
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Ruínas do templo Valetudo - Foto: Simone Catto |
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Entorno do templo Valetudo enfeitado pelas papoulas, que se insinuam timidamente - Foto: Simone Catto |
Dois templos de arquitetura idêntica, mas de tamanhos
diferentes, foram erigidos para homenagear a família do imperador romano. Romanos
adoravam templos, deuses e imperadores, o que foi ótimo para o legado
arquitetônico que deixaram para nós.
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Os templos geminados - Foto: Simone Catto |
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Os templos geminados no original - Foto: Simone Catto |
Os trabalhos arqueológicos identificaram várias estruturas e
ambientes que possuíam funções muito específicas. O fórum era uma praça pública
que reunia a população para as atividades econômicas e políticas e cerimônias religiosas. Era
lá que se situava o mercado. Na foto abaixo, realizada a partir de um mirante, dá para ver o
pátio retangular do fórum romano com um poço redondo.
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Vista a partir do mirante - a praça do fórum é bem evidente no átrio aberto - Foto: Simone Catto |
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Santuário de Hércules - Foto: Simone Catto |
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Detalhe ornamental romano - Foto: Simone Catto |
Abaixo temos a estrutura de uma piscina, denominada "natatio",
que provavelmente fazia parte do complexo das termas. Acredita-se que a escultura de carranca na borda, à direita, represente Dionísio, deus do vinho, das festas e do teatro.
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O "natatio", ou piscina - Foto: Simone Catto |
A cúria, reconhecível por sua abside, era onde se reuniam os políticos
eleitos e gestores locais. Uma outra sala, anexa, servia de tribunal.
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Aqui a abside arredondada da cúria se destaca na paisagem - Foto: Simone Catto |
O ambiente a seguir mostra um defumador de vinhos. Os romanos
tinham por hábito defumar a bebida, a fim de conservá-la melhor e por mais
tempo. Espertos, esses romanos. Já sabiam o que é bom.
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Detalhe dos defumadores de vinhos - Foto: Simone Catto |
Abaixo está a Casa das Antas, típica residência mediterrânea
em que os cômodos ficavam distribuídos em torno de um tanque. E antes que você
pense que as antas fizessem parte da família, aviso que a casa recebeu
seu nome devido a duas pilastras encimadas por capitéis coríntios, também
chamadas de "antas".
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Casa das Antas - Foto: Simone Catto |
Nas imediações de Glanum estão um Arco do Triunfo e o mausoléu "Julii",
construídos entre 30 e 20 a.C. Sim, romanos também adoravam arcos. Não
duvido que tenham inventado o arco-íris.
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O mausoléu Julii e o Arco do Triunfo - Foto: Jean C. |
O mausoléu foi erguido por três irmãos aristocratas da família
Julii em homenagem ao avô e ao pai Caius, mas o gesto nobre também escondia
uma motivação bem mais mundana: ostentar aos quatro ventos a riqueza da
família. Os Julii foram agraciados com uma grande honraria: devem seu nome a
Júlio César porque o avô, ao tornar-se soldado do imperador na Guerra dos Gaules
(a partir de 58 a.C.), ganhou a cidadania romana.
A base do mausoléu é decorada com relevos de cenas da batalha de
Zela (47 a.C.), durante a qual Júlio César teria pronunciado a célebre frase "veni,
vidi, vici; vim, vi, venci". É a única representação conhecida dessa batalha.
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Detalhe do mausoléu - Foto: Patrick |
Fiquei longas horas em meio às ruínas de Glanum. A graça de
visitar um lugar desses, pelo menos para mim, é sentar, respirar fundo, sentir
a atmosfera e tentar recriar, em minha imaginação, como devia ser a vida das
pessoas que viveram lá. Em determinado momento criei em minha mente a imagem
dos celtas felizes, dançando em torno da fonte sagrada e cantando para o deus
Glan. Imaginei as "Glanetes" – ops, as "Glanicae", rs - saltitando alegremente a
seu redor, como em um quadro de Fragonard. Até parece que estou vendo tudo
aquilo agora. O bom dessas viagens, aliás, é que a alegria não se limita ao momento
da visita: ela continua a viajar com a gente pela vida.
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Aqui dá para ver o topo do mausoléu bem pequenininho ao fundo, à esquerda da árvore arredondada - Foto: Simone Catto |
Se você também quiser saber sobre minha
jornada no rastro de Van Gogh em Saint-Rémy-de-Provence, clique aqui.
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