Pela quantidade de visitantes que se
apinham diante de determinadas pinturas, em diversos museus que visitei no
exterior, arrisco dizer que o Impressionismo é, possivelmente, a escola
artística mais admirada no mundo. Nascido oficialmente na França em 1874, o
movimento que festeja a pintura ao ar livre chegou ao Brasil poucos anos depois
e, ao que parece, não enfrentou tanta resistência aqui como por lá. O Impressionismo
tupiniquim começou no Rio de Janeiro, mas seu precursor no país não foi um
francês, e sim um pintor alemão chamado Georg
Grimm (1846-1887), que nasceu na Bavária e desembarcou aqui provavelmente
em 1878. Oficialmente, foi Grimm quem instituiu a pintura ao ar livre no Brasil,
lá pelos idos de 1880. Em março de 1882, ele participou de uma exposição com 128
pinturas de um total de 418, chamou atenção do governo imperial e acabou
convidado a lecionar na cadeira de "Pintura de Paisagens, Flores e Animais" da Academia
Imperial de Belas Artes. Essa informação, e muitas outras, estão na exposição O
Impressionismo e o Brasil, com curadoria de Felipe Chaimovich, atualmente
no Museu de Arte Moderna - o MAM do Ibirapuera. Apesar de focar nos expoentes do Impressionismo brasileiro, a mostra também se permite exibir algumas telas de Renoir do acervo
do nosso MASP, a fim de melhor ilustrar o movimento.
Georg Grimm - 'Rochedo da Boa Viagem' (1887) - óleo s/ tela Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto |
Pierre-Auguste Renoir - 'Banhista enxugando o braço direito (Grande nu sentado)' (1912) óleo s/ tela - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Foto: Simone Catto |
Se você está se perguntando por que tudo
começou no Rio de Janeiro, vale lembrar que, no século XIX, o Rio ainda era a
capital da corte imperial, mantendo intensa atividade comercial com a Europa. Em
1844, a cidade tinha apenas seis lojas de tintas, mas em 1889 já eram mais de
cinquenta, que vendiam muitas novidades importadas, como as novas cores de
tinta a óleo em tubos metálicos, pincéis com anel metálico para afixar os pelos
ao cabo, permitindo o achatamento das pinceladas, além de caixas portáteis,
bancos dobráveis e muitos outros itens que faziam brilhar os olhos dos pintores
da natureza. O crescimento da venda de materiais industrializados deu ímpeto à
pintura de paisagem na Academia Imperial e originou a primeira escola de arte
no Rio de Janeiro. Não podemos esquecer que, àquela época, o Rio ainda tinha uma paisagem natural invejável, os morros ainda não haviam se transformado nas monstruosas favelas que são hoje e os pintores gostavam de retratar a enseada de Botafogo,
a baía de Guanabara e uma Copacabana paradisíaca, que realmente proporcionavam belíssimas
vistas. Além disso, as imagens de viagens foram ficando cada vez mais
populares, com viajantes capturando suas "impressões" em esboços rápidos sobre
papel.
Antonio Garcia Bento - 'Porto do Calaboço' (1921) - óleo s/ madeira - Coleção Orandi Momesso Foto: Simone Catto |
Lucilio de Albuquerque - 'Rio Soberbo - Teresópolis' (1927) - óleo s/ tela Coleção Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto |
Eliseu Visconti - 'Baixada de Villa-Rica' (1924) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro Foto: Simone Catto |
O professor Grimm influenciou vários de
seus pupilos na Academia e costumava dizer: "Quem quiser aprender a pintar deve pegar um pincel e ir para a mata". Seus
principais discípulos, também representados na exposição do MAM, foram o
italiano Giovanni Battista Castagneto
(1851-1900) e o brasileiro Antonio
Parreiras (1860-1937). Grimm não media esforços e vivia se arriscando para
capturar a melhor paisagem, se embrenhando na mata e abrindo "picadas" como um
Bandeirante. Segundo Parreiras, muitas vezes ele promovia excursões para as
florestas para dar aulas in loco e
conduzia os alunos a trilhas perigosas, altas montanhas e pântanos inóspitos,
como um Indiana Jones tropical. Os alunos acompanhavam o mestre heroicamente,
com suas paletas e cavaletes nas costas, certamente rezando para não virarem
comida de jaguatirica.
Na realidade, a Academia nunca simpatizara
verdadeiramente com Grimm, porque, além de rebelde, dizia-se que ele tinha um gênio
um tanto difícil. Em 1884, seu contrato como professor não foi renovado, mas
ele já havia conquistado um séquito de alunos-seguidores. Posteriormente, o
crítico Gonzaga-Duque publicou um livro no qual afirmou que o mestre bávaro foi
o único homem a ter sucesso na criação de uma escola artística no Rio de
Janeiro.
Seu aluno Giovanni Battista Castagneto, nascido em Gênova, Itália, migrou para
o Brasil em 1874 com o pai e entrou para o curso de pintura de paisagem da
Academia em 1879. Após estudar com Grimm por dois anos, especializou-se em
paisagens marinhas. Castagneto costumava alugar barcos para pintar em alto-mar
e, quando não dava tempo de trocar de pincel, usava aquilo que tivesse à mão:
seus dedos, as unhas, um pedaço de corda, um graveto, enfim - o que estivesse ao seu
alcance. Suas pinturas não revelam superfícies polidas ou acabadas: Castagneto
gostava de deixá-las empastadas, muitas vezes com textura rude. Aproveitando a
grande oferta de tintas industriais, tinha uma paleta diversificada, o que lhe
permitia pintar rapidamente enquanto estava nos barcos, sujeito ao movimento das
ondas, dos ventos e do vai-e-vem das marés.
Giovanni Battista Castagneto - 'Marina com barcos' (1894) - óleo s/ tela - Coleção Luiz Carlos Ritter, RJ - Foto: Simone Catto |
Antonio Parreiras decidiu tornar-se pintor em 1878 após
herdar um dinheiro que lhe permitiu custear seus estudos na Academia Imperial
de Belas Artes, onde se matriculou no curso noturno. Contudo, foi
somente em 1884 que começou a ter aulas de pintura de paisagem e estudou com
Grimm apenas alguns meses antes que este fosse desligado da escola. Apesar do
pouco tempo de convivência com o alemão, Parreiras ficou vivamente
impressionado com seu estilo e imediatamente começou a pintar a céu aberto.
Quando Grimm deixou a Academia, não hesitou em segui-lo. Acordava ao nascer do
sol e ia encontrar o professor em Boa Viagem, local de sua residência, onde os
dois trabalhavam juntos até a noitinha.
Antonio Parreiras - 'Escola ao ar livre - Teresópolis, RJ' - c.1892 - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro Foto: Simone Catto |
Após o período de estudos, Parreiras não
tinha mais dinheiro e, desconsolado, olhava os tubos de tintas fornecidos pela
Academia se esvaziarem, sabendo que não poderia comprar novos e, portanto, que
teria de parar de trabalhar. Os alunos de Grimm, aliás, eram em geral pobres e,
quando as telas e tintas fornecidas pela escola acabavam, todos sabiam que não
teriam condições de continuar pintando. Quando a monarquia acabou e a escola
oficial passou a se chamar Escola Nacional de Belas Artes, Parreiras conseguiu
tornar-se professor da instituição, mas, posteriormente, fundou uma escola
independente em Niterói, o Ateliê Livre. Assim como Grimm, ele também se
embrenhava nas florestas à caça de belas paisagens para retratar em suas telas.
Antonio Parreiras - 'Pintando do natural' (1937) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro Foto: Simone Catto |
Antonio Parreiras - 'Crepúsculo' (s/d) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Simone Catto |
Além de Castagneto, um outro italiano
desembarcou por aqui e se encantou com a paisagem tropical. Eliseu D'Angelo Visconti (1866-1944) veio
para o Brasil em 1873 e matriculou-se na Academia Imperial de Belas Artes em
1885, um ano após a saída de Grimm. Em 1890, uniu-se ao grupo de "rebeldes" do
Ateliê Livre, mas depois voltou a se reconciliar com os acadêmicos da
Escola Nacional de Belas Artes e ganhou um prêmio que lhe permitiu estudar na
França – o primeiro prêmio da recém-instituída República. Durante toda a década
de 90, Visconti permaneceria na Europa, mas, mesmo assim, continuava a enviar
pinturas para os salões do Rio de Janeiro. Ao retornar ao Brasil, em 1900, já
era chamado de impressionista pela imprensa brasileira.
Eliseu Visconti - 'Igreja de Santa Teresa' (s/d) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes, RJ Foto: Simone Catto |
Eliseu Visconti - 'Três meninas no jardim' (s/d) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes, RJ Foto: Simone Catto |
Eliseu Visconti - 'Vista da Gamboa' (1889) - óleo s/ tela - Coleção Cristina e Jorge Roberto Silveira Foto: Simone Catto |
Por volta de 1900, o impressionismo já havia
sido assimilado também na Escola Nacional de Belas Artes e a pintura ao ar livre
já era uma prática comum entre os alunos da instituição. Os irmãos João e Arthur Timótheo da Costa,
nascidos respectivamente em 1879 e 1882, eram pobres e negros – o que
constituía um fator de forte discriminação no Brasil do século XIX, mas
conseguiram estudar na Escola Nacional graças à sensibilidade de seu patrão na Casa
da Moeda, local onde trabalhavam. O homem foi um verdadeiro anjo da guarda para
os dois meninos: reconheceu seu talento, patrocinou seus estudos, e eles ganharam
vários prêmios de pintura, além de terem a oportunidade de viajar para a
Europa, onde puderam admirar de perto as obras impressionistas.
Arthur Timótheo da Costa - 'Quinta da Boa Vista' (1919) - óleo s/ tela - Coleção particular - Foto: Simone Catto |
João Timótheo da Costa - 'Paisagem RJ' (1921) - óleo s/ tela - Pinacoteca do Estado de São Paulo - Foto: Simone Catto |
Arthur Timótheo da Costa - 'Sem título' (1919) - óleo s/ tela - Museu Afro Brasil Foto: Simone Catto |
Entre essa turma que pintava ao ar livre
também havia uma mulher extremamente talentosa, a paulista Georgina de Moura Andrade de Albuquerque, nascida em Taubaté no ano de 1885.
Georgina matriculou-se na Escola Nacional de Belas Artes em 1905 e mudou-se
dois anos depois para Paris com o marido, o igualmente talentoso pintor Lucilio de Albuquerque. Em 1927, a
artista se tornaria professora da escola onde havia estudado.
Georgina de Albuquerque - 'Canto do Rio' (c.1926) - óleo s/ tela - Coleção Governo do Estado do Rio de Janeiro Foto: Simone Catto |
Georgina de Albuquerque - 'Raio de Sol' (c.1920) - óleo s/ tela - Museu Nacional de Belas Artes Foto: Simone Catto |
A pintura abaixo me lembrou muito Cézanne e o pós-impressionismo, o que não é de se espantar, uma vez que o casal Albuquerque havia morado em Paris e teve contato com várias vanguardas.
Lucilio de Albuquerque - 'Paisagem' (1949) - óleo s/ tela - Pinacoteca do Estado de São Paulo - Foto: Simone Catto |
Lucilio de Albuquerque - 'Arredores de Porto Alegre' (1914) - óleo s/ madeira - Coleção Orandi Momesso - Foto: Simone Catto |
Na década de 20, o impressionismo estava
completamente estabelecido no Brasil e não se limitava mais às paisagens: seus
artistas aplicavam o estilo também na pintura de outros temas, como retratos e
naturezas-mortas. E foi assim que o Impressionismo tornou-se o primeiro
movimento artístico no Brasil diretamente relacionado a inovações industriais.
Veja também:
Se você gosta de pintura "de primeira", daquela produzida pelos velhos mestres, não deixe de visitar a
exposição O IMPRESSIONISMO E O BRASIL! MAM Ibirapuera - Av.
Pedro Álvares Cabral, S/N. Tel.: (11) 5085-1300 – atendimento@mam.org.br. Entrada: R$ 6,00 – gratuita aos
sábados. Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h30. Até 27/8. Não perca!
Que artigo incrível! Super informativo e de leitura agradável. Acabei encontrando seu blog enquanto pesquisava por uma das obras da Georgina que encontrei na exposição, tinha fotografado também mas esqueci de anotar o nome.
ResponderExcluirDe qualquer maneira foi uma ótima descoberta, com certeza vou continuar acompanhando.
Obrigada, Juliana, fico feliz que tenha gostado! É muito bom compartilhar com as pessoas um pouco de arte e beleza. Abraço!
Excluir"Não podemos esquecer que, àquela época, o Rio ainda tinha uma paisagem natural invejável, os morros ainda não haviam se transformado nas monstruosas favelas que são hoje" ???????? O Rio de Janeiro continua lindo com as favelas, pelo amor de Deus...
ResponderExcluirOlá! É fato que a ocupação desordenada das encostas e a falta de planejamento urbano infelizmente causaram a destruição de boa parte da Mata Atlântica do Rio de Janeiro, infelizmente..
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